• Nenhum resultado encontrado

EUA – Estados Unidos da América MPB – Música popular brasileira

1 INTRODUÇÃO 23 2 RAÍZES DO BRASIL EM RELEITURA

3.5 VINICIUS DE MORAES (O POETA DA CANÇÃO)

Vinicius de Moraes foi um dos maiores poetas e compositores brasileiros. Em alguns momentos desta dissertação mencionamos passagens desse poeta e compositor. Vinicius de Moraes realiza uma trajetória de vida das mais interessantes da literatura brasileira. Começa como poeta mais ligado a uma certa ligação espiritual, católica ainda muito jovem; aspecto interessantíssimo quando comparamos com o Vinicius maduro que criaria os afrosambas junto com Baden Powell.

Figura 139: Vinicius de Moraes

195 Figura 140: Baden Powell

Fonte: https://images.app.goo.gl/9bbXHXPtkYUYL9sZ6

Pode-se ver até pelos títulos dos seus dois primeiros livros de poesia o quanto Vinicius ainda escrevia poemas mais distantes, ainda que belos. Seus dois primeiros livros são “Caminho para a distância” e “Forma e exegese”.

Vale lembrar que as primeiras músicas compostas por Vinicius de Moraes foram feitas com certa despretensão, em parceria com Haroldo Tapajós, são elas: “Loura ou morena” e “Doce ilusão”. Essas canções foram compostas em 1932. Nesse momento Vinicius já escrevia, tinha dezenove anos, mas amadurecia. É dessa época, mais precisamente de 1933, o soneto “Revolta” que está no livro O caminho para a distância. A importância desse soneto se dá porque nele está traduzido desde aquela época uma luta entre a carne e o espírito, de maneira brutalmente linda, e que a partir do amadurecimento do poeta a balança dos polos em luta será pendida para o mundo, ainda que o poeta não esqueça do espírito de alguma maneira, mas sem a tensão da juventude. Eis o poema:

REVOLTA

Alma que sofres pavorosamente A dor de seres privilegiada

Abandona o teu pranto, sê contente Antes que o horror da solidão te invada. Deixa que a vida te possua ardente Ó alma supremamente desgraçada. Abandona, águia, a inóspita morada Vem rastejar no chão como a serpente. De que te vale o espaço se te cansa? Quanto mais sobes mais o espaço avança... Desce ao chão, águia audaz, que a noite é fria.

196

Volta, ó alma, ao lugar de onde partiste O mundo é bom, o espaço é muito triste...

Talvez tu possas ser feliz um dia. (MORAES, 2017, p. 45)

Vinicius de Moraes (1933) publicaria esse poema, “Revolta”162, no livro O caminho para a distância, na época com apenas 20 anos, uma prova de sua maturidade e precocidade. É um livro ainda distante do que ele faria a partir dos anos 50, mas já há prenúncios de alguma tensão que havia em seu íntimo, conforme podemos ver na correspondência que trocou com o velho poeta Octávio de Faria, de quem foi próximo na mocidade, conforme nos relata José Castello (1994) na biografia que escreveu sobre o poeta.

162 Vejamos o que nos relata José Castello em sua biografia sobre Vinicius acerca do momento dessa poesia: “‘Revolta’ é um poema-limite entre o poeta metafísico, imerso em um mundo decorado por anjos sinistros e espíritos severos, e o poeta do chão acossado pela imagem de mulheres ardentes e de paixões avassaladoras. Aqui, pela primeira vez, ainda que na forma de versos, as coisas do alto sucumbem diante da forma irresistível das coisas do chão. A solução do conflito – que passará não pela morte do ‘burguês’, como o jovem Vinicius parece julgar, mas pela ‘morte’ do grande pai representado por Octavio de Faria – ainda está distante; mas o poeta já consegue vislumbrar o seu perfil. Consegue antever uma saída. O protótipo dessa libertação está naquela experiência extrema que ele, ainda tomado pela culpa e pelo espectro do pecado, denomina – numa linguagem bíblica, que iguala a vida concreta ao fogo dos infernos – ‘o rastejar da serpente’.

