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Capítulo 2. As adversativas mas, porém, contudo, todavia e entretanto:

2.1 Gramáticas do PB

Em uma consulta a doze gramáticas do português

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, observamos que a maioria atribuía

valores fixos às unidades linguísticas sem considerar seus aspectos funcionais, sendo que

variações contextuais e situacionais eram raramente explicitadas. Sabendo, no entanto, que

cada obra tinha um propósito e um público específico, não foi nosso intuito analisar suas

particularidades – fossem elas descritivas ou escolares, por exemplo –, mas apenas fazer um

levantamento dos sentidos apresentados para cada marca em estudo. Afinal, como bem coloca

Moraes (1987, p. 19), “através de séculos de estudo paciente, minucioso e atilado, as

27 Bueno (1958), Said Ali (1964), Silveira (1972), Macambira (1978), Luft (1981), Lima, (1982), Cegalla (1992), Perini (1996), Sacconi (1999), Neves (2000), Cunha & Cintra (2001) e Bechara (2004) – obras disponíveis no acervo da Biblioteca Florestan Fernandes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

gramáticas foram reunindo um acervo precioso de observações e comentários, que não podem

ser desprezados”.

Bueno (1958, p. 176-181), já seguindo a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) de 1958,

classifica, dentre as principais coordenativas adversativas, mas, porém, todavia, contudo e

entretanto. Apesar de não citar nem definir suas respectivas funções, traz os seguintes

exemplos: Não julgueis, porém, que isso tenha sido mera obra do acaso; Chora, mas quando

se lhe desanuviam os olhos vê um homem inclinado sobre o catre do esposo: é o médico; Não

era um coração árido, entretanto, o que se brotava esses frutos; Mas, contudo, entrou a

ouvir o santo por curiosidade e Mas, todavia, nem com vender-me acho em mim cabedal

para compra de tão alto valor. Segundo o autor, se separarmos as orações ligadas pelas

conjunções acima, cada uma manterá sua significação independentemente. O estudioso traz

indicação da função de mas apenas no trecho Antonio é bom estudante, mas, Pedro ainda é

melhor, afirmando que mas estabelece entre ambas as orações uma relação de oposição,

podendo ser parafraseada da seguinte maneira: Antonio é bom estudante – Pedro ainda é

melhor.

Said Ali (1964, p. 103-104) define a conjunção como “a palavra ou locução que se costuma

pôr no princípio de uma oração relacionada com outra, a fim de mostrar a natureza da

relação”. Apesar de não fazer considerações sobre todavia, contudo e entretanto, o autor

define mas como conjunção adversativa que “contraria um acontecimento”, como em:

Prometeu acabar a obra, mas até agora não apareceu. Além disso, afirma que a unidade

porém “emprega-se no começo, ora em segundo lugar após um termo próprio da oração”:

Penetramos na casa; os ladrões porém (ou porém os ladrões) haviam fugido pela porta da

cozinha (p. 104). Não define, no entanto, nenhuma classificação para o elemento.

Silveira (1972, p. 240-247) inicia seu capítulo sobre as conjunções afirmando que “muito há

que dizer a respeito das conjunções”. Apesar de, sobre as adversativas, limitar-se às marcas

mas e porém, sem realizar nenhuma consideração sobre todavia, contudo e entretanto, traz,

em suas Lições de Português, reflexões bastante interessantes sobre ambas as marcas. Para

facilitar a compreensão de seu estudo, elaboramos a tabela abaixo com os valores indicados e

seus exemplos, além das explicações dadas em certos casos:

Tabela 2 – Descrição de mas em Silveira (1972, p. 240-247)

Valor Exemplo Explicação

Oposição. (p. 240) Não vil, não ignavo, Mas forte, mas bravo, Serei vosso escravo: Aqui virei ter. (G. Dias) Simples diferença entre o que

se diz na oração de mas e o que se disse na anterior. (p.240)

Ó fonte, que estás chorando, Não tardarás a secar;

Mas os meus olhos são fontes Que não param de chorar.

