• Nenhum resultado encontrado

Grupos de Teatro do Oprimido na Saúde Mental

3.3 PERCURSOS DA LOUCURA COM O TEATRO

3.2.14 Grupos de Teatro do Oprimido na Saúde Mental

As experiências com Teatro do Oprimido na Saúde Mental começaram em 1994, o Centro do Teatro do Oprimido – CTO foi chamado pelo hospital D. Pedro II para fazer um trabalho com as idosas que eram atendidas pela psicologia, foi assim que nasceu “As Princesas de D. Pedro” – nome dado ao grupo pelas próprias idosas. “A peça de Teatro-Fórum teve como base as opressões de uma mulher que, por mais que se cuidasse, as pessoas sempre lhe lembravam o quanto era esquisita, anormal, diferente, incomum” (FELIX, 2010, p.26). A Coringa do CTO, forma como são chamados os facilitadores do Teatro do Oprimido, aponta como modificou seu olhar e aprendeu a lidar com essas mulheres passando a perceber que cada uma no seu ritmo pode conseguir superar as dificuldades com criatividade: “Aprendi com elas que as pílulas não acabam com os tormentos, apenas adormecem os monstros e os gritos viram sussurros. Além de provocar certa lentidão no ver, no sentir, no agir” (IDEM, p. 26).

Por outro lado, quando um usuário cria uma cena e observa a si próprio, ele se vê refletido na sua Arte, torna-se Sujeito da sua criação, recriando-se ao criar sua obra. Boal dizia “a frase ‘Sou capaz de fazer isto... no teatro! Contém uma importante revelação: ‘Sou capaz de fazer isto!’ Nas palavras de uma usuária: “A personagem faz coisas que eu não seria capaz de fazer. Mas ela entra na minha cabeça e vai em frente e faz. depois, eu entro em mim e percebo que tenho capacidade de fazer.” A usuária percebe estética e subliminarmente– ou em plena consciência – que, se é capaz de representar uma Personagem, pode também integrar a Personagem, ou algumas de suas características, à sua própria Personalidade” (BRITTO, 2011, p. 16).

As experiências com o Teatro do Oprimido na saúde mental se intensificaram, em 2004, no Rio de Janeiro quando o Ministério da Saúde através da Coordenação Nacional de Saúde Mental ofereceu apoio para capacitar profissionais como multiplicadores do método, as ações se expandiram por vários dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial e depois para outros estados, São Paulo e Aracaju – SE. No artigo “Desvelando os caminhos do Teatro do Oprimido como estratégia de Reabilitação Psicossocial” (SILVA et all, 2011), as autoras discutem a repercussão do

Teatro do Oprimido na vida dos participantes, assim como as dificuldades enfrentadas nas oficinas. Segue alguns depoimentos de profissionais e participantes do Teatro do Oprimido.

[...] nos ensina a relaxar mais, a lutar pelos nossos direitos, a nos inserir na sociedade. Assim, a não ficar só aqui no CAPS, a procurar vidas lá fora (U1) (IDEM, p. 169)

[...]. Ela tem momentos de estabilização, que a pessoa vai estar mais preservada, sua autonomia e tudo. Mas, vão ter outros momentos que ele vai ter que recorrer de novo ao acolhimento (IDEM, p. 170)

[...]uma forma deles conseguirem expressar o conflito deles, o desejo deles, de uma forma lúdica. Uma coisa que traz sentimento, que é falar de opressão, o que lhe oprime, [...] o que lhe traz algum tipo de sofrimento. Você só falar vai ser terapêutico, e falar e poder [...] expressar [...] através da arte, aquilo, vai potencializar muito mais (IDEM, p. 170).

Em 2006, os CAPS Tear, CAPS Osório César, CAPS Álcool e Drogas e o Ambulatório da Criança participaram do projeto Teatro do Oprimido na Saúde Mental, resultando na criação do Grupo TOGRU por alguns profissionais dando continuidade ao projeto. De 2008 até 2010, houve a segunda etapa do projeto de capacitação pelo Centro de Teatro do Oprimido, com apoio do Ministério da Saúde (SANTOS, 2010, p. 18). Britto (2010) nos relata um pouco mais sobre esse processo.

Na última etapa, encerrada em 2010, além de São Paulo e Rio de Janeiro, ampliamos nossa ação para Sergipe. Os Multiplicadores formados nas etapas anteriores participaram ativamente do processo de capacitação dos novos Multiplicadores, construindo junto com o CTO o programa de formação, apoiando nas visitas e se tornando referência local na relação com o poder público. Foram mais de 300 profissionais capacitados (BRITTO, 2010, p. 16).

