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2.5 Outros conceitos psicanalíticos

2.5.6 Transferência

O termo transferência significa transferir o afeto de uma pessoa a outra (NETTO, 2011, p. 47). Roudinesco e Plon (1998, p. 766) definem o termo transferência como “um

processo constitutivo do tratamento psicanalítico” no qual “os desejos inconscientes do analisando (...) passam a se repetir, no âmbito da relação analítica, na pessoa do analista”.

A transferência é um laço que se apresenta nas relações dos, ou entre, os seres humanos. A transferência é, portanto, possível no espaço escolar onde se relacionam professor e aluno.

O termo transferência percorre a obra de psicanalistas como Freud, Ferenczi, Winnicot e Lacan, mas Freud mesmo não conseguiu definir exatamente o que era transferência (NETTO, 2011). Freud (2010) afirmou, entretanto, que o motor do tratamento psicanalítico era a transferência, peça-chave no processo psicanalítico. Nessa

obra, “A dinâmica da transferência”, Freud preconizou que ela poderia ser positiva ou

negativa.

De acordo com Freud (2010, p. 142), “a transferência positiva decompõe-se dos sentimentos amigáveis ou ternos que são capazes de consciência e na dos prolongamentos

destes no inconsciente”. Ela se refere aos afetos de simpatia, amizade, confiança, etc. “Ele

[Freud] distinguiu a transferência positiva, feita de ternura e amor, da transferência negativa, vetor de sentimentos hostis e agressivos. A estas se acrescentariam transferências

767). De acordo com Freud (2010, p. 145), “quando a capacidade de transferência torna-se essencialmente negativa, como nos paranoicos, acaba a possibilidade de influência e de

cura”. Quando a transferência é ambivalente, a capacidade de influenciar, estimular ou ter

a atenção do outro reduz. Freud (2010, p. 144) cita que Bleuler cunhou a feliz expressão

“ambivalência” e, acrescenta que “tal ambivalência de sentimentos parece normal até uma certa medida”.

Tudo isso que foi descoberto na clínica de Freud pode ser pensado numa sala de aula. A eficácia do ato pedagógico pode estar no estabelecimento da transferência do professor com os alunos. Roudinesco e Plon (1998) aduzem que “desde 1909, Sandor Ferenczi observou que a transferência existia em todas as relações humanas: professor e aluno, médico e paciente, etc.” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 767).

De acordo com Netto (2011), foi Lacan quem conseguiu conferir precisão conceitual às ideias de Freud e lhe dedicou um seminário nos anos de 1960-1961. Para definir a estrutura da transferência, é necessária a chamada suposição de saber. O analista é o sujeito suposto saber, sendo que o analisando precisa supor que o analista tem um saber sobre o seu inconsciente. Essa postura de saber procurada no analista está ilustrada no “O

Banquete”, de Platão.

Assim, Lacan (2010), ao falar de transferência, não hesita em apresentar “O banquete” como “uma cerimônia com regras, uma espécie de rito, de concurso íntimo entre

pessoas da elite” (LACAN, 2010, p. 33). O tema tratado n’O Banquete é o seguinte: “de

que serve ser sábio em amor?” (p. 43).

Sócrates, por ser um detentor de grandes conhecimentos e ser prezado pelos convidados, foi chamado a estar na posição de mestre e a se manifestar sobre o conceito de amor, mas se colocou no lugar do analista:

O que nos interessa, entretanto, é o fato de Sócrates não ocupar o lugar onde ele foi colocado. Ao invés de se pronunciar sempre magistralmente, ele vai alternando momentos de silêncio, provocações, apresentação de ideias, reconhecimento, como também estimulando os participantes da discussão. Ou seja: ele não se atém ao lugar de dono exclusivo do saber, mas age para colocá- lo em circulação (FACHINETTO, 2012, p. 75).

Sócrates expressa que o verdadeiro objeto de Alcebíades é Agatão (e não Sócrates).

“A originalidade de Lacan consistiu em colocar Sócrates no lugar daquele que interpreta o

desejo de seus discípulos” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 769). A transferência envolve, portanto, a compreensão do analista sobre o desejo de seu analisando. Afinal, é no

inconsciente do analisando que reside o saber procurado no analista. E essa “suposição do saber implica o amor. Alcebíades ama o saber que supõe em Sócrates. Assim, a suposição de saber, por parte do analisando, na figura do analista, seria condição para a instauração da transferência” (FACHINETTO, 2012, p. 77). Na escola, embora o professor detenha um conhecimento, não é só esse conhecimento que opera a aprendizagem. É que o aluno também tem que supor que o professor sabe algo a mais. Na suposição do aluno, estaria em jogo a transferência imaginária, outra precisão conceitual de Lacan, que a distingue da transferência simbólica, e a define como estando no nível dos fenômenos tais como a paixão, a sedução, a admiração, a crítica e a hostilização do paciente pelo analista.

Na clínica, a transferência é elemento importante no tratamento, cabendo ao analista saber manejá-lo. “A transferência está na fronteira entre o desejo e o amor. (...) o amor de transferência num sujeito não se limita ao que se passa em seu nível, mas envolve o que se passa no analista e, mais precisamente, com o desejo do analista” (PORGE, 1996, p. 549). Assim, em respeito ao seu desejo, ao não responder à demanda de completude do analisando, o analista o levará a se confrontar com o seu próprio desejo, com a castração4, com a função paterna, estabelecendo assim a transferência simbólica. A partir da transferência simbólica, o analisando faz associações livres, “transferindo para o analista as

ligações que ele articula sobre os fatos de sua vida” (NETTO, 2011, p. 59).

Podemos dizer que a transferência, segundo Lacan, é uma metáfora, uma vez que, a partir do significado grego, metáfora é a transferência de um significante a outro (NETTO, 2011). E se levarmos essa noção para dentro da sala de aula podemos observar que o aluno, quando em transferência, também ama o saber que acredita estar no professor. O que importa depurar desse conceito é a metáfora do amor, pois o professor, tal como o analista, estando no lugar do objeto a e movido pelo seu próprio desejo, almeja que a sua aula, ou a sua análise, prossiga da melhor maneira possível, sendo, assim, causa do desejo do aluno ou do analisando.

Passemos, agora, à teorização sobre o gozo, primeiramente distinguindo prazer de gozo para, em seguida, aprofundarmos a noção mais cara a esta pesquisa.

4 Castração: “Sigmund Freud denominou complexo de castração o sentimento inconsciente de ameaça experimentado pela criança quando ela constata a diferença anatômica entre os sexos. (...) Em seu seminário dos anos de 1956-1957, (...) Lacan distingue a castração da frustração e da privação, situando-as, respectivamente, no tocante ao agente e ao objeto, no contexto das instâncias de sua tópica do real, do