Entenda-se “os meus olhos são também

fontes, com esta

diferença: que não param de chorar e, portanto, não secarão como a outra fonte”. Compensação. (p. 241) Dignos de ti não são meus frouxos hinos,

Mas são hinos de amor. (Herculano) Triste, mas curto. (M. Assis)

Restrição. (p. 241) – Sabe se Paulo vem hoje?

– Não sei, mas é possível que venha.

Esse mas restringe a ignorância expressa pela oração “não sei”; essa ignorância não é absoluta, uma vez que, com a conjunção mas, se admite a possibilidade da vinda de Paulo.

Insiste numa ideia, insinuando-a. (p. 241)

E olha que foram Morenas e bem As moças mais lindas De Jerusalém. E a Virgem Maria Não sei... mas seria Morena também.

Em substância, há uma oposição: de quem declara não saber uma coisa (não sei), não se espera que logo depois a afirme, embora apresentando a afirmação sob a forma de dúvida, expressa pelo emprego do condicional (seria morena). Distingue com vigor uma

ideia de outra. (p. 241)

Daí-me ua fúria grande e sonorosa, E não de agreste avena, ou frauta ruda: Mas de tuba canora e belicosa,

Que o peito acende, e a cor ao gesto muda. Numa narrativa anuncia que

se vai referir uma coisa, um acontecimento notável ou

Porém já cinco sóis eram passados Que dali nos partíramos, cortando Os mares nunca d’outrem navegados,

inesperado. (p. 241) Prosperamente os ventos assoprando: Quando ua noite estando descuidados Na cortadora proa vigiando,

Ua nuvem que os ares escurece Sobre nossas cabeças aparece. (Camões)

Modifica uma concepção ou ideia habitual. (p. 242)

Céu livre, terra livre, e livre a mente, Paz íntima, e saudade, mas saudade Que não dói, que não mirra, e que consola, São as riquezas do ermo, onde sorriem Das procelas do mundo os que o deixaram. (Herculano)

A ideia que, geralmente, se faz da “saudade”, é que dói, que mirra, e que não consola.

Separa com relevo ideias que representam coisas que podem coexistir, mas, em regra, não coexistem no mesmo indivíduo. (p. 243)

(...) Ao longe,

Do presbitério rústico mandava O sino os simples sons pelas quebradas Da cordilheira, anunciando o instante Da Ave-Maria; da oração singela, Mas solene, mas santa, (...) Denota acréscimo. (p. 243) Mas ó tu geração daquele insano

Cujo pecado e desobediência, Não somente do reino soberano Te pôs neste deserto e triste ausência: Mas inda d’outro estado mais que humano Da quieta e da simpres inicência,

Idade d’ouro, tanto te privou Que na de ferro e d’armas te deitou (Camões)

Em interrogação ou exclamação pode acentuar indignação (Mas que

refinado patife!), estranheza, ansiedade, apreensão. (p. 243)

Mas que foi, que sucedeu?

Introduz uma objeção. (p. 243)

Que outrem possa louvar esforço alheio, Cousa é que se costuma e se deseja, Mas louvar os meus próprios, arreceio Que louvor tão sospeito mal me esteja, E pera dizer tudo, temo e creio

Que qualquer longo tempo curto seja: Mas pois o mandas, tudo se te deve, Irei contra o que devo, e serei breve. (Camões)

Chama atenção para um fato. (p. 244)

Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto Das mulheres e dos varões,

Como em água que deixa o fundo descoberto,

Via limpo os corações. (M. Assis)

Excetua. (p. 244) Tudo perece, Murcha a beleza, Foge a riqueza, Esfria amor. Mas a virtude Zomba da sorte, E até da morte Disfarça o horros.

(Visconde da Pedra Branca)

O pensamento exposto resume-se nisto: Tudo perece, exceto a virtude.

