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2. Estrutura, Governação e Financiamento das Instituições de Ensino Superior

2.2 Governação e Enquadramento Regulatório

2.2.1 Governação e Enquadramento Regulatório em Portugal

Em Portugal, as instituições de ensino superior públicas são criadas por decreto-lei. Em termos de regime jurídico, as instituições de ensino superior públicas são pessoas colectivas de direito público, podendo, porém, revestir a forma de fundações públicas com regime de direito privado, caso requeiram ao Governo a sua transformação para esta modalidade jurídica. As entidades que se enquadrem na primeira modalidade são parte integrante do sector público e em particular do sector público administrativo.

As entidades instituidoras de estabelecimentos de ensino superior privados são pessoas colectivas de direito privado, não tendo os estabelecimentos personalidade jurídica própria. Os estabelecimentos de ensino superior privados podem ser criados por entidades que revistam a forma jurídica de fundação, associação, cooperativa, bem como por entidades de natureza cultural e social sem fins lucrativos e, ainda, por sociedades por quotas ou anónimas. Para poderem funcionar, as entidades instituidoras de estabelecimentos de ensino superior privados têm de requerer ao ministro da tutela o reconhecimento de interesse público dos respectivos estabelecimentos.

Talvez fruto do maior peso do Direito Romano na codificação do enquadramento legal em Portugal24, o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) prescreve, de forma detalhada, o modelo de governação a ser adoptado pelas instituições de ensino superior. Em particular, o RJIES descreve quais os órgãos de

24 Para mais desenvolvimentos sobre as implicações da distinção entre sistemas de “Common Law” e sistemas de Direito Romano, veja-se, no primeiro capítulo a secção 1.2.2.

54 governo que podem ser constituídos, as suas competências, a composição dos seus membros e a duração dos seus mandatos e vai ao detalhe de, dentro das próprias instituições de ensino, definir os órgãos de governo das escolas e unidades orgânicas dotadas de órgãos próprios e de autonomia de gestão. É claro que os estatutos de cada instituição dispõem também sobre os seus órgãos de governo, mas eles estão, sem dúvida, bastante limitados em termos da formulação dos órgãos de governo, das suas competências e da composição dos seus membros, dadas as prescrições detalhadas que o RJIES veicula.

Assim, e atendendo ao RJIES é possível identificar ao nível das instituições de ensino superior públicas os seguintes órgãos de governo:

• Reitor (nas universidades e institutos universitários) ou Presidente (nos institutos politécnicos) ou Director (nos restantes casos);

• Conselho Geral; • Conselho de Gestão;

• Senado Académico (de natureza opcional); • Outros órgãos consultivos (de natureza opcional).

O reitor ou presidente é o órgão superior de governo e representação externa da instituição e é o presidente ao conselho de gestão, que é o órgão executivo da instituição. No caso das universidades, antes da entrada em vigor do RJIES, a selecção do reitor era feita por eleição de entre os professores catedráticos com nomeação definitiva na instituição, ou seja, o reitor era um elemento interno à própria instituição, o que na opinião do relatório da OECD (2007, p. 65) contribuía para o carácter de insularidade das universidades.

Actualmente o processo de escolha do reitor é mais aberto: o processo de eleição é sujeito ao anúncio público das candidaturas, apresentação das candidaturas, audição pública dos interessados e votação final pelo conselho geral. Os reitores de uma universidade podem ser professores ou investigadores da própria instituição ou de outra instituição, nacional ou estrangeira; os directores de um instituto politécnico podem ser professores ou investigadores da própria instituição ou de outras instituições, nacionais

55 ou estrangeiras e podem ser também individualidades de reconhecido mérito e experiência profissional relevante.

O conselho de gestão é o órgão executivo da instituição e tem a competência de conduzir a gestão administrativa, patrimonial e financeira da instituição, ou seja, é o órgão que apoia o reitor na gestão da instituição. Neste sentido, este órgão é designado e presidido pelo reitor ou presidente, sendo composto por um máximo de cinco membros, um dos quais será o vice-reitor e um outro o administrador. As competências do conselho de gestão podem ser delegadas em órgãos das unidades orgânicas.

O conselho geral é o órgão que se enquadra na definição apresentada pela Eurydice (2008, p. 39) de decision-making body, ou traduzindo directamente para português, o órgão de tomada de decisão: um órgão responsável pelo planeamento estratégico, pelas linhas gerais da política educativa e de investigação e pelo desenvolvimento global da instituição, sendo também o órgão que geralmente tem a autoridade para aprovar e modificar os estatutos. No caso das instituições públicas portuguesas, fazem parte das competências do conselho geral todas estas atribuições que acabámos de descrever conjuntamente com outras de índole mais académica e ainda outras competências relacionadas com o controlo e a supervisão. No âmbito das competências académicas do conselho geral destacam-se a capacidade para, sob proposta do reitor, criar, transformar ou extinguir unidades orgânicas e para fixar as propinas devidas pelos estudantes. No âmbito das suas atribuições de supervisão destacam-se a competência para aprovar a proposta de orçamento e as contas anuais consolidadas e a competência para propor ou autorizar a aquisição ou alienação de património imobiliário, bem como as operações de crédito.

