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ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Capítulo 2 Grupos consonânticos

2.1. Grupos consonânticos tautossilábicos ​vs grupos consonânticos heterossilábicos

2.1.2. Grupos consonânticos heterossilábicos

Por outro lado, os grupos consonânticos heterossilábicos, ou aqueles que designámos anteriormente como marcados ou problemáticos, correspondem àquelas sequências CC cujas combinações segmentais correspondem a Obstruinte℘Obstruinte, Obstruinte℘Nasal e Nasal℘Nasal, como vimos antes, pois não podem ocorrer em início de sílaba, ou seja, em Ataque ramificado, porque infringem princípios de boa formação silábica.

Quanto à sua frequência na língua, estas sequências são mais raras do que as sequências de consoantes que podemos encontrar em grupos consonânticos tautossilábicos por causa da sua origem histórica, como veremos mais adiante.

A estratégia de inserção de uma vogal epentética ou, neste caso concreto, interconsonântica, entre estas sequências CC é muito frequente, como apontam Câmara (1970), Vigário & Falé (1994) e Mateus & d’Andrade (1998, 2000). Essa estratégia corresponde a uma tentativa de regularizar uma sequência de sons que não são admitidos numa determinada língua , fazendo com que sejam preenchidos foneticamente Núcleos35

33 Decreto n° 35:228, publicado no ​Diário do Governo, ​Ia Série, n° 273, de 8 de dezembro de 1945. Alterado

pelo Decreto-Lei n.º 32/73, de 6 de fevereiro de 1946.

34“1.º São indivisíveis no interior de palavra, tal como inicialmente, e formam, portanto, sílaba para a frente as

sucessões de duas consoantes que constituem perfeitos grupos, ou seja (com exceção apenas de vários

compostos cujos prefixos terminam em b ou ​d​: ​ab- legação, ad- ligar, sub- lunar​, etc., em vez de ​a- blegação,

a- dligar, su- blunar​, etc.) aquelas sucessões em que a primeira consoante é uma labial, uma velar, uma dental

ou uma labiodental e a segunda um ​l ou um ​r​: ​a- blução, cele- brar, du- plicação, re- primir, a- clamar, de-

creto, de- glutição, re- grado; a- tlético, cáte- dra, períme- tro; a- fluir, a- fricano, ne- vrose ​” (Porto Editora 1990: 21).

35 “The phonology of each language comprehends a set of “phonotactic constraints” that rule out which

consonant combinations are allowed or disallowed within a syllable. If a given sound sequence which is a

candidate for becoming a word in a specific language (e.g., a lexical borrowing) does contain any sound

combination which is not in accordance with such phonotactic constraints, it is very often subject to a

“regularization procedure” […] the vowel which is inserted to accomplish such regularization instances is called

vazios . No entanto, isso trata-se de uma solução artificial para que estes encontros36

consonânticos estranhos à fonologia do português adquiram a estrutura silábica básica CV . 37

Apoiando-nos ainda no atual AO do português, o 2.º preceito da Base XX determina que estas sequências devem ser translineáveis (ou divididas por duas sílabas, correspondendo C1 à Coda de uma sílaba e C2 ao Ataque da sílaba seguinte), ou seja, devem ser separadas quando se encontram em fim de linha se se encontrarem no interior da palavra e são 38 entendidas como “sucessões de duas consoantes que não constituem propriamente grupos” . 39

No entanto, se estas sequências se encontrarem em início absoluto de palavra, de acordo com Gonçalves (1947), elas não devem ser divididas . 40

Estes encontros consonânticos estão praticamente ausentes nas primeiras produções de crianças observadas por Freitas (1997), muito pelo facto de apenas figurarem em léxico muito específico e não dominado por crianças, e isso não permite tirar muitas conclusões relativamente ao seu processo de aquisição.

A divisão silábica destas sequências diverge de falante para falante e não vai ao encontro daquilo que é descrito para a fonologia do português, ou seja, a representação destes grupos com Núcleos não preenchidos (Mateus & d’Andrade 1998, 2000).

Muitos destes aspetos se devem ao facto de as palavras que contêm estas sequências terem tido uma origem tardia e terem entrado por via culta através de empréstimos do latim

36Em japonês, também é inserida uma vogal epentética para eliminar, no caso dessa língua, Codas que não são

permitidas em empréstimos provenientes do inglês (exs.: ‘fight’ > fait ​o​; ‘festival’ > ‘fes​ɯ​tibar​ɯ​’ (Hall 2001:

1589)).

37 Outras estratégias de compatibilização destas estruturas com o conhecimento fonológico do português, no

qual a epêntese passou a ser a mais produtiva, adotadas pelos falantes foram, diacronicamente, a

semivocalização de C2, que passa a integrar um Núcleo ramificado (exs.: lat. ​noctem ​> port. ​noite​), o

apagamento de C1 (lat. ​optimum ​> port. ​ó(p)timo ) ​e a redução a um único elemento consonântico (lat. ​agnum ​>

port. ​anho​), como referido por Vigário & Falé (1994: 476-477)​.

38 “2.º São divisíveis no interior da palavra as sucessões de duas consoantes que não constituem propriamente

grupos e igualmente as sucessões de ​m ou ​n​, com valor de nasalidade, e uma consoante: ​ab- dicar, Ed- gardo,

op- tar, sub- por, ab- soluto, ad- jetivo, af- ta, bet- samita, íp- silon, ob- viar, des- cer, dis- ciplina, flores- cer, nas- cer, res- cisão; ac- ne, ad- mirável, Daf- ne, diafrag- ma, drac- ma, ét- nico, rit- mo, sub- meter, am- nésico, interam- nense; bir- reme, cor- roer, pror- rogar, as- segurar, bis- secular, sos- segar, bissex- to, contex- to, ex- citar, atroz- mente, capaz- mente; infeliz- mente; am- bição, desen- ganar, en- xame, man- chu, Mân- lio , etc.” (Porto Editora 1990: 21).

39“A segunda consoante se combina com a vogal seguinte, iniciando essa sílaba, enquanto a primeira (não final)

fica, por convenção, a terminar a sílaba anterior, tudo se passando como se se apoiasse num ​e mudo não

grafado”, segundo as palavras de Fernandes (2000: 44) relativamente às sequências CC problemáticas em

posição medial de palavra.

40 Também Fernandes (2000: 44) afirma: “Em início de palavra estas consoantes não cindem, pois a primeira

clássico e do grego antigo (Câmara 1970), para prover o léxico do português em domínios muito específicos (técnicos e científicos).

Faremos no Quadro 1, uma sistematização das propostas para sequências CC marcadas presentes na literatura:

Quadro 1. ​Sistematização das propostas para sequências CC marcadas presentes na literatura.

Possibilidades de silabificação Consequências

/CCv./ O Princípio de Sonoridade e a Condição de Dissemelhança são

violados.

/vC.C/ Princípio de Sonoridade e Condição de Dissemelhança são

respeitados, mas é violada a convenção que determina que as Codas sejam preenchidas por consoantes diferentes de /r/, /S/ ou /l/.

/C∅.C/ Princípio de Sonoridade e Condição de Dissemelhança são

respeitados, mas é violada a convenção de preenchimento obrigatório de Núcleo.

/C(e).C/ Princípio de Sonoridade e Condição de Dissemelhança são

respeitados, mas é inserida uma vogal epentética.