Assinala passagem de um pensamento ou assunto para outro. (p. 244)

Mas é tempo de tornar àquela tarde de novembro. (M. Assis)

É interessante notar nos valores, exemplos e comentários acima o detalhamento dessas

unidades com relação a outras gramáticas tradicionais. Apesar de em muitos casos não haver

um aprofundamento sobre os valores indicados, é clara a tentativa de maior explanação. O

estudioso acrescenta, por fim, algumas considerações sobre porém, com relação ao seu

posicionamento – ou, nas palavras do autor, colocação:

Tabela 3 – Descrição de porém em Silveira (1972, p. 240-247)

Valor Exemplo

Porém pode iniciar oração e período. Porém já cinco sóis eram passados. (Camões) Porém, quando mais te amo. (Herculano)

Porém pode ser intercalada. Quando voltei a casa era noite. Vim depressa, não tanto, porém, que não pensasse nos termos em que falaria ao agregado. (M. Assis)

Porém pode encerrar oração ou período. Pedro pediu-me o livro, eu não o trouxe, porém.

Segundo Macambira (1978), a conjunção difere de outros conectivos – como preposições,

pronomes, advérbios relativos ou interrogativos e verbos de ligação – “por ligar dois termos

sintáticos idênticos, isto é, dois termos que desempenham a mesma função sintática na

oração” (p. 76) (por exemplo, ligar dois predicativos: Sou pobre, mas honesto). De acordo

com o autor, “o critério semântico é inferior ao mórfico e ao sintático, porque não ensina a

descobrir por meios linguísticos a divisão das conjunções” (p. 77). Num capítulo denominado

A estrutura das conjunções (p. 97-101), o estudioso classifica as unidades e, mas, porém e ou

como “estritamente” conjunções essenciais, ou seja, “aquelas que desempenham

exclusivamente o papel de conjunção” (p. 97). Acrescenta ainda que:

Só em sentido lato conquanto, contudo, porquanto, porque, portanto e todavia podem ser incluídas entre as essenciais, pois em verdade são

conjunções compostas cujos elementos se aglutinaram. Haja nova reforma de ortografia, que decida escrevê-las separadas, era uma vez as conjunções essenciais, e todavia por exemplo seria também toda pronome e via substantivo. (p. 97)

Para o autor, contudo e todavia estão em fase de ampliação de sentido e podem ser

considerados advérbios de adversão ou advérbios adversativos. Embora Macambira afirme

que tal fenômeno seja “indispensável e muito vasto” (p. 97), não tece considerações a

respeito. O estudioso trata entretanto como advérbio, exemplificando tal uso pela seguinte

sentença: Entretanto Botelho chega a Roma. Já no capítulo seguinte, Classificação das

conjunções (p. 102-109), Macambira traz mas, porém, contudo, todavia e entretanto como

adversativas, afirmando que contudo e todavia “estão a meio caminho do advérbio; basta

precedê-las por e para que se adverbializem completamente”: Estudei, e contudo não pude

passar; Estudei, e todavia não pude passar (p. 104).

Luft (1981, p. 128) lista as marcas mas, porém, todavia, contudo e entretanto como

conjunções coordenadas adversativas que exprimem contraste ou compensação. O único

exemplo que encontramos, sobre tais marcas em específico, foi a sentença Pedro é um homem

pacífico. Mas, às vezes, vê-se envolvido em brigas, a qual exemplifica a característica das

coordenativas em estabelecer coordenação entre duas frases (períodos). Como notamos em

outras obras, no entanto, não traz detalhes sobre os valores de contraste e compensação

indicados.

Lima (1982) define as conjunções coordenativas como “palavras que relacionam entre si (...)

dois elementos da mesma natureza (substantivo + substantivo, adjetivo + adjetivo, advérbio +

advérbio, oração + oração, etc.)”, considerando mas, porém, todavia, contudo e entretanto

como conjunções coordenativas adversativas que “relacionam pensamentos contrastantes”

