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Capítulo 2 O Antiamericanismo no Brasil em visão histórica.

3.4. Governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961)

Kubitschek e Goulart assumem o cargo para o qual foram eleitos democraticamente após as conturbações acima relatadas terem sido apaziguadas. Lançam o slogan governamental "cinquenta anos em cinco" com a promessa de crescimento e desenvolvimento nunca vistos. De fato, entre os anos de 1956 a 1961, o país mostraria altos índices de desenvolvimento. Tendo como símbolo síntese da gestão a construção e transferência da capital para Brasília.

Antes mesmo de ser empossado presidente, Juscelino Kubitschek já ouvia de Washington os mesmos argumentos de seus predecessores. E mais: o tema do anticomunismo agora tomava maior corpo, sendo assunto dominante tanto em sua visita aos EUA, como quando recebeu o vice-presidente Nixon no Brasil. Kubistchek queria entender porque o comunismo era combatido com ajuda financeira na Europa e na Ásia e não na América Latina.

Juscelino Kubistchek assume trazendo consigo o conhecido “Plano de Metas”, formulado durante sua campanha eleitoral. Comparações com Getúlio Vargas eram inevitáveis, pois, se apresentava como sucessor do Varguismo e vinha da mesma coalizão política que o ex-presidente. Porém, a grande diferença entre os dois líderes estava na visão em relação ao capital estrangeiro. Naquele momento, Kubitschek julgava que a soberania não precisava ser resguardada, mas sim afirmada. E a afirmação viria através do capital estrangeiro, que propiciaria o

188 HILTON, 1989, p.617.

arranque do desenvolvimento brasileiro. O Brasil já era um Estado democrático, o que facilitaria a utilização do capital estrangeiro.

O governo Kubitschek procurou operar uma clara relação entre a política interna e a externa. A ideia era que a democracia era o modelo político ideal a todos os povos e, para que ela existisse, os Estados Ocidentais deveriam se unir em prol de sua defesa. Ou seja, em cada continente os Estados garantiriam e defenderiam a democracia, realizando a defesa continental através do combate à miséria e ao comunismo. Para que isso fosse possível, os Estados deveriam ser desenvolvidos ideologicamente e economicamente. Aqueles que fossem contra esta lógica, eram também contra o desenvolvimento e a soberania nacional, sendo considerados subversivos e agitadores sociais. A defesa da soberania e da democracia estava ligada diretamente a defesa do desenvolvimento e da ordem.

Mesmo com este esforço diplomático, o Brasil não conseguiu angariar os capitais dos EUA e foi em busca de outros parceiros comerciais. Assim, reata relações comerciais com a URSS, com Juscelino Kubistchek deixando claro que a relação seria única e exclusivamente econômica. O apoio aos EUA era explicitado no Tratado de Fernando de Noronha, assinado em 19 de janeiro de 1957, o qual uma permissão foi concedida aos militares norte-americanos para a construção de instalações de mísseis no arquipélago. Também é assinado o Tratado de Energia atômica pelo próprio Presidente Eisenhower em sua visita ao Brasil no mesmo ano. A conturbada relação com a URSS foi debatida no governo de Kubitschek. Aqueles que apoiavam o retorno das relações diplomáticas afirmavam ser inconcebível que um grande país como o Brasil, com uma economia em expansão e buscando aprimorar sua imagem no sistema internacional, não tivesse relações com a potência do Oriente. A penetração comunista não se daria por vias diplomáticas, segundo eles, e o Brasil mantinha relações com outros países do bloco comunista como Hungria, Polônia e Tchecoslováquia. Logo, porque seria diferente com a União Soviética? Afinal, quase todos os Estados mantinham algum tipo de relação com a URSS.

Kubitschek dava real importância para as indústrias de base e de produção de bens de capital. Fixou o olhar para manter sempre a estabilidade política, seguindo uma política nacional-desenvolvimentista, porém sem o populismo ou o autoritarismo, antes agregados a esta política. Com isso, conseguiu manter os aliados de Vargas e trouxe alguns anti-getulistas para o seu arco de alianças.

Porém o crescimento econômico alcançado com sua política resultou em altos índices de inflação que o governo, temendo a estagnação, desejava equacionar no longo prazo. Já os agentes do FMI sugeriam medidas imediatas para que se sanasse o problema da crise econômica conjuntural do país, o que provocou o rompimento nas relações do Brasil com esta instituição. A manutenção do plano de industrialização estava cada vez mais difícil. Assim, Kubitschek é forçado a atrair capital estrangeiro de novas fontes e a reforçar os apelos quanto à necessidade de ajuda oficial dos EUA em áreas de infraestrutura. Reclames que são solenemente ignorados.

