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gt; Percorrendo os resultados da pesquisa

Analisaremos os resultados da 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil a partir de cruzamentos de informações e das escolhas conceituais expostas sobre o perfil do leitor e sua relação com a idade e a escolaridade; o significado de leitura para esse leitor; as preferências de leitura reveladas a partir das formas de acesso; e a presença e o significado da biblioteca escolar na formação do leitor.

Considerando a definição de leitor adotada e os resultados apresentados, podemos identificar um sujeito com idade entre 5 e 24 anos, agrupado pelas etapas de ensino: Fundamental I, Fundamental II,

Ensino Médio e Ensino Superior. Mesmo apresentados de forma fragmentada, os resultados da pesquisa estão interligados e as respostas determinam a compreensão do perfil desse leitor. O leitor efetivo é aquele que lê para fins escolares e está diretamente influenciado pelas indicações e exigências do professor. Para conhecer e compreender essa determinação é necessário considerar a complexidade existente na tentativa de identificação de um comportamento leitor.

A objetividade das perguntas e das respostas aponta para uma idealização e uma fetichização presentes em pesquisas de opinião. A comparação dos resultados e sua análise apenas fomenta debates e reflexões que precisariam ser contextualizados e aprofundados. Ao identificarmos o processo de leitura efetivo como uma tarefa escolar, não podemos deixar de considerar que ele foi pautado apenas por indicadores quantitativos: número de livros ou partes de livros lidos em um determinado período de tempo. As características ou a qualidade da leitura realizada não podem ser apanhadas em sua prática, metodologia e mediação quando a pesquisa está pautada na autodeclaração do entrevistado.

A constatação de que o leitor declarado se encontra na escola diante de imposições práticas e didático-pedagógicas e tendo como foco a leitura de literatura merece investigações mais contundentes, em especial quando nos referimos às diferentes etapas do ensino. O itinerário de cada uma das etapas de ensino aponta para o tipo de leitura e seus usos, e certamente o valor que possui e a quantidade de livros lidos não define um leitor nem cria as condições necessárias para que o sujeito se reconheça como tal.

Nesse sentido, outra questão emerge dos dados da pesquisa: a participação do professor é determinante na busca e leitura de um livro, é ele quem estabelece a trajetória de leitura a partir de concepções que integram o uso do texto no contexto pedagógico e certamente conduzirá o

processo de forma a atender as necessidades de cada etapa de ensino.

Nesse contexto, podemos compreender o protagonismo do professor e também que, apesar de a leitura ser uma prática que não se finda após o período escolar, é na escola que ela se inicia e se qualifica, ou não, pelas mãos do educador. E para que possa realizar seu trabalho, em especial nas escolas públicas, o professor necessita ter acesso a suportes informacionais que sustentem sua prática cotidiana e ter domínio dos processos de leitura e formação do leitor. A formação continuada dos professores torna-se condição para a qualificação desse processo.

Apesar do senso comum de que a escola não tem conseguido promover a formação do sujeito leitor, a pesquisa nos apresenta uma contradição: é na escola e pela influência do professor que o leitor tem surgido. Tomando como referência quem indicou o último livro para a faixa etária entre 5 e 17 anos, o professor aparece como o maior responsável. Quando se pergunta pelo interesse pela literatura nessa mesma faixa etária, a escola e o professor surgem como os maiores influenciadores. No conjunto desses indicadores, o bibliotecário ou o atendente da biblioteca são pouco referenciados.

Quando analisamos as preferências de leitura reveladas a partir das formas de acesso e a presença e o significado da biblioteca escolar na formação do leitor, podemos perceber a invisibilidade e a falta de dados concretos desse equipamento social. Os dados apresentados não conseguem traçar um perfil, necessário e imprescindível, da natureza da biblioteca escolar e do acervo disponível, mas estabelecem uma relação direta entre os diferentes níveis de escolaridade e a motivação e a frequência de uso da biblioteca. Esses critérios são determinados pelas necessidades escolares: tarefas, trabalhos e indicações de livros literários.

A biblioteca escolar aparece como a terceira possibilidade de acesso ao livro, e

quanto maior a estrutura, melhor a relação do usuário com ela. No entanto, esses dados estão condicionados à escolarização: só frequenta a biblioteca quem estuda. O índice de pessoas que não frequentam a biblioteca é muito alto, em torno de 70%, determinado por falta de tempo, gosto e proximidade.

Os indicadores que tratam do acervo da biblioteca e da necessidade dos leitores indicam uma quase inexistência da biblioteca na formação cultural dos entrevistados. Apesar de considerarem a biblioteca como um lugar para estudar, emprestar livros e realizar trabalhos da escola, 37% dos estudantes não a frequentam. Existe uma naturalização na declaração de que, se tivesse mais livros novos e títulos mais interessantes, a biblioteca seria mais frequentada. No entanto, se elencarmos os motivos que o entrevistado alega para não frequentar a biblioteca, a realidade é mais crua: não tem tempo; não gosta de ler; não gosta de ir à biblioteca; a biblioteca é para estudantes.

Nesse sentido, como poderemos avaliar o acervo disponível e sua adequabilidade? Afinal, o usuário não lê porque não encontra títulos que o interessam ou porque definitivamente não gosta? Ou, quando lê, é porque a escola cobra? Não seria necessário abordar a biblioteca considerando sua natureza e seus usuários e assim localizar quais indicadores interferem na formação do leitor?

Para que possamos considerar a biblioteca da escola como um espaço vivo e em construção permanente, formando leitores e cidadãos críticos e autônomos mediante a promoção de encontros, conhecimento, investigação e leituras sustentados pela natureza do nível de ensino e das suas propostas pedagógicas, teremos de passar a considerar:

1. a necessidade de integrar a biblioteca às ações pedagógicas do processo de educação formal;

2. a orientação na formação do acervo, no planejamento de suas ações e

seus serviços para que atenda às especificidades do contexto pedagógico em que está inserida;

3. a compreensão das necessidades de cada segmento de ensino, para que possa atuar na formação do leitor de diferentes estruturas textuais.

Nesse sentido, as pesquisas Retratos da Leitura no Brasil e Retratos da Leitura – Bibliotecas Escolares reúnem elementos e indicadores fundamentais, que precisam ser estudados para que possamos constituir um sistema de bibliotecas escolares considerando as necessidades específicas dos diferentes segmentos da educação formal. As bibliotecas da escola precisam ser concebidas como um equipamento social indispensável e responsável pela qualidade formativa do cidadão brasileiro nos processos formais de ensino.

Referências bibliográficas

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BRITTO, Luiz Percival L. “Leitura e formação na educação escolar: algumas considerações inevitáveis”. In: SOUZA, Renata Junqueira de (org.). Biblioteca escolar e práticas educativas: o

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avulso].

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* Maria das Graças Monteiro Castro

Graduada em Biblioteconomia/UFG. Mestre e doutora em Educação pela FE/ UFG. Professora Associada do Curso de Biblioteconomia da FIC/UFG. Presidente da Comissão Brasileira de Bibliotecas Escolares/ FEBAB.

Votante/leitora do Prêmio FNLIJ. Contemplada com o prêmio Retratos da Leitura/2019, na categoria Bibliotecas, pelas ações de mediação e formação de leitura realizadas no Laboratório do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (LIBRIS).

Leitores de livros,