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GOVERNANÇA DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS: UMA PRIORIDADE A NÍVEL INTERNACIONAL

António CHAMBEL1, Manuel ABRUNHOSA2

1. Presidente da IAH, Instituto de Ciências da Terra, Departamento de Geociências, Universidade de Évora, Rua Romão Ramalho, 59, achambel@uevora.pt

2. Hidrogeólogo, Tesoureiro do AIH-GP, Rua Machado dos Santos, 378, R/C Dt. Tr. 4400-209 V.N. Gaia, manuel.abrunhosa@gmail.com

RESUMO

A Governança de Águas Subterrâneas é um dos temas mais prementes na política internacional da água a nível dos especialistas em águas subterrâneas. Sendo um recurso de difícil entendimento por parte de não especialistas, incluindo os especialistas que trabalham com outras partes do ciclo da água, pela sua “invisibilidade”, pelas dúvidas que causam os cálculos dos volumes armazenados, os volumes renováveis, e sendo a classe dos especialistas em águas subterrâneas relativamente pequena, a perceção do recurso por parte da sociedade em geral é muito limitada, refletindo-se no poder político e em todas as consequências que advêm do desconhecimento em seu redor.

Os profissionais da hidrogeologia têm por obrigação consciencializar os órgãos decisores, a comunicação social, os utilizadores e o público em geral, através da educação, de uma aproximação aos meios de comunicação social e aos políticos e da informação dos utilizadores sobre a problemática da água subterrânea.

A água subterrânea corresponde a cerca de 98% de toda a água doce no Globo e contribui em grande percentagem para todas as utilizações, seja o abastecimento público ou doméstico, a produção agrícola, pecuária ou a indústria. Constitui também a principal fonte de abastecimento em regiões com escassez de água e funciona como um tampão contra eventos climáticos extremos. No entanto, este papel vital é comprometido por uma gestão deficiente: o esgotamento, a degradação da qualidade e a redução da reposição decorrentes de sistemas de governança ineficazes constituem ameaças graves a este recurso vital.

Dado o estado atual dos aquíferos e o grau de dependência humana da água subterrânea, em 2011, o GEF (Fundo Mundial para o Ambiente), a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), a IAH (Associação Internacional de Hidrogeólogos) e o Banco Mundial juntaram-se para produzir uma série de documentos orientadores para a governança da água subterrânea, a iniciativa “Governança de Água Subterrânea: um Quadro de Ação Global”, em colaboração com muitos parceiros regionais e agências responsáveis pela gestão do uso da água subterrânea e pela proteção dos aquíferos (GG-GFA 2016ª; GG-GFA 2016b; GG-GFA 2016c).

Neste projeto foram identificados os seguintes factos em relação à escala e intensidade das extrações globais de água subterrânea (Konikov 2011; Margat & Vander Gun 2013):

• A extração global de água subterrânea cresceu mais de quatro vezes nos últimos 50 anos, e estima-se que atingia cerca de 1000 km3/ano em 2010, 26% de toda a água doce extraída para os diversos usos no Planeta

• A intensidade das extrações varia enormemente, com as extrações mais intensas a ocorrerem em grandes áreas da China, Índia, Paquistão, Bangladeche, Irão, EUA, México e Europa

• Sob condições naturais, a recarga dos sistemas aquíferos tende a permanecer em equilíbrio com as descargas naturais. A extração intensiva de água subterrânea pode romper este equilíbrio, o que resulta numa redução progressiva do armazenamento de água subterrânea (sobrexploração)

• A extração global de água subterrânea que resulta num esgotamento permanente dos aquíferos é atualmente estimada em 200 km3 por ano, ou seja, próximo de 1/5 de toda a água subterrânea bombeada

Neste projeto foi também feito um “diagnóstico global”, o qual identificou as seguintes deficiências chave na governança da água subterrânea:

• Reduzido compromisso político e liderança inadequada das agências governamentais • Conhecimento limitado dos riscos para as águas subterrâneas a longo prazo • Lacunas significativas nas informações sobre o recurso

• Sistemas jurídicos e regulamentares não conformes às águas subterrâneas • Participação insuficiente das partes interessadas na gestão das águas subterrâneas

