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“Sonhei amor e vou lutar Para o meu sonho ser real É a Tijuca, campeã do carnaval.”48

Com essa recuperação do status do diretor de harmonia, que na década de 50 era o principal responsável pelo carnaval das agremiações, outro nome que ganhou destaque foi o de Ricardo Fernandes, considerado trunfo nos últimos anos, às vezes mais do que o carnavalesco, para escolas de porte médio brigarem por títulos. Oficial da aeronáutica, obcecado pela disciplina, Ricardo Fernandes foi campeão com a Imperatriz Leopoldinense em 1999, 2000 e 2001. Foi na verde-e-branco que ele aprendeu a função, ao lado de Wagner Araújo, que levou a agremiação a ser classificada nos anos 90 como a “perfeitinha de Ramos”, com os desfiles frios citados antes. Desde então, ajudou a levar a Unidos da Tijuca ao vice-campeonato, em 2004, a Unidos do Porto da Pedra ao sétimo lugar, em 2005, e a Unidos de Vila Isabel ao campeonato, em 2006, todos resultados considerados surpreendentes pelos críticos de carnaval. Em matéria publicada no Jornal do Brasil de 28 de fevereiro de 2006, ele afirmava:

“Vivo a alegria do samba desde os 13 anos, quando desfilei pela primeira vez na Imperatriz. Perdi um pouco da essência que me levou a desfilar, mas hoje estou envolvido até a alma com a profissionalização de um desfile.”

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Disponível em www.beija-flor.com.br/por/02-Carnaval07/comissao/comissao_conteudo.htm.

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Jurandir, Wanderlei, Sereno e Enilson. O sonho da criação e a criação do sonho: A arte da ciência no tempo do impossível. Unidos da Tijuca, 2004.

Para alcançar resultado e fazer o canto da escola crescer na avenida, Ricardo Fernandes usa rádios-comunicadores e grava ensaios com câmeras, além de outros acessórios tecnológicos, e diz ter objetivo de evitar falhas nas apresentações das escolas sem tirar a espontaneidade de seus componentes. Com essa visão, ele, junto com o carnavalesco Paulo Barros, foi um dos responsáveis pelo desfile da Unidos da Tijuca de 2004 que, embora recente, é considerado pelos críticos e pela mídia um elemento transformador nas apresentações das agremiações na Sapucaí, com o enredo “O sonho da criação e a criação do sonho: A arte da ciência no tempo do impossível”. A dupla levou para a avenida o primeiro grande carro alegórico de impacto da história dos desfiles onde o elemento humano era preponderante. No já consagrado pela mídia como clássico carro que representava o DNA humano, um grupo de 127 componentes com o corpo pintado de azul formando uma pirâmide humana sobre uma estrutura de ferro traduziam a visão artística do carnavalesco sobre o código genético humano, enquanto a coreografia apresentada por eles revelava o rigor de ensaios comandados por Ricardo Fernandes.

E é justamente o caso da Unidos da Tijuca bastante emblemático nesse processo de valorização da harmonia e da presença das alas da comunidade. Sendo uma escola sem muitos recursos para realizar o carnaval, que historicamente não possui a figura do patrono como nas outras, a azul-e-amarelo contratou para 2004 um carnavalesco no qual apostava, Paulo Barros, que vinha de desfiles surpreendentes em escolas com muito pouco dinheiro no grupo de acesso, e o diretor de harmonia no qual depositava confiança para fazer com que a comunidade da escola, muito presente em seu desfile historicamente, acreditasse que a agremiação podia chegar às primeiras posições. Essa meta estava até na letra do samba- enredo, que no refrão final fazia alusão ao sonho da Tijuca de ser campeã. Foi feito então um árduo trabalho de ensaios de rua e de quadra, gastou-se pouco na confecção de alegorias, com muito material barato e reciclado, foram confeccionadas fantasias relativamente simples em relação às outras escolas. A própria alegoria do DNA era muito barata: uma armação metálica e pessoas apenas. A diferença estava mesmo no comando harmônico de Ricardo Fernandes e na criatividade do carnavalesco, que fez um desfile barato sem luxo. E essa receita foi um sucesso na avenida, com 70% de seus 4000 componentes com fantasias doadas pela escola. Surpreendeu a mídia, que não a apontava entre as favoritas, e os jurados, apresentando um grande espetáculo, muito coerente com as noções de “telegenia” discutidas anteriormente, mas com muito pouco dinheiro, fórmula que se repetiu com sucesso nos próximos três anos.

