Capítulo IV – Análise dos dados e discussão de resultados
1. Análise dos dados e discussão de resultados
1.3. Conto “Cinderela ou O Sapatinho de Vidro (Conto)”, de Charles Perrault
1.3.2. Guião do aluno
Uma vez que a autonomia se relaciona, de certa forma, com as nossas vivências na sociedade em que estamos inseridos e também com o processo de formação da nossa personalidade, este guião pretende levar as crianças a relacionarem as características psicológicas da personagem com as suas próprias.
Assim, tentaremos também com as estratégias que de seguida se apresentam, compreender o nível de desenvolvimento da sua autonomia tendo em conta o seu desenvolvimento psicossocial.
Este guião é constituído por duas questões. Uma primeira remete para a identificação de algumas características da Cinderela e uma segunda remete para as características psicológicas que se relacionam com a personalidade da criança.
Deste modo, procedemos para a análise destas questões utilizando quadros-síntese apenas com os dados das crianças da amostra.
Quadro 18 – Dados da análise das respostas à questão n.º 1 do guião do aluno do conto “Cinderela ou O Sapatinho de Vidro (Conto)”
Número e
pergunta
Categorias
Amostra
(6 crianças)1. Cinderela era uma bela menina cheia de várias qualidades: algumas físicas e outras psicológicas. Enumera algumas das suas características psicológicas. Carinhosa/ Amorosa/Meiga 3 Simpática 2 Amável/ Gentil 5
Bondosa/ Boa/ boa pessoa 5
Rápida 1 Educada 1 Gosta de partilhar 1 Submissa /Obediente 3 Justa 1 Delicada 1 Verdadeira (Honesta) 1
No quadro 16, o número de respostas não coincide com o número de crianças uma vez que o tipo de resposta leva-as a enumerarem várias características psicológicas da personagem.
Como é notório, a grande maioria das crianças selecionou como características de maior destaque “bondosa” e “amável/gentil”. Estas qualidades identificam-se plenamente com a personagem, pois independentemente dos maus tratos que sofria, Cinderela sempre tratou com gentileza as suas irmãs. Exemplos descritos no texto que comprovam esta situação são “Outra que não fosse Cinderela far-lhes-ia os penteados todos tortos; mas ela era boa e penteou-as na perfeição.” e “Ela foi sentar-se junto das
Outras características selecionadas por metade das crianças em estudo foi “submissa/ obediente” e “carinhosa/amorosa/meiga”. De facto, “submissa/ obediente” também era uma das maiores características de Cinderela, pois tudo o que a mandavam fazer, esta fazia-o sem nunca se impor ou contestar. Cinderela também demonstrava ser “carinhosa/ amorosa/ meiga”, no sentido de respeitar e ser agradável para com os outros. Podemos comprovar com um excerto do texto: “(…) chamaram Cinderela para lhe perguntarem a sua opinião (…). Cinderela aconselhou-as da melhor vontade e até se ofereceu para as pentear; (…).”
Um terço das crianças da amostra também referiu outra qualidade como “simpática”, relacionada com o facto de esta ser agradável para os outros e inspirar simpatia.
As características menos referidas foram “rápida”, “educada”, “gosta de partilhar”, “justa”, “delicada” e “verdadeira (honesta)”. Estas características também podem definir a maneira de ser da Cinderela. No entanto, no conto não são tão evidenciadas “rápida” e “gosta de partilhar”. Pensamos que as duas qualidades não demonstradas no texto foram alvo de inferência por parte das crianças que as selecionaram, não nos permitindo identificar claramente a razão da escolha.
De um modo geral, e de acordo com a perspetiva sócio afetiva de Selman (adaptado de Sprinthal e Sprinthal, 1999), podemos dizer que a maioria das crianças conseguem colocar-se no lugar do outro, ou seja, compreende que as pessoas devem ter a noção das relações interpessoais. Estas características vão ao encontro do estádio 3, “Atitude social determinada pela reciprocidade”, que se desenvolve entre os 10 e os 15 anos de idade.
Quadro 19 – Dados da análise das respostas à questão n.º 2 do guião do aluno do conto “Cinderela ou O Sapatinho de Vidro (Conto)”
Número e
pergunta
Categorias Subcategorias
Amostra
(6 crianças)Indicadores
2. De todas as características que enumeraste anteriormente, indica qual a que mais gostas e a que menos gostas, justificando sempre a tua resposta. GostaSimpática 1 [Resposta não justificada.]
Bondosa 4
“(…) porque assim simpatiza com muita gente.” “(…) é capaz de perdoar a toda a gente.”
“(…) porque era boa.”
Verdadeira 1 “(…) não mente (…).”
Não gosta
Amorosa 2 “(…) porque eu não seria amorosa para as irmãs.” Rápida 1 “(…) porque alguém está a falar com ela, e ela fala em dois segundos.” Egoísta 1 [Resposta não justificada.]
Das qualidades psicológicas mais apreciadas pelas crianças destacou-se “bondosa”. Uma das crianças não justificou a sua resposta, e outra associa esta característica à capacidade que a pessoa tem de perdoar, ou seja, se um indivíduo for bom ou bondoso, perdoa as outras pessoas. Duas outras crianças relacionam esta qualidade com algo que é aceite pelos outros, pela sociedade, o que facilita a criação de empatia entre as pessoas.
Outros atributos positivos referidos pelas crianças foram “simpática” e “verdadeira”. Outra criança evidencia associar “simpática” ao facto de a Cinderela ser sempre agradável com toda a gente, que é uma característica apreciada e bastante aceite na nossa sociedade. Uma outra qualidade apreciada é “verdadeira”, pois uma pessoa verdadeira “não mente”, justificou a criança.
Relativamente às características menos apreciadas, uma das crianças não identificou nenhum atributo negativo. A qualidade menos apreciada foi “Amorosa”, em que uma das crianças não justificou a sua resposta. A outra criança não se identifica com este atributo porque, colocando-se na pele da Cinderela, esta não seria amorosa para com as irmãs.
“Rápida”, “egoísta” e “submissa” são características que outras crianças depreciam. A justificação da criança que identificou a subcategoria “rápida” dá-nos a entender que a Cinderela é pouco participativa nas conversas entre ela e outras personagens. A seleção da subcategoria “egoísta” não teve qualquer justificação, nem conseguimos identificar o sentido da aplicação desta resposta, não sendo também nenhum atributo relatado na questão anterior. Por fim, uma outra criança selecionou como característica mais depreciativa “submissa”, justificando que Cinderela se sujeitava a todas as ordens que lhe eram dadas, não se impondo ou contestando.
Uma das crianças da amostra selecionou características tendo em conta também a sua perspetiva e maneira de ser. No entanto, revela rejeição da submissão a que a personagem se sujeita. A opinião de cinco crianças evidencia que apenas tiveram em consideração a personalidade da personagem e não as características delas próprias.