A atribuição ao conselho geral desta amálgama de competências de natureza tão diversa resulta, no nosso entender, da inexistência em Portugal ao nível das universidades e institutos politécnicos de um órgão com funções exclusivamente académicas, que constituiria um conselho académico ou um senado, e de um órgão com funções exclusivamente de supervisão.

56 Actualmente, embora o RJIES preconize a existência da figura de um senado académico, este tem natureza opcional, ou seja, de acordo com o n.º 2 do art.º 77 do RJIES, “os estatutos podem prever a criação de um senado académico constituído por representantes das unidades orgânicas, como órgão de consulta obrigatória do reitor em matérias definidas nos próprios estatutos”. Note-se porém que, até à entrada em vigor do RJIES, existia no âmbito das universidades públicas um órgão obrigatório - o senado universitário25 – que tinha competências académicas, nomeadamente no âmbito da aprovação da criação, suspensão e extinção de cursos, da concessão de graus académicos honoríficos e da instituição de prémios escolares.

Um dos pontos marcantes e muito actuais no debate sobre a governação das instituições do ensino superior diz respeito à participação de entidades externas nos órgãos de governo destas instituições. Segundo a OECD (2007, p. 61), a tendência internacional tem sido no sentido de uma maior participação de personalidades externas nos órgãos de governação. Neste ponto em particular, o relatório da OECD (2007) é muito crítico face a Portugal. O relatório classifica como incompreensível a falta de participação externa nos órgãos de governo numa altura em que há uma interacção cada vez maior entre as instituições de ensino superior e a comunidade em que se inserem, e cujas necessidades de recursos humanos qualificados as instituições visam satisfazer. A OECD (2007, p. 63) expõe ainda que, dos órgãos de governo que existiam aquando da elaboração do relatório, não havia representação externa nas assembleias das universidades, havia uma representação modesta nos conselhos gerais dos politécnicos e que apenas metade das universidades tinham entidades externas no Senado, não obstante a lei permitir a representação externa até ao máximo de 15 % dos membros do senado.

Neste ponto da participação externa houve uma mudança significativa em Portugal. Actualmente, o RJIES não se limita a permitir a presença de entidades externas. O art.º 81 n.º 5 obriga a que pelos menos 30 % dos membros do Conselho Geral sejam personalidades externas de reconhecido mérito não pertencentes à instituição. O próprio

25 As competências do senado universitário são descritas no art.º 25 da Lei da Autonomia das Universidades (Lei 108/88).

57 presidente do conselho geral é eleito de entre as personalidades externas que constituem esse órgão.

Acabámos de analisar os órgãos de governo que existem em Portugal ao nível das instituições de ensino superior públicas.

Tínhamos também referido atrás que o RJIES prescreve com muito detalhe e que inclusivamente define os órgãos de governo das unidades orgânicas das próprias instituições. De facto o RJIES preceitua a existência de:

• um conselho científico e um conselho pedagógico, ao nível das escolas no ensino universitário público; e

• um conselho técnico-científico e um conselho pedagógico ao nível das escolas no ensino politécnico público.

O RJIES preconiza ainda a existência de um órgão executivo para as unidades orgânicas dotadas de órgãos próprios e de autonomia de gestão.

Relativamente às instituições de ensino superior privadas, o RJIES, no título IV, também versa sobre a sua organização e gestão. Esta lei estipula que estes estabelecimentos devem dispor, obrigatoriamente, dos seguintes órgãos:

• Reitor (nas universidades e institutos universitários) ou presidente (nos institutos politécnicos) ou director (nos restantes casos);

• Conselho científico ou técnico-científico e conselho pedagógico.

Os órgãos de natureza consultiva e técnica também são, para as instituições privadas, de carácter opcional. Já as unidades orgânicas destas instituições privadas são obrigadas a ter um director ou presidente.

Antes de avançarmos para a análise dos órgãos de governo das instituições de ensino superior no Reino Unido, aproveitamos para clarificar que, ao contrário do que se passa nesse país, em Portugal as instituições de ensino superior relacionam-se directamente

58 com o ministério da tutela – Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior -, não existindo a figura dos organismos intermédios, que desenvolveremos no ponto seguinte.