A agremiação tijucana, uma das mais antigas do carnaval carioca, fundada em 1931, foi durante muitos anos apresentada pela própria mídia como uma escola pequena, que

tentava apenas se manter entre as grandes. Essa percepção, da própria escola mesmo, só mudou quando ficou patente nos desfiles a diferença que a presença da comunidade podia fazer se isso fosse aliado às exigências do espetáculo visual da avenida. E mais que o elemento visual alegórico, ela investiu numa outra característica que marca fortemente a era da espetacularização dos desfiles, que é a teatralização das apresentações, através de alas e carros alegóricos em que seus elementos, em vez de estarem sambado, estão realizando uma coreografia ou uma representação cenográfica. No caso da Tijuca, era um espetáculo corporal, um movimento conjunto de 127 pessoas ensaiadas.

É claro que este é um processo mais antigo, basta lembrar a ala dançando o minueto no Salgueiro de 1963 ou a ala “Sente o drama”, do Império Serrano, em 1964, em que bambas como o compositor Jorginho do Império e o intérprete Jamelão faziam exibições de samba no pé enquanto simulavam jogadas de futebol. De acordo com Hiram Araújo, a primeira ala de passo marcado era ainda mais antiga, remontando ao ano de 1957, introduzida pelos componentes da Ala dos Impossíveis, da Portela, ainda no tempo da Avenida Rio Branco49.

Mas seria somente no fim da década de 90 e início da de 2000 que as coreografias e representações teatrais ganhariam definitivamente espaço na avenida, no momento em que o desfile da Sapucaí é pensado como mega-espetáculo, uma grande “ópera de rua”, como cunhou o carnavalesco Joãosinho Trinta. E não só as alas neste momento são coreografadas, mas também as composições dos carros alegóricos e, num processo ainda mais veloz, as comissões de frente.

Em muitas agremiações, tendo Imperatriz Leopoldinense, Beija-Flor de Nilópolis e Mocidade Independente de Padre Miguel como algumas de suas maiores representantes, o carro alegórico se transforma em um palco cenográfico para atores em cena ou apresentações circenses, como no abre-alas do carnaval do ano 2000 da verde-e-branco da Zona Oeste citado antes. Em muitos dos casos, representações que servem muito mais à transmissão da TV do que ao público da Sapucaí, já que o ritmo de desfile é acelerado e as arquibancadas ficam distantes dos foliões, tornando impossível que ele enxergue ou acompanhe toda a encenação feita, enquanto a exibição não-linear da televisão pode manter o foco durante um tempo maior num mesmo elemento dramático do espetáculo.

No caso das comissões de frente, as transformações foram bastante abruptas e rápidas. Como primeiro contingente de uma agremiação que saúda o público, a comissão de frente é originária das Grandes Sociedades carnavalescas, em que homens vestidos de fraque e cartola

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e montados a cavalo apresentavam o desfile aos espectadores e aos jurados. No caso das escolas de samba, segundo Hiram Araújo, fez sua primeira aparição foi na Portela, numa comissão de destaques criadas por Antônio Candeia, pai do famoso compositor portelense Antônio Candeia Filho, para valorizar os componentes com mais idade, que não podiam mais desfilar nas alas. Uma das primeiras tentativas de inová-las surgiu na escola de samba Vizinha Faladeira, em 1937, quando a agremiação foi campeã do carnaval com sua comissão em limusines e montada a cavalo. Em 1938, no primeiro regulamento a reconhecer esse tipo de abertura como um elemento da apresentação específico, foi proibida a inserção de qualquer elemento considerado “estranho à cultura do samba”.