• Estruturas de incentivo não-alinhadas com os objectivos de utilização sustentável e eficiente das águas subterrâneas • Integração limitada da compreensão científica das águas subterrâneas nas políticas nacionais relacionadas

A governança efetiva de águas subterrâneas compreende a responsabilidade de ação para assegurar a proteção e uso sustentável dos recursos hídricos subterrâneos e a gestão de longo prazo dos sistemas aquíferos. Esta ação é facilitada por um enquadramento favorável e por um conjunto de princípios orientadores. A governança de águas subterrâneas tem quatro componentes:

• Um quadro institucional caracterizado por liderança, organizações sólidas e capacidade suficiente, envolvimento permanente de partes interessadas e mecanismos de trabalho para coordenar as ações concernentes às águas subterrâneas com outros setores

• Um quadro jurídico e regulamentar eficaz e articulado

• Um conhecimento preciso e amplamente partilhado dos sistemas de água subterrânea, bem como a sensibilização para os desafios da sustentabilidade

• Políticas, planos, finanças e estruturas de incentivo alinhados com os objetivos da sociedade

O projeto vem em resposta a estas preocupações globais emergentes sobre o uso cada vez mais insustentável de água subterrânea e a degradação do aquífero. O objetivo deste quadro de ação é proporcionar aos países uma série de opções políticas, institucionais e de investimento, juntamente com recomendações, para uma melhor gestão e governança a nível local, nacional e transfronteiriço.

No contexto deste projecto, a governança da água subterrânea "compreende o enquadramento e os princípios orientadores da acção colectiva responsável para assegurar o controlo, a protecção e a utilização socialmente sustentável dos recursos hídricos subterrâneos em benefício da humanidade e dos ecossistemas dependentes". A informação e o reforço do discurso global sobre a governança da água subterrânea são elementos essenciais para assegurar a funcionalidade a longo prazo dos sistemas de águas subterrâneas. São pilares que apoiam uma ampla gama de serviços sociais, económicos e ambientais. O aumento da consciencialização e da compreensão global dos enormes benefícios trazidos pela boa governança de águas subterrâneas devem ser priorizados nas discussões políticas e planos sobre a gestão de recursos naturais.

Em função dos resultados deste projeto, foram determinados como objetivos a atingir em 2030:

• Que haja um quadro regulatório e institucional legal apropriado e implementado para a água subterrânea que estabeleça a tutela pública e a responsabilidade coletiva, o envolvimento permanente das partes interessadas e a integração benéfica com outros setores, incluindo outros usos do espaço sub-superficial e dos seus recursos • Todos os aquíferos principais são adequadamente geridos, com a informação resultante e o conhecimento partilhado,

com o uso de técnicas de comunicação atualizadas

• Planos de gestão preparados e implementados para os aquíferos prioritários

• Agências locais, regionais, nacionais e internacionais de gestão de águas subterrâneas são adequadamente financiadas e as suas principais tarefas de capacitação, recursos e monitorização da qualidade e promoção da gestão da procura, juntamente com medidas do lado da oferta, estão garantidos

• Programas de investimento e de incentivo para a sustentabilidade, uso eficiente da água e para a proteção adequada dos sistemas aquíferos

É assim estabelecida uma Visão para o Mundo em 2030, no qual cada país tomou as ações apropriadas e efetivas para gerir a sua água subterrânea, de modo a atingir as metas globais do desenvolvimento social e económico e evitar a degradação irreversível dos recursos de água subterrânea e dos sistemas aquíferos.

Palavras-Chave: governança, água subterrânea, política internacional REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GG-GFA 2016a. Global Diagnostic on Groundwater Governance. Groundwater Governance: A Global Framework for Action, GEF, UNESCO, FAO, IAH, World Bank.

GG-GFA 2016b. Global Framework for Action to achieve the vision on Groundwater Governance. Groundwater Governance: A Global Framework for Action, GEF, UNESCO, FAO, IAH, World Bank.

GG-GFA 2016c. Shared global vision for Groundwater Governance 2030. Groundwater Governance: A Global Framework for Action, GEF, UNESCO, FAO, IAH, World Bank.

BINGO PROJECT: CLIMATE CHANGE AND THE GROUNDWATER