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EUA – Estados Unidos da América MPB – Música popular brasileira

1 INTRODUÇÃO 23 2 RAÍZES DO BRASIL EM RELEITURA

3.2 A GRANDEZA DE PIXINGUINHA

Pixinguinha115, Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973), foi um dos

formuladores, por assim dizer, da música brasileira, um de seus principais arranjadores, para além do choro, mas, sobretudo, deste. Certamente, estar em um meio musical influenciou Pixinguinha. Seu pai e seu irmão eram músicos e tal proximidade o aprimorou, sobremaneira, para que pudesse dar vazão ao talento de que dispunha. Muito jovem ele já tocava profissionalmente, tendo

152 começado aos 13 anos. Precocemente, aos 19 anos compôs canções das mais belas do repertório musical brasileiro, canções que entraram para a significação da brasilidade, tais como “Carinhoso” e “Rosa”116. “Rosa” quando foi lançada

pela primeira vez, ainda sem letra, se chamava “Invocação”. Figura 98: Pixinguinha

Fonte: https://images.app.goo.gl/nBDvXSnQszCknBjU7

Pixinguinha era um moço e já havia conquistado o respeito de muitos músicos, mesmo aqueles que eram mais velhos do que ele. Sua virtuosidade como flautista passa a ser conhecida e reconhecida. Assim, fez parte do conjunto Os Oito Batutas117 que, além de fazer sucesso, sofria de algum preconceito por

parte de parcela da elite. Apesar disso, outra parte da elite os considerava bastante, a ponto de Ruy Barbosa118, Afonso Arinos119, entre outros, irem

pessoalmente ao Cine Palais assistir aos músicos dos Oito Batutas120 se

116 Ainda em seu período áureo Orlando Silva gravaria ambas as canções de Pixinguinha em um mesmo compacto simples com capacidade para duas músicas (CASTRO, 2001). Eis os links das canções na gravação original de Orlando Silva:

https://www.youtube.com/watch?v=s3ACY3eBgkc ;

https://www.youtube.com/watch?v=vXJlN6cu7HE

117 Oito Batutas, conjunto musical, esteve em atividade entre 1919 a 1927. O grupo teve algumas formações diferentes. A primeira delas foi com Pixinguinha, China, Donga, Raul Palmieri, Nelson Alves, José Alves, Jacó Palmieri, J. Thomaz. Em 1922, teve início a segunda formação com Pixinguinha, China, Donga, José Monteiro, Nelson Alves, José Alves, Feniano. A terceira formação, ainda em 1922, teve a participação de Pixinguinha, China, Donga, J. Ribas e Nelson Alves (DICIONÁRIO CRAVO ALBIM).

118 Luiz Viana Filho (1949) escreveu sua biografia A vida de Rui Barbosa.

119 A reunião de escritos de Afonso Arinos de Melo Franco (2018), em A alma do tempo, é um documento importante de uma pessoa que viveu importantes acontecimentos do século XX. 120 Além de outros tantos fatos importantes sobre os Oito Batutas, um músico que havia tocado com eles, Patrício Teixeira seria professor de violão de Nara Leão, quando ela tinha apenas 12 anos. Para Ruy Castro (2017), Patrício Teixeira teria feito parte de Os Oito Batutas, entretanto seu nome não aparece no Dicionário Cravo Albin, mas na biografia de Pixinguinha, de Sérgio Cabral, ele é referido como músico que já foi contratado para apresentações com o grupo. Se não fez parte do conjunto oficialmente, pelo menos, trabalhou em espetáculos com eles. É um dado importante que ele tenha ensinado violão à Nara Leão, um encontro entre a tradição e aquela que seria uma das pessoas mais influentes, como intérprete, da bossa nova e da MPB. Nara Leão também se casaria com Cacá Diegues, o cineasta que faria Bye, bye Brasil, filme cuja canção homônima viria do convite feito por Diegues a Chico Buarque e Roberto Menescal para fazerem uma música para o filme. Patrício Teixeira seria um dos participantes do encontro entre

153 apresentarem no Café do Cinema, atraindo as pessoas que iam assistir aos filmes. As apresentações desses músicos eram tão impressionantes que muitas pessoas iam apenas para vê-las, como espetáculos musicais sem adentrar a sala de cinema para ver os filmes.

