• Nenhum resultado encontrado

2 A ESTRUTURA FUNDIÁRIA E AS GRILAGENS NA FORMAÇÃO SÓCIO-

2.2 A grilagem no Brasil

O grileiro não é um resquício do passado, é o fruto dos novos tempos e das múltiplas determinações do mercado. É o empresário da terra, por excelência. Aquele a quem se recorre quando se deseja muita terra. É o grande intermediador entre os poderosos grupos econômicos do Sul-Sudeste e dos políticos com inserção nacional e estadual com a terra das regiões de fronteira.

Para localizar as grilagens de terras das décadas de 1970 e 1980, a maneira mais fácil é seguir o trajeto das obras públicas de criação de infra-estrutura nas regiões de fronteira agrícola ou de povoamento, já que nelas o Estado não só as permitiu como produziu os atrativos de infra-estruturais que atiçaram a sanha dos grileiros.

Segundo Sorj (op. cit.: 109), o capitalista (empresário ou grileiro) busca terras nas regiões de fronteira agrícola basicamente por três motivos. Por que se beneficia da valorização sofrida pela terra pelo simples fato de haver sido incorporada ao mercado, seguida da valorização subseqüente quando o Estado dirige para a região investimentos em infra-estrutura que agregam valor a todas as propriedades que margeiam ou que são beneficiadas pelo investimento (uma espécie de transferência de mais-valia do Estado a esses capitalistas), complementada, por fim, pelo costume no país de usar a terra como reserva de valor contra as situações de perda de valor real da moeda.

Como se vê, o capital se antecipa ao povoamento, frustrando as expectativas dos milhares de trabalhadores sem terra que viam nessas novas áreas a possibilidade de desenvolvimento de uma vida de paz e de trabalho (SORJ, op. cit.: 109). E mais, o Estado participou não só da criação do ambiente político-institucional favorável ao desenvolvimento da grilagem, como também criou instrumentos que potencializaram sua materialização. O incentivo a pecuária, o crédito subsidiado, rodovias, comunicações, colônias de povoamento mal localizadas e sem o devido acompanhamento técnico, o que só favoreceu o fracasso da totalidade delas, a ausência de um mapeamento de todas as terras devolutas e públicas do país, a

omissão e ausência institucional do Estado de Direito, tudo isso contribuiu, no seu devido tempo, para o bom sucesso dos empreendimentos dos grileiros70.

A esse respeito, Sorj (op. cit.: 110) nos alerta que

Sem dúvida o Estado esteve presente em todos os processos de ocupação de fronteira, em forma de uma estrutura jurídica dada ou como 'ausência' que permitia a imposição direta do latifúndio pelo uso da força ou do poder econômico. Sem dúvida a 'ausência' da ação imediata do aparelho institucional do Estado na Amazônia volta a apresentar-se na medida em que foi permitida a repetida violação da legislação e o uso direto da força por grileiros.

Nesse sentido, Almeida afirma que, ao contrário do que deveria acontecer,

Constata-se um amplo desconhecimento das realidades localizadas e a não-atualização de informações elementares, pelas instituições públicas e pelos organismos de planejamento. Verifica-se ademais superposições de áreas-programa, colisão de competências e uma certa hipertrofia de centros de poder voltados para a execução do zoneamento econômico-ecológico.

E, mesmo que se considere como verdadeira a exposição de motivos do Governo sobre a expansão da fronteira, não se pode desconsiderar que a falta de sincronia e de objetivos comuns entre os ministérios e autarquias federais agiu decisivamente contra os objetivos do governo central.

Essa diacronia estatal foi o ambiente perfeitamente propício aos interesses dos grileiros e de seus colaboradores (proprietários ou escrivães de cartórios, delegados de polícia, juízes de direito, funcionários dos órgãos fundiários, lavradores pobres utilizados como “laranjas”, entre outros), possibilitando que pudessem mais eficazmente preparar a terra para a grilagem (ASSELIN, 1980).

Tais associações eram a regra nos processos de grilagem, cooptando diferentes indivíduos nas variadas instâncias de poder como forma de literalmente forjar documentos de propriedades com vistas a legalização de terras e incluindo artificialmente tais terras no mercado nacional de terras sem terem de dispor enormes quantidades de recursos na aquisição de milhares de hectares em um único processo, inclusive terras que na prática dificilmente poderiam ser

70 “Quando novas idéias entram na Formação Econômico-Social, sugerindo mudanças que venham a ameaçar a ordem das forças produtivas, o Estado é chamado a intervir, através de seu poder, na defesa da classe dominante, a qual representa” (MIORIM, BEZZI & ZIBORDI, 1988: 545).

apropriadas, dada a quantidade de minifúndios existentes em algumas regiões. Por conta disso, a prática da "[...] manipulação fraudulenta das regras jurídicas significa a precondição da manipulação das leis de mercado” (ALMEIDA, 1986: 268).

Essa manipulação dava-se desde a falsificação de antigos documentos de propriedades, às vezes até forjando termos de concessão de sesmarias, construindo toda a sua cadeia dominial, com assinaturas de falsas testemunhas, de falsos laudos técnicos, etc. (SANTOS, 1980: 55)71; passando pela apropriação forçada da terra de pequenos proprietários e posseiros, desarticulando pequenos povoados rurais, etc. (SORJ, op. cit.: 106); culminando na expulsão violenta de posseiros, muitas vezes com registro de mortes72.

A gana pela apropriação desmedida de terras na fronteira de recursos (BECKER, op. cit.), favorecida pela valorização da terra e a incipiente capacidade organizativa dos trabalhadores rurais muito desarticulados entre si no contexto de transformações pelas quais passava o campo no país, mostrou-se nada alvissareiro para esse grupo, e isso foi mais evidente nos lugares onde o Estado atuou de maneira mais incisiva na criação de infra-estruturas e demais políticas de modernização (DINIZ, op. cit.: 87).

Isso se repete em todos os casos de expansão de fronteira com maior ou menor intensidade à medida que as rodovias, principal elemento consolidador da ocupação e da apropriação da fronteira, cortam o interior dos estados, interligando as capitais ou as regiões produtoras com as consumidoras, ou ainda, como no caso da transamazônica, as regiões que se pretendia que fossem colonizadas.