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Eu diria que, antes do Golpe, atribuía certos poderes à educação, que, de fato, a ultrapassavam, mas isso num momento que era de muito

102 otimismo. Com exceção feita a alguns grupos de esquerda, havia uma quase certeza de que chegaríamos ao poder. Havia uma grande e generalizada esperança, de que eu participava. Nessa atmosfera, não era difícil ensinar os estudantes. O momento era extraordinário. Os jovens estavam absolutamente motivados historicamente para participar da transformação. Lembro-me de que, uma vez, precisávamos de 600 estudantes para trabalhar como professores na alfabetização de adultos numa área do Rio de Janeiro. Pusemos um anúncio no jornal e apareceram 6.000 candidatos! (Ira ri.) Foi terrível! Tivemos que entrevistá-los num estádio para selecionar os 600, em fins de 1963. Foi um tempo de fantástica mobilização popular, e a educação fazia parte dela, era um de seus elementos principais, até que veio o Golpe. (1986, p.26)

2- Engajar-se num processo permanente de iluminação da realidade com os alunos, lutar contra a falta de nitidez e o ocultamento da realidade, têm algo a ver com evitar de cair no cinismo. Esse é um risco que nós, educadores, correis, na medida em que trabalhamos, trabalhamos, trabalhamos e frequentemente não vemos resultados. Muitas vezes, podemos perder as esperanças. Em tais momentos, não há solução e podemos até nos burocratizar mentalmente, perder a criatividade, arranjar desculpas, tornar-nos

mecanizados – isso é a burocratização da mente, uma espécie de fatalismo. (1986, p.36)

3- Ela impede que você perca a esperança. Não, não posso dizer que ela, por si só, impede a perda da esperança. Ela é parte de um processo que impede que alguém se torne burocrático, mecanizado. E claro que também pode haver formas distorcidas de ser militante. Quando falei sobre militância agora, estava falando sobre a militância que você havia explicado tão bem antes, uma espécie de esforço permanente de crescimento, de criação, até mesmo sem dormir! Porque nós não devemos dormir. (rindo).

Você sabe, devemos estar constantemente atentos ao que está acontecendo, lutando para transpor os limites. (1986, p.37).

4- Sim! O sonho dele, absolutamente concreto, é o seu futuro e a sua esperança. Em nenhum sentido haveria um futuro para seus filhos sem sua esperança. Então, sabendo disso, ele ultrapassou o medo. Não um medo paralisante. Ira,

103 não é fácil de explicar isso ou de conviver com isso. Depois de ver a doçura desse homem fantástico, desse trabalhador brasileiro, essa história de seu medo, quando eu deixei o encontro, naquela noite em São Paulo, também me senti de certo modo mudado. Aquele homem me deu uma nova dimensão de coragem. (1986, p.45)

5- Ao contrário, é a sociedade se tornar de um certo jeito que cria essa preocupação entre os estudantes. Há algumas condições históricas, muito concretas, que criam as expectativas dos estudantes sobre a pedagogia. Em segundo lugar, acho que a esperança de obter um emprego, depois de uma educação tradicional, não é um problema para o currículo oficial, não é um problema dos professores que usam o método da transferência de conhecimento. Conseguir um emprego é uma expectativa muito concreta e realista, que se encaixa facilmente na escolaridade regular. É normal que classes tradicionais correspondam à preocupação dos estudantes em conseguir emprego. Elas concordam com o status quo, inclusive com o mercado de trabalho em que os estudantes deverão ingressar. Em terceiro lugar, de meu ponto de vista, acho que tanto o educador tradicional como o educador libertador ou democrático devem atender às expectativas dos estudantes. Tentarei ser mais concreto. (1986, p.47).

6- Parte do desespero dos professores, agora, é que a educação está sendo um dos setores mais depreciados desta sociedade. Ela foi marginalizada depois dos anos 60, para diminuir a contestação igualitária que se desenvolvia nos campi. Assim, da noite para o dia, os dias de esperança se transformaram em cortes de orçamento, demissões, e programas repressivos de retorno ao básico. Os professores que trabalham pela transformação, nas escolas ou nas faculdades, quase sempre se sentem ali isolados, perguntando-se o que significa seu trabalho numa área tão depreciada da economia. A educação foi marginalizada pela reação conservadora aos anos 60, precisamente devido a seu potencial político. (1986, p.83).

7- Suponha que levemos o ensino ideológico para essa difícil situação. A nova pedagogia se situará na dicotomia da velha educação, que distingue a leitura

104 dos textos da leitura da realidade. Nosso ensino respeitará a linguagem e os temas dos alunos, mas os desafiará com questionamentos críticos sobre as condições que eles, no momento, sabotam ou às quais se rendem passivamente. A abordagem libertadora pode criar condições para algum tipo de iluminação, algum estudo sistemático, mas não há garantia alguma de que o método dialógico, em qualquer situação, possa acabar com a desordem ou a passividade. Certamente um curso libertador não produzirá mais empregos, famílias estáveis, menos racismo e sexismo, melhores habitações, redução da corrida armamentista, faculdade mais democrática, sequer um edifício escolar mais atraente. Só a oposição organizada pode alcançar esses objetivos. O que podemos dizer é que o método dialógico pelo menos opõe-se à lógica da dominação, opõe-se ao currículo dicotomizado e contesta as relações sociais da aprendizagem, que impedem a liberdade e o pensamento crítico. Isto, por si só, não mudará a sociedade, é claro, mas pode visar a uma détente na guerra dentro da sala de aula. O método dialógico oferece a esperança de uma trégua entre os alunos e o professor, para abrir as discussões sobre a realidade que os envolve a ambos. Estes são os limites operacionais que percebo existir, para um professor libertador na minha cultura. (1986, p.87)