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Há limites para a nossa tolerância.

No documento O congresso : tradução signalética do gesto (páginas 144-150)

LIVRO DE RESUMOS COMUNICAÇÕES

Parecer 3: Há limites para a nossa tolerância.

7.4 Resumo IV:

A comunicação e o pixel

Adiantar a tendência entrópica do universo e demonstrar os efeitos da dispersão. É preciso escolher com cautela onde fazê-lo. Mes- mo que não seja esse o caso das ligações entre partículas elementares, em plena era das estrelas, neste jovem universo de 14 bilhões de anos, mas olhar para o céu e enxergar o contrário daquilo que os mitos ten-

taram reservar, e então, nas galáxias, ver exatamente a expansão. E que nos entendamos com as nossas emoções. As imagens de animais, deu- ses e formas geométricas muito interessadamente vistas, ao deixar de produzir os modelos sagrados de nossos destinos, para que se tornem a evidência daquilo que deixaremos de ser, recairão em mundos pa- ralelos. Mas retornarão, valendo-se de nossa distração momentânea?

Há pelo menos dois milênios as observações dos astros cau- sam espanto diante de uma eternidade que se modifica, reconduz e morre. A mudança de posição dos astros nos transportou rapida- mente, questão de poucos séculos, às previsões aterrorizantes da termodinâmica, quanto à progressiva desintegração do átomo que culminará, aí sim se pode falar em “longo prazo”, na morte do próton e de qualquer possibilidade de energia que possa gerar trabalho.

Talvez a caracterização de uma ciência como “dura”, como a física, envolva a difícil aceitação de suas constatações, aviltados que somos em nossos corações há milênios reconfortados pela ideia de eternidade. O mito é isso, um conforto. A informação é sua filha, pois deseja preservar a lenta e grave evanescência. A co- municação tornaria a vida, vivível, e o absurdo de um eventual estilhaçamento, suportável.

A linguagem é certamente uma via de resgate do real, de alar- gamento da experiência. Porém, logo se tende a tomar a linguagem como plataforma absoluta onde passado e futuro devem repousar. Torna-se, em um segundo, a manjedoura do tédio, limite onde o novo perde força e vai aos poucos ocupando uma zona reservada somente àquilo que faz tremer o horizonte das vistas humanas. Para Flusser (1983) é a arte que opera no sentido de fazer tremer o hábito, e reali- za a transcodação daquilo que habita o mais além da linguagem para tornar os ares, novamente, respiráveis.

Essas forças, intangíveis, matéria livre, animalidade e fogo, água, sonho e Gaia, caso encarnassem em apenas um tempo e um

corpo, desprezariam a linguagem, inventariam uma língua a cada combate, uma forma a cada caminho que acaso trilhassem. Como isso não ocorre, como as forças apenas se fazem sentir segundo sintomas, segue-se a necessária transcodação, ou transcriação, de registros renovados, em uma sísmica das formas e uma sintomato- logia (nietzscheanamente) das forças. Uma sociologia, uma política, uma pragmática — dos signos. Mas seria o caso de saber se tais zonas, inventários, produtores de traços, estariam suficientemente abertos à própria inversão de seus códigos, não para render tribu- to à sua própria destruição, mas para admitir em seus próprios o novo, que cada linguagem suscita como novidade das forças.

O desenho do céu. Em quadrantes, os asterismos, alvéolos do grande pulmão que respira e se afirma como ser. Quadrantes como favas, por onde os deuses nos observam. É o mesmo modelo que pre- valece até nossos dias. Não que a ideia de constelação não tenha sido reavaliada, pois hoje sabemos que uma dessas zonas da esfera terrá- quea é a projeção segundo nossa posição no cosmo, e sua real fundu- ra exigiu muitas outras classificações e medidas. O que foi mantido foi o elemento de imagem, a necessidade de o real manter suas dis- tâncias, multiplicadas a cada século, sob a unidade iluminada da for- ma e de suas adjacências. O pixel, como elemento de imagem próprio à linguagem técnica de fotografia digital, são as nossas constelações modernas. Ou melhor, as constelações dos antigos e toda a história da astronomia e do mapeamento espacial já eram grandes monito- res, e a quantidade de dados em cada porção isolada já lidava com o problema da perda, do armazenamento e da transmissão.