Figura 99: Oito Batutas

Fonte: https://images.app.goo.gl/axdALBXpTLb2SuQ47 Figura 100: Ruy Barbosa

Fonte: https://images.app.goo.gl/nMuy3iFcG3hffGf17 Figura 101: Afonso Arinos

Fonte: https://images.app.goo.gl/ALLjv7FJLGeCwTNg9

Villa-Lobos, os chorões Donga e Pixinguinha e os intelectuais Sérgio Buarque de Hollanda, Prudente de Morais Neto, Gilberto Freyre (VIANNA, 2000) (CASTRO, 2001).

154 Figura 102: Radamés Gnattali

Fonte: https://images.app.goo.gl/xEictxCbFxqLx6kUA

Talvez somente Radamés Gnattali121 tenha sido tão presente como

arranjador na música brasileira. Chegaram inclusive a trabalhar juntos. Ele tinha formação musical sólida e formal, fizera curso de piano na Escola Nacional de Música. Pixinguinha não teria essa formação musical formal, muito embora seu talento e dedicação tivessem suprido essa falta. Infelizmente, ele não foi valorizado como arranjador no nível que poderia ter sido. Talvez por não possuir formação musical de instituições formais, ele não era chamado para fazer arranjos para orquestras de música erudita, mas, certamente, sua força musical era sólida o suficiente para que desse conta de qualquer nível musical (CABRAL, 2007).

Pixinguinha influenciará a todos, tanto que muitos o reverenciarão em várias gerações, desde seus contemporâneos até aos músicos do século XXI. Mesmo atualmente músicos como Yamandu Costa e Hamilton de Holanda122

tocam Pixinguinha e Ernesto Nazareth, e com a renovação do choro ele vem

121 Radamés Gnattali (1906-1988), compositor, arranjador e pianista, nasceu no Rio Grande do Sul. Gnattali foi um dos maiores arranjadores da história da música brasileira que influenciou gerações. Ele substituiu Pixinguinha como arranjador da RCA Victor, também trabalhou como arranjador na Rádio Nacional entre outros lugares. Sua presença é tão marcante que pode ser vista desde o tempo de Orlando Silva até nas gravações de músicos mais jovens como Yamandu Costa.

122 Nos links seguintes Yamandu Costa e/ou Hamilton de Holanda tocam canções de Pixinguinha e Ernesto Nazareth (“1x0”; “Naquele tempo” e “Brejeiro” respectivamente):

https://www.youtube.com/watch?v=Mu4ttNU03YQ ;

https://www.youtube.com/watch?v=wIOgD5dwbQY ; https://www.youtube.com/watch?v=4- DA68hlKO4 ; https://www.youtube.com/watch?v=EtoEpxSMfSc ; https://www.youtube.com/watch?v=eyQhTsbiY-g

155 sendo cada vez mais recuperado e tocado, merecidamente, como podemos ver em grupos de choro atuais como o espetacular conjunto Choro das 3123.

Caso se quisesse marcar outros compositores que foram importantes nesse processo poderíamos reiterar os nomes de Noel Rosa, Ismael Silva, Cartola. Mesmo em momentos trágicos, sobretudo naqueles diante da perda, não se pode sofrer ou se deprimir indefinidamente, nem se desesperar: é o que a história da tradição musical brasileira nos ensina também. Diante da perda é preciso ter a confiança e capacidades suficientes para levantar e superar as dificuldades, parafraseando o belo samba de Paulo Vanzolini, “Volta por cima”124.

Figura 102: Ismael Silva

Fonte: https://images.app.goo.gl/7HsmNDMzDnMzJPLcA Figura 103: Cartola

Fonte: https://images.app.goo.gl/KE5o1qmCs8A9QK8h9

123 Recomendamos o conjunto familiar Choro das 3, são três irmãs jovens que tocam divinamente, elas são acompanhadas pelo pai delas, e fazem um som magnífico. Neste link segue o canal do conjunto no You Tube: https://www.youtube.com/user/dicciateo

124 Para ouvir o clássico de Paulo Vanzolini, “Volta por cima”, na voz de Maria Bethânia em gravação do disco, Drama, produzido por Caetano Veloso, do antológico ano de 1972, no link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=AXlXY13L_-o

156 Figura 104: Paulo Vanzolini

Fonte: https://images.app.goo.gl/EyJYXbm8643MsE3S9

A própria história da música brasileira é uma forma de lidar com os encontros e desencontros da vida, seja na aparição, no esquecimento e na “ressurreição” de compositores como Ismael Silva e Cartola. Ninguém imaginaria que, depois de tanto tempo, Ismael Silva ressurgiria com uma canção tão fantástica quanto, “Antonico”125, em 1950, canção que foi regravada por Gal

Costa no explosivo ano 1972, uma canção de além fronteiras que acaba de ser gravada pela jovem revelação espanhola Andrea Motis126 Do outro lado do azul 127(MOTIS, 2019).