(p. 160-161). Trata mas como a “conjunção adversativa por excelência” e porém, todavia,

contudo e entretanto como “outras palavras com força adversativa (...) que acentuam, não

propriamente um contraste de ideias, mas um espécie de concessão atenuada” (p. 161). Cita,

como exemplos, os trechos Gosto de navio, mas prefiro avião e Ele falou bem; todavia, não

foi como eu esperava. Segundo o autor, “ao contrário de mas, que se usa unicamente em

começo de oração, as demais conjunções adversativas podem figurar ou no rosto da oração,

ou depois de um dos termos dela” (p. 161), como em Gosto de navio, porém prefiro avião e

Cegalla (1992, p. 244-245) apresenta mas, porém, todavia, contudo e entretanto como

conjunções coordenativas, definindo-as como palavras invariáveis que ligam orações ou

palavras da mesma oração “sem fazer que uma dependa da outra, sem que a segunda complete

o sentido da primeira”. Acrescenta ainda que tais unidades exprimem oposição, contraste,

ressalva e compensação, sendo assim vistas como adversativas. Apesar de indicar tais valores,

não os define, trazendo, como exemplos, apenas as sentenças a seguir: Querem ter dinheiro,

mas não trabalham; Ela não era bonita, contudo cativava pela simpatia; Você já sabe

bastante, porém deve estudar mais.

Em sua Gramática descritiva do português, Perini (1996) apresenta, por outro lado,

considerações diferenciadas acerca das unidades gramaticais em geral. No caso das

adversativas, refere-se às conjunções como conectivos. Após uma breve análise sobre o

elemento e, afirma que as unidades mas, pois, nem, que e porque (dentre outras),

tradicionalmente classificadas como conjunções coordenativas, possuem comportamento

similar ao dos coordenadores – “palavra[s] que liga[m] dois constituintes de mesma classe,

formando o conjunto um constituinte da mesma classe que os dois primeiros” (p. 335). Apesar

de não trazer nenhuma discussão sobre mas e as demais marcas aqui estudadas, o autor

ressalta que mas, pois, nem, que, porque, etc. “apresentam também diversas idiossincrasias

que estão por estudar” (p. 335).

Sacconi (1999), por sua vez, classifica mas, porém, todavia, contudo e entretanto da mesma

forma que Cegalla (1992), por exemplo, porém amplia a gama de sentidos que mas pode

denotar, afirmando que tal marca expressa, essencialmente, ressalvas de oposição, retificação,

restrição, compensação, advertência ou contraste. Não considera, porém, assim como grande

parte das obras analisadas, a variação de sentidos dessas unidades conforme as condições

contextuais e situacionais em que podem ocorrer.

Neves (2000), por outro lado, em sua Gramática de usos do português, “tem como objetivo

prover uma descrição do uso efetivo dos itens da língua, compondo uma gramática referencial

do português” (p. 14). É dessa perspectiva diferenciada que a autora apresenta detalhadas

considerações sobre mas, porém, todavia, contudo e entretanto, construindo, para mas, uma

longa discussão sobre diversos valores que a unidade pode assumir e apresentando, para as

demais marcas analisadas, comentários diversificados com relação ao que vimos até agora.

Segundo a estudiosa, mas pode ser considerado como uma construção adversativa que

“evidencia exterioridade entre os dois elementos coordenados e, a partir daí, coloca o segundo

segmento como de algum modo diferente do primeiro, especificando-se essa desigualdade

conforme as condições contextuais” (p. 756). É com base nessa definição que a autora trata

dos valores semânticos referentes ao mas (I) “iniciando sintagmas, orações ou enunciados em

função atributiva” (p. 757) e (II) ocorrendo “em início de enunciado (muito

caracteristicamente, em início de turno), obedecendo a determinações pragmáticas” (p. 767).

Neves apresenta, para ambos os casos, os valores de contraposição e eliminação, abaixo

resumidos:

Tabela 4 – Descrição de mas (I) iniciando sintagmas, orações ou enunciados em função atributiva

(NEVES, 2000, p. 757-763)

(Ia) Contraposição em direção oposta (p. 757-763)

Contraste entre positivo e negativo, ou vice-versa.

Jesus, naquela ocasião, não satisfez a curiosidade dos discípulos, mas foi à prática.

