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No caso concreto, a comparação do Governo Cardoso com o Governo Lula da Silva parte de um metro atrofiado. Com relação à educação, de fato, o governo Cardoso foi abertamente contra a educação pública. Sua gestão foi marcada por confrontos sistemáticos com o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP) e com os sindicatos da educação. Seu desprezo pela educação popular o levou a confrontar o Plano Nacional de Educação (PNE), construído de forma participativa e criativa nos Congressos Nacionais de Educação (CONED). Sua opção inequívoca foi pela mercantilização da educação e pelo ajuste da educação de massa a um padrão de acumulação do capital que requer grande volume de trabalho simples (LEHER, 2010, p. 370).

Estranhamente, a democratização dos direitos sociais se harmonizam com a mercantilização da educação aprofundada em níveis inéditos na educação brasileira pelos subsídios do FIES7 e pelas isenções tributárias do Programa Universidade para Todos (PROUNI), enraizando ainda mais o vasto sistema privado de educação na sociedade brasileira. (LEHER, 2010, p. 371)

O Governo FHC foi asperamente criticado pelo PT por ter ampliado as matrículas na educação superior privada a partir da concessão de empréstimos subsidiados aos estudantes

pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). No entanto, as matrículas subsidiadas pelo FIES cresceram em ritmo ainda maior no governo Lula da Silva. Por meio de verdadeiras cambalhotas na argumentação, os intelectuais-funcionários agora reivindicam a ampliação privado-mercantil como um “avanço-democrático”.

O PROUNI e o FIES estão em antípoda com os valores da esquerda. Em primeiro lugar, porque sustentam que a educação dos jovens trabalhadores é um serviço e como tal, além de ser muito lucrativo, [...], contém os germes do projeto de sociabilidade desejado pelo capital. Em segundo lugar pressupõem que para os “pobres” basta uma “educação de pobre”. (LEHER, 2010, p. 388)

Pensamos que fica aqui uma clara demonstração do que Poulantzas (1985) elabora sobre o Estado e seu discurso.

O Estado não produz um discurso unificado e, sim, vários, encarnados diferentemente nos diversos aparelhos de acordo com a classe a que se destinam: discursos dirigidos às classes diversas. Ou então produz discurso segmentar e fragmentado segundo as diretrizes da estratégia de poder. O discurso, ou segmentos de discurso dirigidos à classe dominante e sua frações, e às vezes às classes de apoio, são na realidade discursos- confissões de organização. (POULANTZAS, 1985, p. 37)

A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), uma das cinco secretarias do Ministério da Educação, foi criada pelo governo Lula com a atribuição de reduzir as desigualdades dos sistemas educacionais com base no conceito da diversidade.

O objetivo da SECAD é contribuir para a redução das desigualdades educacionais por meio da participação de todos os cidadãos em políticas públicas que assegurem a ampliação do acesso à educação (BRASIL, 2011, grifos nossos). Porém, o princípio da focalização se expressou na centralidade das ações da SECAD sobre grupos sociais em situação de vulnerabilidade social, violência e iniquidade extrema, em uma atuação emergencial com seletividade de áreas e problemas.

A SECAD reunia políticas e programas sobre temas e sujeitos até então excluídos da agenda governamental ou que recebiam um tratamento isolado: educação de jovens e adultos, educação ambiental, educação rural, educação indígena, étnico-racial, educação prisional, educação para deficientes e homofobia.

A mesma foi criada a partir da iniciativa de três atores de proeminência no governo Lula: Ricardo Henriques, economista e atualmente Presidente do Instituto Pereira Passos (RJ); Tarso Genro, ex-Ministro da Educação e ex-Ministro da Justiça, atual Governador do Rio Grande do Sul; e Fernando Haddad, ex- Secretario Executivo do Ministério da Educação e

atual Ministro da Educação. A criação do órgão resultou da percepção de seus formuladores sobre a necessidade de incluir a desigualdade na agenda pública, além da pobreza. Os formuladores entendiam que a pobreza, como objeto de política pública, tenderia a ocultar a desigualdade, considerando que a pobreza em si não reduziria o problema da exclusão social, fenômeno mais associado à desigualdade.

No entanto, pensamos a partir da correta consideração de que as políticas educacionais estão relacionadas com as diretrizes, recomendações e condicionalidades dos organismos internacionais.