É interessante perceber o ressurgimento de Antonico, de Ismael Silva128,

por ser uma canção que vem solicitar um apoio ao companheiro Nestor, que

125 A canção “Antonico” é das mais belas e significativas da música brasileira, imensamente pungente e tocante. Nos links a seguir tem-se um MPB Especial com Ismael Silva e três intepretações de “Antonico”, uma com o próprio Ismael Silva, outra com Gal Costa e outra com Andrea Motis: https://www.youtube.com/watch?v=fCvhR5Gg20Q ;

https://www.youtube.com/watch?v=iNmC-AK0TjY ;

https://www.youtube.com/watch?v=1YEadv9Hub4 ;

https://www.youtube.com/watch?v=dsYByaV2pYg ;

https://www.youtube.com/watch?v=Z_N_hKR7zH4 ;

https://www.youtube.com/watch?v=Fvotg9PqhVg

126 Andrea Motis (1995-) cantora e trompetista espanhola, mais ligada ao jazz, muito embora também cante clássicos da bossa nova. Motis além da carreira solo também faz parte do conjunto de Joan Chamorro. Vale ouvir Motis pelo seu talento tanto como instrumentista quanto como cantora. https://elpais.com/cultura/2017/02/14/actualidad/1487094392_743024.html

127 Eis o disco, e algumas canções de belíssima intepretação, da jovem e contundente cantora de jazz, a espanhola Andrea Motis, Do outro lado do azul, esse disco também contém a grande canção de Paulinho da Viola, “Dança da Solidão” : https://www.youtube.com/watch?v=coKuy42ftJA&list=PLP5SCArNp3Kp4Rpe4k__i-

GABohZU881E; https://www.youtube.com/watch?v=Vunw1SurRVc;

https://www.youtube.com/watch?v=Zz7Zq2pyBxI ;

https://www.youtube.com/watch?v=4Ytt3EraVcM ;

https://www.youtube.com/watch?v=bIeWEOutvfI

128 Essa canção parece ter sido inspirada também na própria vida de Ismael Silva, que em 1935 fora acusado e condenado por homicídio que teria efetuado para defender sua irmã. Ele foi libertado em 1939, entretanto enfrentava bastante dificuldade financeira, pelo tempo que ficou

157 necessita de um trabalho e que é alguém sempre solícito às diversas demandas da escola de samba, uma pessoa sempre pronta a ajudar. Nessa canção, a amizade é uma forma de extensão, de consideração entre as pessoas. A palavra daquele que intercede por Nestor, avisando que se Antonico fizer algo para ajudá-lo, estará ajudando ao eu-poético quando diz assim: “Faça por ele como se fosse por mim...”. Duas formas da extensão humana, dos sentimentos humanos, por excelência, modos da delicadeza: o amor e a amizade, isto é, nessa, e em tantas outras canções do nosso cancioneiro, está a marca que aquele negociante estrangeiro, radicado no país e citado em Raízes do Brasil, estranhava que para fazer negócios aqui era necessário ser amigo dos clientes. Afinal, todas as relações no Brasil de algum modo passam pela chave da amizade, a cordialidade se faz presente até hoje.