<Jesus não satisfez a curiosidade dos discípulos>

mas

<(Jesus) foi à prática> Contraste entre expressões de

significação oposta.

Vou bem. Mas você vai mal. <eu bem> mas

<você mal>

Contraste entre diferentes. O baiano sorria sem

arrogância, mas sem o menor temor.

<sem arrogância> mas

<sem o menor temor> Compensação não envolvendo

gradação.

Longo, mas lido com voz clara e sem hesitações, o discurso no Congresso arrancou aplausos em várias ocasiões.

<(discurso) longo> mas

<(em compensação) lido com voz clara e sem hesitações> Compensação envolvendo

gradação, na ordem do argumento mais fraco para o mais forte (que é, então, negado).

E então, não me cansava de chutar o freguês. Malhar, malhava; mas agora, com aquele bicho gordo eu não podia.

= malhava, o freguês, mas não chegava a vencê-lo.

Compensação envolvendo gradação, na ordem do argumento mais forte para o mais fraco.

Não é minha inteligência que as cria, mas elas são objetivas e minha inteligência as contempla e as conhece.

= minha inteligência não chega a criá-las, mas em compensação as contempla e conhece.

Restrição, por acréscimo de informação; do que acaba de ser enunciado no primeiro membro coordenado.

Casou-se. Mas não foi com a Luizinha.

Acrescentando um termo. Escrevi, inclusive, poesias, mas

apenas como diletante.

Acrescentando um circunstante limitador.

Queria que o filho fosse ministro, sim, mas ministro protestante.

Acrescentando uma qualificação restritiva.

Negação da inferência. Estamos em Brasília agora – de novo em frente ao deserto, contemplando um mundo que é nosso, mas que precisamos conquistar.

Vem contrariada a inferência de um argumento enunciado anteriormente. No primeiro segmento há asseveração, com admissão de um fato; no segundo segmento expressa-se a não aceitação da inferência daquilo que foi asseverado.

(Ia’) Contraposição na mesma direção (p. 763-764)

O segundo argumento é superior, ou, pelo menos, não inferior ao primeiro, e a valorização é comparativa ou superlativa.

O sertão, para ele, não é uma coisa, mas principalmente uma ideia e um sentimento.

(Ia’’) Contraposição em direção independente (p. 764)

No segundo membro coordenado, é enunciado um argumento ainda não considerado. O argumento anterior, embora admitido (= “ainda assim”), é considerado menos relevante do que o que vem acrescentado.

Gostaria de ver o Zico na Gávea até a morte, mas

reconheço que ele tem direito a este último contrato milionário.

(Ib) Eliminação (p. 764-767)

Negação da subsequência ou consecução explícita.

Pensei em falar, em dizer mil coisas que me ocorrem, mas não consegui sequer abrir a boca.

– Posso fumar? – perguntou Augusto. mas logo anulou o gesto.

Negação da subsequência ou consecução implícita.

Era um sono de paz que se espalhava pelo corpo e pelo espírito do velho Naé. Mas, súbito, acordou ouvindo um ruído.

= consequentemente, o sono terminou.

Negação da subsequência com recolocação, em que outro evento é expresso para substituir a subsequência eliminada

O primeiro contato não traz o prazer esperado. Torres e pedrinhas magoam-lhes os pés. Mas logo avista, mais adiante, um trecho de lama, boa, lisa, morna, pegajosa.

= as torres e pedrinhas já não vão magoar-lhe os pés.

Negação explícita do que é

enunciado no primeiro membro. Você pensa que sabe, mas não. Negação explícita do que é

enunciado no primeiro membro.

Se ao mesno Conrado tivesse aparecido... Tão bom ele era, tão delicado (...) Mas Conrado

estava sempre tão longe! Rejeição da oportunidade do

primeiro membro coordenado.

Chego a me perguntar mesmo – mas isso não importa muito aqui nesta conversa – se tudo não foi obra do Padre Luís.