Octávio de Faria não esconde seu ceticismo quanto à eficácia dessa opção pela experiência mundana. “Se não me engano alguns dias depois você fazia a experiência do ‘rastejar da serpente’ e, não podendo se aclimatar, fugia para Itatiaia para viver alguns poucos dias do que eu creio que se pode chamar, sem exagerar: a vida pelo espírito’, aponta, como um pai rabugento a repreender seu filho. Octavio, nesse ponto, é severo e até rude. Detecta com precisão o conflito em que o poeta se afoga e, sem meias palavras, procura manejar as peças do embate a seu favor. Prega uma ética do esforço e da esperança, um lento e doloroso processo de aproximação ao futuro ideal sintetizando na idéia (sic) de uma aristocracia espiritual. E, no rastro do pensamento do filósofo francês Henri Bergson – um cavaleiro da metafísica contra a hegemonia de seus 73 anos -, pensa que não são todos os homens que são livres, mas apenas alguns. A batalha intelectual entre os dois amigos se trava no seguinte ponto: Vinicius, onipotente, quer crer que ambos já galgaram o topo da aristocracia do espírito e que “burgueses”, agora, são os outros; Octavio, ao contrário, defende a idéia (sic) de que o homem não é livre para se libertar da carne quando quer , e que, por isso, deve admitir que a luta contra os apelos da carne é uma luta sem fim. Uma batalha interminável. Diz, expressamente: ‘Ora, me parece que você vê um homem terrivelmente livre, tão livre que eu não sei onde você o encontrou. Tão livre que já me parece um homem já libertado da carne. Eu não conheço esse homem...’. A carne, para o romancista, é um destino do qual o homem não pode se libertar. Deus entregou o homem a ela sem lhe dar, em contrapartida, qualquer chance de se defender. ‘Deus lançou os homens no mundo com essa carga. Deu-lhes pouca capacidade de serem livres para a força prodigiosa de instinto sexual que pôs no homem. Entregou-o à carne sem defesa possível’, diz. A única defesa que resta ao homem contra os apelos da carne é o embrutecimento o ‘fazer sem pensar’. Octavio sintetiza: ‘Para o comum dos homens, a prática da carne não é sofrimento, ou caminho de aperfeiçoamento. É fraqueza, é hábito, é não-resistência a uma ocasião que se oferece ou uma vontade que dá’. Prossegue: ‘Um pouco de vergonha depois e a recordação do prazer para agir na próxima ocasião. É inútil querer ver aperfeiçoamento nisso’”(CASTELLO, 1994, p. 91-92).

197 Figura 141: Octávio de Faria

Fonte: https://images.app.goo.gl/MXFvzioeiHdphSTb7

Destacaríamos três livros de sua obra: Poemas, sonetos e baladas (1946), Orfeu da Conceição (1956) e o Livro de sonetos (1957/67). Destacamos esses três livros porque Poemas, sonetos e baladas é o livro que tem algumas das poesias mais conhecidas de sua obra, basta dizer que ele abre já com a força do “Soneto de fidelidade”, mais à frente vemos no mesmo livro o “Soneto de quarta-feira de cinzas”, páginas adiante nos depararemos com o “Soneto de carnaval”; e o livro finaliza com uma contundência tão tamanha quanto a que havia se iniciado, a saber, com a contundência do “Soneto de separação”, sem sombra de dúvidas esses dois sonetos, o inicial e o final, são dos mais belos da história da literatura universal.

Destacamos também de sua obra Orfeu da Conceição (1956), a montagem dessa peça foi crucial para a música brasileira devido ao trabalho de Vinicius junto ao então obscuro músico e compositor Antonio Carlos Jobim. A colaboração de ambos foi responsável pela mais importante obra musical da nossa história. Ainda que tenhamos outras duplas de compositores importantes, tais quais Noel Rosa e Vadico, Noel Rosa e Ismael Silva, Chico Buarque e Francis Hime, Chico Buarque e Edu Lobo, Cazuza e Frejat, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, entre tantos outros. Mas nenhuma outra dupla seria capaz de se comparar a Tom e Vinicius. Se no início do trabalho Vinicius de Moraes era o grande nome da dupla, com o passar do tempo a figura de Tom Jobim cresceria tanto que acabaria tomando um vulto maior. Esse fator também se daria por conta do fato de que a peça Orfeu da Conceição acabaria se transformando em filme de sucesso em 1959, vencendo o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1960, sob a direção de Marcel Camus. Na medida em que poucas plateias do

198 mundo compreenderiam a poesia das letras de Vinicius de Moraes, então a força da música de Jobim se imporia e ganharia o mundo. De certo modo pode-se dizer que os anos 60 teriam duas grandes surpresas em termos de composição, Lennon/McCartney e Tom/Vinicius.

Figura 142: Francis Hime

Fonte: https://images.app.goo.gl/P3QrN9rhdpjZrv4n7 Figura 143: Chico Buarque

Fonte: https://images.app.goo.gl/3LjX8qEqaQDkE8Dj7 Figura 144: Edu Lobo

199 Figura 145: Cazuza (Agenor de Miranda Neto)

Fonte: https://images.app.goo.gl/ZVbXKVqNMEYhQVUd9 Figura 146: Roberto Frejat

Fonte: https://images.app.goo.gl/n4aC63jkRMKGBw3f8 Figura 147: Roberto Carlos

Fonte: https://images.app.goo.gl/8RYzUNqdGPhcAt6R8 Figura 148: Erasmo Carlos

Fonte: https://images.app.goo.gl/XTHSoyAXwbkiEuZa9

Destacamos a nossa visão sobre a peça de Vinicius de Moraes, como um acontecimento em si ao transportar o mito de Orfeu da Grécia Antiga para os

Documentos relacionados