A imagem é que as políticas neoliberais dos governos têm origem externa e eles seguem aplicando passivamente estas medidas, desconsiderando que estas são recontextualiazadas em virtude de dimensões históricas, políticas e econômicas, culturais, etc. A agenda bancomundialista está sendo implementada pelas frações burguesas locais, que opera ativamente. Não se trata da mera aplicação de um dado receituário, mas de uma ativa recontextualização da agenda, considerando aspectos históricos, conceituais e correlação de forças. Ignorar que o aprofundamento do capitalismo dependente somente é possível com o protagonismo das frações burguesas locais é um erro teórico que provoca pesadas consequências políticas e estratégicas como circunscrição do campo de análise ao Estado-nação. (LEHER, 2010, p. 372)

O tema da desigualdade social era um dos eixos das políticas sociais do Governo Lula e reforçava o discurso de ruptura política e a emergência de um governo mais democrático e redistributivo. Porém, o Banco Mundial e a UNESCO também fizeram a mesma formulação nos anos anteriores e o campo das políticas educacionais do governo Lula veio em consonância com as demandas do projeto histórico burguês para o século XXI.

A concepção de que a educação superior deveria ser ampliada por meio de educação à distancia, a lógica do controle por meio da avaliação e a adesão à agenda da OCDE/UNESCO, da “educação ao longo da vida” (Relatório Jacques Dellors) sugeriam que a agenda do CONED não teria lugar nas políticas educacionais [...]. A reforma da previdência dos trabalhadores do setor publico (2003), objetivando conjugar os regimes de distribuição e de capitalização e preparar o terreno para que os novos servidores fossem deslocados basicamente para o regime de capitalização, provocou o primeiro conflito entre o novo governo e os servidores públicos, em especial da educação, que deflagraram uma grande greve contra a medida. (LEHER, 2011, p. 377)

A atuação da SECAD em torno do eixo da diversidade ocorreu não apenas nos sistemas de ensino – gestão, metodologia, e formação docente –, mas, principalmente, mediante a luta pela institucionalização das ideias sobre diversidade e igualdade, através da tentativa de transformar a exclusão e as diferenças em políticas públicas. Era uma tentativa do governo Lula para equacionar o problema da desigualdade social pela ênfase na equidade na

educação através de ações sobre o plano cultural e alterar o comportamento e valores dos participantes do sistema de ensino.

Assim, com a chegada de Lula à presidência, o PT, antes oposição, passa, então, a integrar o bloco do poder, inclusive mostrando logo no início do seu mandato que sua política seria a de respeito aos acordos firmados no governo anterior com os organismos internacionais, especialmente com o Banco Mundial e o FMI. Daí a presença, nos documentos oficiais de Lula, do ajuste fiscal e da abertura comercial, que são medidas neoliberais defendidas por estes organismos e que haviam sido priorizadas nos governos de FHC. Além disso, a focalização das políticas sociais, a ênfase na função do Estado apenas como regulador e fiscalizador dos serviços sociais e, principalmente, o “aprofundamento da diluição das fronteiras entre o público e o privado” constituem elementos, evidentes nos documentos oficiais do governo petista, que sustentam a hipótese de que o papel do Governo Lula é uma continuidade do receituário neoliberal que FHC não foi capaz de concretizar em relação à reforma do Estado(BOITO JR, 1999).

Segundo Boito Jr. (1999), quando se fala em continuísmo do Governo Lula, seria conveniente precisar que tal continuísmo refere-se mais ao segundo que ao primeiro Governo FHC. O referido autor afirma que

[...] o Governo Lula lograra ampliar o impacto popular do modelo neoliberal, praticando, melhor que FHC, a política do novo populismo conservador – um tipo de populismo que explora eleitoralmente a população pobre desorganizada lançando mão, para tanto, das políticas compensatórias e do discurso ideológico neoliberal que estigmatiza os direitos sociais como privilégios. (BOITO JUNIOR, 1999, p. 3)

Há que se considerar que esperanças e frustrações estão mutuamente imbricados. Será que podemos dizer agora que as mudanças introduzidas no interior do bloco no poder do Governo Lula pelo PT também podem reforçar a hegemonia do capitalismo neoliberal no Brasil? Dentro de uma política pública, que elementos de resistência pode haver nas suas estruturas?

A sociedade capitalista não é uma sociedade harmoniosa como aparenta, com uma proposta única e homogeneizante de sentir, pensar e agir neste mundo.

Como já dito anteriormente, afinal, todo terreno oferece não apenas incorporação, racionalização e controle crescentes, mas também oportunidades. E repetimos: o questionamento do próprio conteúdo é importante não apenas para ver quais ideologias são “expressas” ou “representadas” no próprio material, mas também para que possamos começar

a decifrar tanto a forma sob a qual qualquer conteúdo “é ele mesmo parte de um ativo processo de significação através do qual um significado é produzido”. (APPLE, 1989, p. 171)

Tentamos aqui apresentar as diversas facetas e contradições que compõem o pensar em políticas públicas.

Assim, no próximo capítulo veremos o Programa Escola Aberta, programa de estudo desta dissertação, seus princípios, seus objetivos, suas propostas, suas estruturas.

CAPÍTULO II