Na Revista Metaxis de número 7 (2010), número especial para as experiências de Teatro do Oprimido na saúde mental podemos constatar a diversidade de grupos existentes pelo Brasil: Pirei na Cenna, Liberarte, Projeto Tear, TOGRU, Grupo de TO no CAPS i Recriar, CAPS II Arco Iris, CAPS III Bom Clima, Projeto TEAR, Unidade Básica de Saúde. Toscano (2010, p. 22) nos conta sobre a riqueza da repercussão da experiência do Teatro do Oprimido na Saúde Mental em São Paulo.

Entre 2009 e 2010, em Guarulhos/SP, mais de 25 Unidades de Saúde conheceram o Teatro do Oprimido. Foram formados 21 grupos, beneficiando cerca de 320 participantes de todas as faixas etárias (a partir de 10anos) entre usuários e profissionais, com a produção de 20 espetáculos de Teatro-Fórum, apresentados em quase 50 eventos públicos, e de dezenas de obras da Estética do Oprimido – esculturas, pinturas individuais e coletivas, poesias,

músicas. Cerca de 5 mil pessoas tiveram contato com a experiência (TOSCANO, 2010, p. 22).

O grupo de Teatro do Oprimido Humores Insensatos do CAPS III Alvorecer é um dos serviços de Guarulhos que trabalham com a metodologia do Teatro do Oprimido (DUARTE; ALMEIDA, 2015). São trajetórias de construção, de articulação e de fortalecimento da cidadania e justiça social através do Teatro do Oprimido (SANTOS, 2010). São muitos os temas trabalhados: rejeição da carteira de gratuidade de transporte, familiares usurpadores de benefícios, pessoas aprisionadas por familiares, anorexia, racismo, discriminação. Murat (2010), coordenadora de Saúde Mental de Santos - S.P., relata que os gestores apoiaram integralmente o Projeto Teatro do Oprimido na Saúde Mental, do CTO, incorporando-o nas unidades CAPS.

Toscano (2010), Coringa do CTO, gestora da ONG Mudança de Cena e integrante do GTO-São Paulo nos fala sobre o processo pedagógico, o aprendizado envolvido na formação de inúmeros grupos que se formaram em Guarulhos-São Paulo, multiplicadores do método. Aponta todo o investimento afetivo envolvido, o cuidado, a partilha e a reverberação do produzido e vivido:

Os ritmos do grupo e do projeto vão indicar o tempo de criação de uma peça. O processo é tão importante quanto o produto. O processo de escolha de histórias é delicado, forte e gerador de crise para o grupo. É o momento de trabalhar nossas dores ou as dores de outras pessoas. Momento de exposição pessoal, necessário para gestar confiança e transformação. É escuta. A experiência no arsenal de jogos e técnicas que antecede essa fase é primordial para que a confiança e a exposição dos conflitos possam acontecer de forma generosa (TOSCANO, 2010, p. 22).

Em 2013, o Ministério da Saúde lançou o II Edital de Fortalecimento do Protagonismo de Usuários e Familiares da Rede de Atenção Psicossocial. Temos conhecimento, através da literatura (JOCA; LINHARES, 2016; LINS et all, 2017) e por conhecimento próprio que dois estados realizaram oficinas com o Teatro do Oprimido através deste financiamento do Edital de Fortalecimento do Protagonismo de usuários e familiares de usuários pelo Ministério da Saúde: Fortaleza com o Projeto “ Teatro do Oprimido na Saúde Mental de Fortaleza” (SANTOS; JOCA; SOUZA, 2016) e Maceió com o Projeto “Teatro do Oprimido na Saúde Mental: expressão, alternativas e

avanços”49 de autoria da pesquisadora, Udson Pinheiro Araújo e Gisellle Torres que

será descrito a seguir.

Fortaleza concretizou seu projeto em 2014, realizando 16 encontros com 4 grupos vinculados aos Centros de Atenção Psicossocial da cidade, totalizando 100 pessoas participantes, entre participantes e familiares. O Projeto foi elaborado “por um grupo de residentes (enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicólogos) e preceptores da Residência Integrada em Saúde, com ênfase em Saúde Mental Coletiva” (SANTOS; JOCA; SOUZA, 2016, p. 639). Santos, Joca e Souza (2016) discutem vários aspectos do processo, com ênfase para o relato e a escolha das histórias a serem trabalhadas.