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2.5 Outros conceitos psicanalíticos

2.5.8 Gozo

2.5.8.4 Gozo em Lacan

“O significante é a causa do gozo” (LACAN, 2008a). Como afirma Lacan (2008a, p. 30), “o significante se situa no nível da substância

gozante. (...) O significante é a causa do gozo”. Então, cabe ressaltar que o gozo é algo

singular, pois para cada sujeito o significante abriga um significado distinto que diz do próprio sujeito a sua singularidade. Encontrar o que é esse significante em cada caso demanda uma pesquisa da ordem do singular e não universalizante para todos os professores.

Para prosseguir sobre a noção de gozo, transcrevo uma observação de Fink (1998, p. 132-135) quanto à diferenciação biológica e psicológica entre a posição homem/masculino e mulher/feminino:

Os analisandos demonstram dia após dia que seus sexos biomédica/geneticamente determinados (órgãos genitais, cromossomos, etc.) podem estar em conflito com conceitos socialmente definidos de masculinidade e feminilidade e com suas escolhas de parceiros sexuais (...). Os analistas são, portanto, diariamente confrontados com a inadequação de definir a diferença sexual em termos biológicos. Lacan começa a explorar uma abordagem estritamente psicanalítica da definição de homens e mulheres no Seminário 18 e continua a fazê-lo até meados da década de 1970

(...).

“Além da biologia” – a partir de um ponto de vista clínico, uma grande

quantidade de seres biologicamente femininos apresentam um estrutura masculina, e uma grande quantidade de seres biologicamente masculinos revelam uma estrutura feminina (FINK, 1998,, p. 132-135).

Buscarei agora diferenciar os dois modos de vivenciar o gozo, conforme proposta deste trabalho. Alguns conceitos básicos da psicanálise foram explicitados, entre eles o que vem a ser o significante a partir do que Lacan elabora da linguística. Esse conceito será fundamental para compreender a noção de modos de gozo, pois nos dizeres de Lacan (2008a) “o significante se situa no nível da substância gozante” (FINK, 1998, p. 30) e “o

significante é a causa do gozo” (p. 30). A diferenciação entre prazer e gozo já foi

estabelecida. Assim, acredito que um professor, ao exercer sua profissão, passa por momentos de tensão e oscila em algum dos modos de gozo. Os problemas referentes a qualquer profissão existem e o posicionamento a ser tomado por cada sujeito é que faz a diferença, evidenciando o modo de satisfação do gozo. Passemos ao Seminário, livro 20,

“Mais, ainda”, no qual Lacan (2008a) faz a distinção entre o gozo fálico e o gozo feminino

ou suplementar.

O gozo fálico, também conhecido como gozo masculino, é o que se denomina nesta pesquisa de gozo mortificante. Ele se distingue do outro tipo de gozo, denominado por Lacan de gozo feminino ou suplementar (vivificante). A denominação “gozo vivificante” foi discutida nas aulas on-line do Instituto de Psicanálise Lacaniano, durante o ano de 2012 e 2013. Já reforçamos, anteriormente, que aquilo que Lacan (2008a) denomina de feminino ou masculino não se relaciona com o gênero sexual do sujeito, a distinção é apenas para designar duas posições distintas, independentemente do gênero sexual. Nas citações lacanianas, manterei a designação do autor, entretanto, nos comentários que se seguirão, utilizarei os termos mortificante (masculino, fálico) e vivificante (feminino, suplementar).

A nomenclatura lacaniana para gozo feminino, como sendo gozo suplementar, decorre especialmente dos dizeres do autor acerca do que experimenta a condição

feminina: “ela tem, em relação ao que designa de gozo, a função fálica, um gozo suplementar” (LACAN, 2008a, p. 79). Quem se encontra no gozo fálico pretende

completar algo e acredita que vai; por outro lado, quem está no suplementar, sabe que não vai completar e procura suplementar. Indo um pouco mais além, encontramos os seguintes dizeres:

Vocês notarão que eu disse suplementar. Se tivesse dito complementar, onde é que estaríamos! Recairíamos no todo. As mulheres se atêm, qualquer uma se atém por ser não toda, ao gozo de que se trata e, meu Deus, de modo geral, estaríamos bem errados em não ver que, contrariamente ao que se diz, de qualquer modo são elas que possuem os homens (LACAN, 2008a, p. 79).

Estamos caminhando para as diferenciações entre os dois modos de gozo objeto desta pesquisa. É de fundamental importância a demarcação realizada por Fink (1998, p.

134) em seu livro para distinguir o masculino do feminino: “enquanto os homens são

definidos como totalmente circunscritos pela função fálica, totalmente sob o domínio do significante, as mulheres (...) são definidas como não sendo totalmente circunscritas”. As mulheres denunciam que o significante não é tudo, precisa de algo mais (suplência).

Passo a evocar mais duas afirmações de Fink (1998) para, em seguida, dar um exemplo fictício que espero contribuir mais com a distinção entre um modo e outro de gozo. Seguem-se, portanto, duas afirmações fundamentais:

A mulher não é dividida da mesma forma que o homem: embora alienada, ela não é toda assujeitada à ordem simbólica. (...) Com relação à ordem simbólica, a mulher e não toda, demarcada ou limitada. Enquanto o prazer dos homens é

determinado por completo pelo significante, o prazer das mulheres é determinado em parte pelo significante, mas não totalmente. Enquanto os homens estão limitados ao que Lacan denomina gozo fálico, as mulheres podem experimentar tanto esse quanto um outro tipo de gozo, (...) (NÁSIO,

1993, p. 134, grifos meus).

Destaca-se dessa passagem que “o prazer dos homens é determinado por completo pelo significante”. Embora o trecho em destaque refira-se ao termo prazer, ele se encaixa no exemplo fictício que pretendo fornecer. Esse exemplo surgiu em uma conversa com um amigo: imaginemos que um homem tenha como significante que seu pai é forte e que para conquistar uma mulher ele também tem que ser forte. O fato de “ser forte” funciona como um significante para esse sujeito. Ele acha que, para conquistar uma mulher, basta ser forte. Ele está sendo movido exclusivamente pelo significante forte.

Já um sujeito posicionado no gozo vivificante ou feminino, como pessoa gozante, será não toda inserida na ordem simbólica, ou seja, não será movida somente pelo significante. Essa pessoa (que pode ser mulher ou homem) não se prenderá a uma ideia de que para que a aula funcione basta fazer tal coisa (exemplo: que bastaria ter um bom planejamento para que a aula funcione da forma que se espera ou gostaria). Para ela, há um mais-ainda, ou seja, algo além. Conforme está na obra de Fink (1998, p. 144, grifos meus):

Enquanto o homem está sempre assujeitado a um significante mestre, a relação da mulher com este significante parece radicalmente diferente. Um significante mestre serve como um limite para o homem; o $ (A) não desempenha esta mesma função em relação a uma mulher.