Tabela 5 – Descrição de mas (II) ocorrendo em início de enunciado, obedecendo a determinações

pragmáticas (NEVES, 2000, p. 767-770)

(IIa) Contraposição em direção oposta (p. 767-768)

Restrição por refutação a um pressuposto ou a um subtendido do enunciado anterior.

– Vá plantar meu arroz já, já. – Mas patrãozinho, mas plantar sem...

Restrição por pedido de informação a propósito do enunciado anterior.

– Ele já tem feito isso várias vezes.

– Mas como foi mesmo o negócio?

(IIa’) Contraposição em direção independente (p. 768-770)

Introdução de um enunciado hipotético interrogativo.

Quando sentir que já pode fechar a igreja, é só fechá-la e ir embora. O senhor mora perto? – Moro ao lado. Mas se entrar um ladrão?

Mudança no foco da narrativa ou da conversação.

– Não, A gleba no Guarujá é – Mas, Augusto, como você está bem disposto!

Introdução de novo tema, que contrasta com o anteriormente selecionado, marcando uma progressão temática.

Depois (as mulheres) falavam de roupas, sem

constrangimentos. De roupas, de empregadas e do zelo com as crianças (...) Mas os homens permaneciam no outro canto da sala e um deles contava coisas de viagem.

(IIb) Eliminação (p. 770)

Eliminação sem nenhuma recolocação, rejeitando a dúvida expressa no primeiro enunciado.

– Terá sido mesmo? Mas não, não pode ter sido.

Eliminação implicando recolocação, desconsiderando o

enunciado anterior e o próprio ato de enunciação.

– É muito ruim ser feio.

– Mas, meu bem, por que você fala assim?

– Eu sou feia. Eliminação implicando recolocação, rejeitando algum

elemento da situação de enunciação.

Vira as costas pra lá, Siá Ana. Cria vergonha, mulher. Mas, meu filho, para que foi que você foi fazer isso? Dar uma surra logo no filho do sargento!

É interessante notar como a autora, a partir do valor de contraposição, chama atenção para as

diferentes direções (oposta, igual ou independente) que dada contraposição introduz.

Sentimos necessidade, no entanto, de um maior aprofundamento sobre as diferenças entre

cada uma delas, uma vez que tais direções não são explicitadas, apenas exemplificadas a

partir de outros valores. Por outro lado, é válido observar as considerações da estudiosa sobre

todos os sentidos acima, principalmente sobre o mas ocorrendo em início de turno, já que esse

caso é, como vimos na análise de outras gramáticas, pouco (ou raramente) citado.

Quanto às demais unidades, porém, contudo, todavia e entretanto, Neves (p. 241) define-as

como advérbios juntivos de valor anafórico. Semanticamente, tais elementos são, segundo a

estudiosa, muito semelhantes ao coordenador mas. A diferença de estatuto gramatical, no

entanto, é evidenciado pela possibilidade que elas têm de (I) “deixar de ocorrer como primeiro

elemento da oração ou sintagma” (p. 272), como em Esses choques rasgam as membranas

externas dos núcleos celulares – sem, contudo, matar a célula, e de (II) “poder coocorrer com

as conjunções coordenativas (contíguos ou não, e separados por vírgula, ou não), mesmo com

mas” (p. 273), como em Ando por aqui como um forasteiro, e entretanto tudo isso já foi meu;

Sem chuva fenece. Mas porém resiste; Aí está Minas: a mineiridade. Mas, entretanto,

cuidado. Por fim, Neves (p. 273) destaca o processo de gramaticalização de porém, contudo,

todavia e entretanto

28

. Assim, pode-se

indicar que os elementos adverbiais são fontes de conjunções coordenativas, e que são fluidos os limites entre um papel semântico-discursivo e um papel basicamente relacional de tais elementos. Entretanto, pode-se verificar que, entre esses elementos, há os que estão mais próximos do comportamento de uma conjunção coordenativa como o porém e os que ainda se comportam mais caracteristicamente como um advérbio, embora com função juntiva. Assim, por exemplo, mas porém, é ocorrente, o que colocaria porém no mesmo grupo de todavia, contudo, entretanto, no entanto e não obstante,