A partir daí, predominam nas comissões de frente a velha máxima portelense, sendo um espaço para os mais antigos e renomados componentes apresentarem a agremiação. É só na década de 60 que surgem novas tentativas de inovações no setor. Além dos componentes não serem mais identificados pelo público cada vez mais heterogêneo de a partir de então, a comissão tradicional não se adequava ao conjunto teatral do samba-espetáculo, se tornando mais comum a comissão que ajudasse a contar o enredo. Assim, em 1965, apareceria a primeira iniciativa rumo ao atual modelo, quando o Salgueiro e seus carnavalescos da Escola de Belas Artes trouxeram para a avenida a primeira comissão fazendo referência ao tema, as burrinhas, representando imagens de antigos carnavais. A Imperatriz Leopoldinense, na década de 70, também surpreendeu, trazendo mulatas na abertura.

A Portela, que criou a comissão, também foi que a manteve por mais tempo o modelo tradicional até o início da década de 90, mas as notas dados pelos jurados à azul-e-branco a forçaram a mudar de estilo também. Era justamente numa época em que escolas como Imperatriz Leopoldinense e Mocidade Independente de Padre Miguel contratavam coreógrafos, desenrolando um movimento de consolidação de um show de abertura em cada escola, o que até pela expectativa gerada pela mídia em torno de uma delas, se torna um elemento cada vez mais aguardado pelo público, como tem acontecido nos últimos anos com a Estação Primeira de Mangueira.

Essa ansiedade gerada para assistir à entrada de Mangueira se intensificou em 1998 e 1999, quando a formação clássica e já remota da comissão foi lembrada de maneira espetacularizada pelo coreógrafo Carlinhos de Jesus. No primeiro ano, ele levou para a avenida, no enredo “Chico Buarque da Mangueira”, homens vestidos com smoke, chapéu panamá, sapato branco e lenço no bolso, à moda antiga, mas que, em vez de apenas saudarem o público, se apresentavam numa coreografia exaustivamente ensaiada. No carnaval seguinte, técnicas de maquiagem modernas fizeram bailarinos ficarem idênticos a grandes baluartes do

samba já mortos, como Clara Nunes e Clementina de Jesus, só que agora coreografados, com todos seus passos marcados.

Enfim, o carnaval se transforma num grande teatro, e a própria estrutura para os desfiles começa a se preparar para essa nova realidade na Marquês de Sapucaí, como mostra matéria publica no Globo em 1º de fevereiro de 2000:

“Pela primeira vez, em 18 anos, o Sambódromo vai ser transformado num palco digno de receber uma superprodução artística, como o desfile das escolas de samba. Com o novo sistema de iluminação da passarela, desta vez, garantem o produtor Peter Gasper e o diretor artístico Aloysio Legey, os astros da festa – as escolas e seus componentes – terão o destaque que merecem.

(...)

Os antigos refletores ficarão de reserva, enquanto os 98 canhões (syncrolites) e 92 refletores color espalhados e por uma passarela sobre as arquibancadas, vão promover um show de cores na avenida. Legey explica que a luminosidade do novo sistema é bem maior. Ela poderá ser tonalizada, dando ao desfile uma iluminação de espetáculo teatral: com a pista iluminada e o público na penumbra.”

Como revela o texto acima, o desfile acabou sendo conduzido cada vez mais em direção ao grande show, em que as escolas e a própria Liesa se esforçam a cada ano para aperfeiçoar. Por outro lado, esse novo modelo acaba acentuando as críticas às transformações sofridas pelas agremiações, posicionamento das próprias escolas em algumas ocasiões, como será visto a seguir.

6 CRÍTICAS AO CARNAVAL-SHOW E PERSPECTIVAS FUTURAS