Se o quadrante de constelação já deixou de ser analógico à época de Ptolomeu foi porque a mudança de posição das estrelas previu uma reordenação do mito, da linguagem, das funções do cál- culo e do próprio imaginário humano, mesmo que ainda nos limi- tes da superfície constelar. O universo ganhou profundidade, mas

o que foi alterado foram matizes, brilhos, definição, e tantos quan- tos tenham sido necessários os conceitos criados. Mas o referente, este nunca esteve lá, por isso, o quadro de observação assim como a palavra comunicada são recursos tecnológicos que tendem a ul- trapassar o analógico e também o digital. O suporte da imagem é o imaginário (Suppia, 2008). E se Flusser (2007) polemiza sobre a viragem ontológica anunciada pelo pixel, é quando o colocamos no mesmo plano de pensamento dos Antigos, já que para estes o que estava em jogo era o terror do caos existencial e, para o autor, o es- panto é relativo à perda do referente. Mas, ao fim e ao cabo, sempre se tratou de uma não-coisa. A morte, o esfacelamento. A arte, a lin- guagem. Os objetos mundanos, habituais, o dasein, e todo o univer- so dentro de um traçado na abóbada celeste. A dimensão corpórea assume uma aparência mais estável somente porque o imaginário imprime seu duplo na linguagem e a comunicação é tão somente a seleção de frames mais eficazes para isolar a morte. Veja-se: não propriamente fugir da morte, mas descrevê-la. Em suma, sempre se tratou de software, e nada mais.

Porém, a linguagem é passível da mesma entropia que todas as partículas do universo, e não haveria possibilidade de que esses

frames se sustentassem ad infinitum. Pode-se pensar que, quando

criticadas, as formas, em seu descolamento em relação ao real, abrem espaço para sua superação e sentença de morte. Mas esse é o poder do pixel, unidade de composição que muda de algoritmo, redistribui sua paleta de cores, mas é ainda projeção psíquica de um mesmo pla- no. Nisso, a linguagem mais corriqueira é também cosmogonia.

Mas, e as forças? As forças são aquilo que comumente se concebe por falha, escorregão, mancha, perda de clareza, o grotes- co, o assustador. O comunicável das formas e o silêncio das forças. É que, no limite da eficiência da linguagem, há aquela zona cinzenta, das não-coisas, inabituais, que forçam a passagem sobre o frame.

É claro que este se reordenará, mas não sem antes perder-se, ver- -se obrigado a virar do avesso, a misturar suas bordas com outras que estavam até então distantes. Durar ao multiplicar-se. A força, portanto, está colada em todo tecido da linguagem, ou melhor, a linguagem se aferra a seus domínios exatamente para adiantar, nas margens, sob o horror de seu próprio desaparecimento, um novo contorno. Se uma obra de arte nos obriga a falar outras linguagens e outras línguas, inexistentes, por vir, é porque nunca se fez outra coi- sa senão traduzir, mesmo na linguagem técnica e no falar cotidiano. Não há garantia de permanência. Nenhum corpo, nenhuma lingua- gem, mesmo que seja tão somente do corpo, nem as mais plásticas e entregues à vibração cósmica, irá se salvar. A constelação, seu in- finito guardado e modulado, o pixel: incansável fuga imóvel.

Denúncia: Este texto não foi escrito por um sinalizador. É im- possível. Isso nunca aconteceu. Jamais um deles teria essa fluidez na escrita. Nós já sabemos de tudo! Trata-se de um tradutor que está por trás, tentando nos enganar! Todos já estão sabendo. Nós mesmos tratamos de anunciar o delito. Você foi descoberto. Renda-se!

7.5 Resumo V: Em plena fuga

He commands us to play for the dance Black milk of morning we drink you at night

Paul Celan, Death Fugue

O mapa de uma voz inaudita Nós a perseguimos

Descemos suas escadas de silêncio multiplicado Nas caixas do porão, algumas fotografias

poucas vezes vistas, embaralhadas Nossas janelas abertas: outras janelas Revezamos, o abre-fecha, absortos É o mesmo jardim estreito e sufocado A acenar a ilusão do outono.

As mãos dependuradas à venda pechinchadas e sem cor

E de Milão, as porcas — costuradas as codas nem uma vaga lembrança

Os baús de bocas abertas, profundos,

preparam as camas e jazigos, como brinquedos antigos

A distância cercada, a lamúria traveste-se em ecos, equívocos

— De onde vens, em tua romagem? De Salamanca havíamos escapado... — E, lembro-me —

Aquecemos as mãos, após a estiagem?

Um plano secreto? Quem fala através deles? Espremidas nossas mãos em quadros Esquadros, desenhos íngremes Afagos como machados amarrados em cordas, desacordados, veneno doce — Vos debruçareis. As mesmíssimas mesas em que outrora morrestes.

São os tecelões do tempo, encantadora a monstruosidade, o circo

feito sabão sobre as pedras riscadas Tropeçam e caem, lá dentro

os escuto, ignoro e choro

Parecer 1: Não se aplica.

No documento O congresso : tradução signalética do gesto (páginas 144-150)