Não seria demais lembrar que serão esses pioneiros da época de ouro da música brasileira que fundarão as primeiras escolas de samba. Tais agremiações se darão também sob o signo da amizade, da cumplicidade estética, do convívio social, da visão de mundo, do mesmo mundo compartilhado e vivido. Não por acaso as escolas de samba trarão em seus nomes os lugares preso e pelo estigma de ser um egresso do sistema prisional. Conta Sergio Cabral que Pixinguinha havia escrito ao musicólogo Mozart de Araújo solicitando que este intercedesse junto a autoridades que ele conhecia para que conseguisse um emprego para Ismael Silva, sendo que no bilhete que endereçou à Mozart Araújo, Pixinguinha narra as desventuras que o amigo passava em termos que praticamente os mesmos Ismael Silva os colocaria na letra de “Antonico”, sendo que esta canção seria escrita cerca de dez anos depois dos fatos ocorridos. Eis o bilhete de Pixinguinha: “Insigne amigo Mozart. Saúde e bom abraço. A finalidade desta é fazer um pedido para uma pessoa assaz conhecida no meio musical, a quem você deve conhecer. Trata-se do antigo compositor Ismael Silva, que foi durante invictos anos parceiro de Francisco Alves, a quem ajudou muito com uma série de sucessos a fazer o nome que tem hoje. Achando-se Ismael Silva desempregado, em má situação, com compromisso, com família numerosa etc., tendo muita vontade de ajuda-lo e nada podendo fazer no momento , razão pela qual lembrei-me de solicitar ao velho amigo para interceder junto ao (cantor) Luís Simões Lopes, a fim de conseguir uma colocação para o popular sambista, que tem lutado com dificuldade de vida. Sem mais, sendo você músico e o Luís Lopes, cantor, espero que o que puder fazer pelo Ismael seja como se fosse por mim. Previamente agradeço. Mais um abraço e mande ordens. Do amigo A. Viana (Pixinguinha)” (CABRAL, 2007, p.174). Muito provavelmente outra pessoa escreveu o bilhete para Pixinguinha, segundo Cabral (2007), mas certamente o conteúdo geral fora ditado pelo próprio Pixinguinha que a assinou. Enfim, eis um exemplo da amizade, música e sucesso. Para que se tenha ideia do quanto um grande músico poderia acabar na miséria podemos mencionar outro relato do qual também faz parte Pixinguinha narrado por Sergio Cabral (2007). Na véspera carnaval de 1934, Pixinguinha foi perguntado se não gostaria de ver a autópsia de um músico que fora encontrado morto num córrego, um pequeno riacho próximo a uma espécie de manicômio, a Colônia de Psicopatas Juliano Moreira. O homem fugira e fora encontrado já morto e era ninguém mais ninguém menos que Ernesto Nazareth, foi um grande susto para Pixinguinha ver o grande pianista e compositor em uma situação tão trágica. Nenhum daqueles funcionários do IML que cuidavam do corpo faziam a menor ideia de que estavam diante de um dos maiores nomes da música brasileira (CABRAL, 2007), é nesse contexto que Ismael Silva estava inserido.

158 de onde eram, seja Estácio, Mangueira, Vila Isabel entre outras. As pessoas moravam nesses lugares e neles expressavam sua alegria, seu canto, sua dança, suas manifestações artísticas que vão ganhar a rua e inventar e reinventar o carnaval.

Pixinguinha chegou a estudar música com uma profundidade maior para conseguir uma base maior de teoria musical. Segundo Cabral129 (2007) ele

prestou concurso para ingressar no terceiro ano de teoria musical do Instituto Nacional de Música em março de 1933. Pixinguinha foi colega de Eleazar de Carvalho que na mesma época estudava tuba no referido Instituto. Vejamos essa bela passagem da biografia:

Havia os amigos que aconselhavam Pixinguinha a entrar firme nos estudos, mas havia outros que achavam desnecessário. Um desses amigos foi um dos mais famosos professores de harmonia do Instituto Nacional de Música (mais tarde, Escola Nacional de Música), Paulo Silva, que, certa vez, disse ao violonista Baden Powell – e este contou ao autor destas linhas – que, procurado por Pixinguinha, interessado em aprofundar-se mais nos segredos da harmonia musical, foi desencorajado com a seguinte resposta: “Pra quê, Pixinguinha? Você não tem nada a aprender e ninguém tem nada a lhe ensinar”. O episódio confirma que o próprio Paulo Silva dissera a Donga, que repetiu as palavras ao mestre em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro: “Eu não sei até agora como é que Pixinguinha faz essas instrumentações, porque a regra proíbe tecnicamente certos recursos inadmissíveis nos compassos. Não conseguirei jamais colocar essas formas dentro do compasso como coloca Pixinguinha” (CABRAL, 2007, p. 159- 160).

Ainda segundo Cabral (2007), Pixinguinha foi admirado por praticamente todos os músicos de seu tempo, basta dizer que o célebre Orestes Barbosa reivindicava a criação de uma Orquestra Típica Brasileira, a qual tinha à frente o próprio Pixinguinha, e em contraponto a uma série de orquestras argentinas típicas daquela época com uma formação norte-americana. O autor também nos informa que em virtude da influência de Mário Reis (aquele que é sempre lembrado como uma espécie de precursor de João Gilberto) houve a promoção na data de 1º de setembro um programa no qual se apresentaria a referida Orquestra Típica Brasileira, na Rádio Clube. Dois ministros de Getúlio Vargas assistiram à apresentação. Esse fato denota a solidez da música de Pixinguinha.

129 O autor afirma inclusive que, para prestar o certame, Pixinguinha teve de solicitar um regristro de nascimento pela primeira vez na vida, pois ainda não tinha esse documento (CABRAL, 2007).