Cresciam as divergências entre Brasil e EUA. O governo brasileiro queria ser tratado do mesmo modo que os aliados europeus, o estadunidense considerava que já havia ajudado o suficiente. Assim, o governo Kubistchek retorna à estratégia de aproximação com nações da América espanhola. Era preciso deixar claro para nossos vizinhos do continente que o Brasil não era mais um aliado ‘especial’ dos EUA. Aliança muito mal vista pelos demais países latinos. Com base em acordos bem sucedidos, conduzidos pela diplomacia brasileira durante os dois primeiros anos da administração Kubistchek, alguns setores da sociedade brasileira começaram a ver na união latina uma promissora alternativa. Sabendo que a integração latina ocorreria de qualquer forma, cabia ao Brasil antecipar-se e liderar o movimento de forma a colocar-se em posição de destaque em futuras negociações com os EUA.

Esta conclusão aparentemente tinha se tornado dominante na alta esfera da política brasileira em meados de 1958, quando as infelizes experiências de Nixon na América Latina deram a Kubistchek uma dramática oportunidade de lançar a nova estratégia. O primeiro passo do que se tornou conhecido como Operação Pan Americana (OPA) foi uma carta a Dwight D. Eisenhower a 28 de maio clamando por uma mudança na política estadunidense perante a América Latina como um todo. 189

189 HILTON, 1989, p. 621.

A OPA objetivava creditar um sentimento de união nos países americanos rumo ao desenvolvimento. Seus idealizadores alegavam haveria um dever moral, ”cristão”, sob o qual os Estados Ocidentais deveriam ajudar os povos subdesenvolvidos. Assim, a América Latina se transformaria em uma “vitrine” frente às regiões recém- independentes da África e Ásia. Defendia, ainda, haver estreita relação entre desenvolvimento, democracia e segurança. Ou seja, o desenvolvimento do Brasil e dos demais países Latino-Americanos eram necessários para a segurança do “Mundo Ocidental”. Sobre isso, declarou o presidente:

Consentir que se alastre o empobrecimento neste Hemisfério é enfraquecer a causa ocidental. Não recuperar, para um nível de vida compatível com os foros da dignidade humana, criaturas que englobamos na denominação de povos irmãos, é semear males em terreno propício para as mais perigosas germinações (...)

É preciso que nos compenetremos da ideia de que a luta contra o subdesenvolvimento na América Latina importa em promover a segurança do continente e, nessas condições, deve-se inserir no programa estratégico a defesa ocidental. 190

O Embaixador Henrique Valle, também, enfatizou a importância da OPA para a Política Externa Brasileira nos seguintes termos:

Ao lançar e patrocinar a Operação Pan-Americana abandona o Brasil sua tradicional posição no continente, segundo a qual suas relações bilaterais com os Estados Unidos primavam sobre quaisquer outras, e se coloca na primeira fila do pan-americanismo. Mais do que isso, passa a desempenhar papel avesso ao que até então se acostumara, e, de intérprete dos Estados Unidos na América Latina, se transforma em advogado dos latino- americanos frente à potência do Norte. 191

Não só as reivindicações brasileiras foram recebidas de forma fria por Washington como conversações para esclarecer os fatos emperraram devido à intransigência de ambas as partes: os EUA propunham um acordo bilateral para combate meramente político e policial à ameaça comunista na América Latina, enquanto o Brasil insistia no tema da ajuda econômica para o desenvolvimento da região. O ressentimento brasileiro frente à política estadunidense só fez aumentar, quando se percebeu que o único e grande interesse era a ameaça comunista de Fidel Castro. Isso ficou claro quando Eisenhower, após visita à América Latina, respondeu às reivindicações de Kubitschek dizendo que a ameaça comunista era um problema de todas as

190 CARVALHO, 2010, p.26. 191 Idem, p.25.

Américas e não apenas dos EUA. Ao fim de seu governo, Juscelino estava convencido de que o Departamento de Estado havia sabotado a Operação Pan Americana.

Ao final deste longo período de desilusões, o governo brasileiro estava convencido de que o interesse estadunidense num relacionamento especial com o Brasil era praticamente nulo. As intervenções norte-americanas não passaram de paliativos para combater o aumento de influência brasileira no continente, manter o país como aliado (somente em casos emergenciais de interesse estratégico para a nação do norte) e, principalmente, debelar a ameaça comunista na América Latina.

O Brasil passa de fiel aliado nos tempos das Grandes Guerras, a parceiro negligenciado nos anos subsequentes ao fim da Segunda Grande Guerra. A mudança de atitude estadunidense não só criou um ressentido à sua política externa na América Latina, como levou o Brasil a afinar seus interesses com os de outras nações do continente. Assim, antagonistas históricos unem-se pela causa comum do desenvolvimento e da independência financeira.