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LIVRO DE RESUMOS COMUNICAÇÕES

7.3 Resumo III:

Estudo de caso: a Ideia

O estudo parte do interesse por um gesto: [IDEIA]. Dizemos gesto e não sinal porque nos parece evidente que é afeito a muitas di- nâmicas, quase insondáveis, que não nos permitem, em um só sistema,

localizar como elemento ou vocábulo. Por exemplo: não havia parâme- tro de representabilidade que colocasse [IDEIA] dentro de qualquer conjunto seguro de causalidade, de derivação, de abertura a uma rea- lidade no horizonte de qualquer dialética, nem interpretante explícito, dadas as condições de que dispúnhamos. [IDEIA] possui uma etologia que parece tender a uma iconicidade. Descrevemos: dedo indicador em riste, levado a região da têmpora — contato da ponta do indica- dor com a têmpora em um leve raspão — gesto de contato seguido de uma elevação da mão, mantendo o dedo em riste. Assim: 1. Indicador levado à altura da têmpora; 2. Pequeno raspão; 3. Ascensão a um es- paço neutro; 4. Suspensão. Acreditamos que tal suspensão posse ser equivalente à parada glotal em japonês, por exemplo, um tipo de pro- longamento e expectativa em relação ao próximo som a ser emitido. Muito rápida, a elevação é geralmente acompanhada de uma parada repentina. Em poucas palavras: a ideia surge da cabeça e fica suspensa à altura da cabeça, formada, pronta para ser utilizada.

Dissemos acima que dispúnhamos de condições específicas para a tradução de [IDEIA], quais sejam:

- Pelo menos duas ideias de [IDEIA]: uma que sobrevive des- de Platão, relacional, dualística, dialética da existência, expoente do problema do sensível e do inteligível, cujo gesto não dispõe da possibilidade de se imiscuir em derivações fônicas (como ideia em

eidos). Outra que é ideia-corpo, afecção não mediada pela seleção

moral, pura quentura dos corpos-e-das-linguagens, aparentemente plausível nos liames do gesto mas ainda assim condicionada pela manualidade que escava a abertura pensamental na cabeça, mente pensante, de-mente-de-gesto.

- Um sinal → semantizado, material gestual decalcado em um sistema de coordenadas, de sínteses e substituições. Nossa ver- ve estruturalista. Nosso delírio de conjunto que aceita e torna pros- pecto tal sonho hermenêutico.

- Dois tradutores desejosos por dizer algo a respeito da ficcio- nalidade de qualquer sistema. Um deles vociferava contra o autorita- rismo de uma imagem filosófica culturalista. Falante nativa da Língua Brasileira de Sinais, teimou em inverter posições, desafiar hierar- quias, entregar os segredos de seu povo ao estrangeiro, seu compar- sa de crimes tradutórios (chegando a lhe outorgar o grau de criador de gestos, posição exclusiva dos sinalizadores natos). O segundo, o dito estrangeiro, sorrateiro, temeroso e imprudente (conquistou inú- meros desafetos por isso), além de venenoso, falastrão, desdenhoso por aquilo que tinha por inútil ou besta, sem qualquer resquício de diplomacia. Era, todavia, um tradutor mergulhado na pragmática, e pouco se importava se o futuro concederia algum crédito para suas traduções. Pensavam, os dois, ser a tinta de suas assinaturas o espó- lio que, legalmente, não lhes pertencia. Formavam, todos os dois, um movimento escorregadio, sem lugar, que já em sua formação descam- bou para a pretensão, a rebeldia e, até mesmo, a burrice.

Temos, portanto: um elemento, um conjunto de condições. Mas em que sentido podemos dizer que se trata de uma agência passível de pesquisa, e, se porventura nosso trabalho de equiparar a algum tipo de ciência, o que ele mobiliza?

A aparente conclusão: após vinte anos de observações, que têm seu ápice na inconformidade relativa à tradução de [IDEIA], desconfia-se que a opção pelo elemento gestual amplia as possibili- dades do estudo de uma língua filosófica em eclosão. Por comparti- lhar imagens com as condições exclusivas de uma ideia de [IDEIA], o sinal acaba restringindo a tradução às oposições próprias de um modelo filosófico específico. Em contrapartida, o gesto exibe vizi- nhanças não coagidas pela comunidade, pela nação, e muito menos pelo elemento helenizante.

Um paralelo poderia ser traçado com as descrições de Gar- rick Mallery (1881), em relação às linguagens de gesto napolitanas

utilizadas entre pessoas ouvintes, as imagens de vasos gregos que retratam gestos em situações cotidianas, sinais utilizados por povos indígenas da América do Norte, entre outras referências. O autor destaca a relativa independência dos movimentos manuais nas con- versas, como no caso de uma imagem gravada em cerâmica extraída da obra de Andrea de Jorio (apud Mallery, 1881), onde um escritor público (aparentemente alguém que escreve cartas para os que não obtiveram iniciação às letras) não é informado sobre o que escrever, e, diante da inicial mudez da cliente, depreende de seus gestos que ela deseja remeter carta ao seu marido. Vê-se dois eixos: um, social e contratual, materializado na carta e no servidor público; outro, ad- jacente, os gestos que se replicam em paralelo. O gesto é, entretanto, reinterpretado e reconduzido ao plano cívico, tanto é que, ao observar o acanhamento da cliente que lança um gesto enquanto se recompõe e efetivamente diz a sua intenção, faz a tradução segundo pressupos- tos que estavam retraídos, como uma mola. De um único gesto (mãos no peito e torso curvado) inicia a escrita da carta com algo como Ó esposo amado, bem sabes que meu amor é por ti sincero...

Por isso, pensamos, não é sinal, mas gesto, a nossa matéria, quando da tradução de [IDEIA] e na própria seleção de elementos pertinentes ao estudo. Tanto é que em qualquer das condições es- tabelecidas e que colocamos em funcionamento na tradução de [IDEIA], na ideia de ideia e na [IDEIA] de tradução que daí decorre, não há trânsito entre uma língua e outra, mas entre uma formação mais endógena e uma agência notadamente trans-semiótica, ou, pelo menos, para-semiótica.

Há uma língua platônica, assim como se pode dizer que há uma sintaxe da diferença, mas, no plano gestual, não há necessidade de equivalência, mesmo que o final de um gesto se traduza em discur- so, mesmo que as suspensões e coordenações musculares sejam rein- terpretadas segundo o conceito. E não há autoridade nem autoria, assim

como muitas são as línguas combinadas em favor da tradução de uma única ideia. Não restando oposições diretas entre senso comum, teoria, filosofia, visão de mundo e a pura experiência gestual, entende-se que a inoperância das línguas semioticamente mais estáveis estremecem e reativamente se posicionam contra o mal do gesto (maldigesto...).

Por fim, serão demonstradas e analisadas as curiosas solu- ções teóricas dos dois tradutores envolvidos, sejam elas: a Libria- ção (Sperb, 2017) e o Signal (Dinarte, 2016).

Parecer 1: Diligência. A proposta está razoavelmente bem

No documento O congresso : tradução signalética do gesto (páginas 140-144)