159 Figura 105: Sérgio Cabral

Fonte: https://images.app.goo.gl/uxWNGnW4CpFTJ6Hi7

Em seu livro, Sergio Cabral (2007) ainda relata as palavras de Oswaldo Aranha, um dos ministros presentes na Rádio Clube, que exaltou a música que viu e ouviu nos seguintes termos:

Só posso ter palavras de elogios para o que acabo de ver e ouvir. Gente do meu país, música do meu país. Sou dos que sempre acreditaram na verdadeira música nacional. Não creio na influência estrangeira sobre a nossa melodia. Nós somos um povo novo. E a praxe é que os povos novos vençam os antigos. O Brasil, com a sua música nova e própria, há de vencer. Mesmo no Rio Grande do Sul, quando elementos da fronteira vinham fazer a sua música nas terras gaúchas, acabavam cedendo e mostrando-se influenciados pela nossa harmonia típica este é um espetáculo inédito e empolgante. É o início da obra de

prestígio para a música brasileira (CABRAL, 2007, p. 160).130

130 Guardadas as devidas proporções, obviamente, não deixa de lembrar, o discurso de Oswaldo Aranha, um pouco a visão que Darcy Ribeiro, ao final da vida, quando da época da sua obra prima, O Povo Brasileiro; a ideia que Darcy Ribeiro nutria sobre o povo brasileiro era um tanto de que se tratava de um povo novo que viria apresentar algo de novo ao mundo. De certo modo Darcy Ribeiro se dedicou ao estudo da “civilização”, dos processos de humanização, das sociedades mais diversas para entender a formação do povo brasileiro.

160 Pixinguinha é um dos principais construtores da nossa música, portanto acompanhar sua trajetória de vida é acompanhar o “nascimento” e amadurecimento da música brasileira.

Pixinguinha gostava de beber bastante, assim como muitos músicos brasileiros, mas o que diferencia ele de tantos outros além a genialidade musical é que ele jamais deixou de cumprir seus compromissos em função da bebida. Era como se ele tivesse absoluto domínio sobre si e sua arte. Mesmo trabalhando bastante, Pixinguinha continuava bebendo muito, mas não deixava de cumprir seus compromissos que eram muitos, a vida inteira, e sobretudo nos anos 30 quando ele dava aulas, conseguiu ser nomeado como funcionário público, trabalhou em dancings, era arranjador de gravadoras, de rádios. Todas essas funções acarretavam um volume de trabalho descomunal, todavia, também descomunal era o talento e o brilho deste músico ímpar (CABRAL, 2007)131.

Vale também relatar como se deu o surgimento da letra mais conhecida de “Carinhoso”, que já tinha recebido uma primeira letra132, hoje esquecida, do

compositor Benoit Certain, letra que não foi muito do agrado de Pixinguinha. 131 Transcreveremos uma passagem da biografia de Sergio Cabral que consideramos de grande importância para a caracterização de Pixinguinha: “Mesmo sem vincular-se muito tempo com qualquer emissora, Pixinguinha vinha atuando em rádio, ora como solista de flauta, ora integrando os conjuntos musicais que acompanhavam os cantores. Ou seja: não parava de trabalhar, o que chegava a causar espanto em seus amigos e companheiros, porque Pixinguinha não parava de beber. Qualquer momento de folga era suficiente para encostar no balcão do botequim e pedir uma cachaça. Quando a direção da RCA Victor decidiu criar a Rádio Transmissora, Mister Evans (nomeado diretor da emissora) convocou imediatamente Pixinguinha para trabalhar nela como flautista e como arranjador, função que dividiu com Radamés Gnattali, Iberê Gomes Grosso, Célio Nogueira e outros. O propósito da gravadora era montar uma grande estação de rádio para que os seus contratados pudessem divulgar melhor as suas músicas e assim, aumentar a venda de discos. E, apesar da bebida, Pixinguinha cumprira todos os seus compromissos com o brilhantismo de sempre. Jacó do Bandolim, que também trabalhou na Transmissora, contou em seu depoimento ao MIS que, numa noite de Natal, uma ouvinte telefonou pedindo que Pixinguinha tocasse uma música em homenagem ao filho dela, que falecera. O telefonema foi dado no momento em que era transmitido um programa apresentado por lauro Borges, que, na época, ainda não era o genial cômico radiofônico, mas um locutor que usava o seu verdadeiro nome, Laurentino Sales. Depois de muita bebida, Pixinguinha dormia num canto do salão, ao lado do estúdio, e foi acordado por Jacó do Bandolim,

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