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CAPÍTULO 5 – RIQUEZA LEXICAL E HÁPAX 102

5.3 Hápax 111 

Nesta seção, tratamos dos dados relativos à riqueza lexical calculados sobre os hápax. Nesse caso, o cálculo usado para a relativização da extensão dos textos segue a lei normal192.

As tabelas com os dados de base (incluindo riqueza lexical) estão reunidas no apêndice.

Segundo Muller, “les causes stylistiques agissent surtout par élimination, les causes thématiques par sélection”. O autor aqui trata do conceito de léxico de situação193, que

engloba dois tipos de elementos: um ligado ao interlocutor e ao efeito que o locutor quer produzir; e outro que se refere ao que o locutor quer comunicar, ao “conteúdo da mensagem”. O primeiro é de ordem estilística, e o segundo, de ordem temática. Ou seja, as palavras mais raras acabam mais ligadas ao assunto tratado do que o estilo, que estaria centrado na rejeição de determinadas palavras, expressões e construções linguísticas.

O contingente de hápax tem forte relação com o estilo e suas transformações, como nos afirma o autor:

[...] dans une tranche du texte, l’effectif des vocables de fréquence ou de sous-fréquence 1 donne une image statique d’un fait dynamique, à savoir l’entrée dans le texte des lexèmes non encore employés depuis le début du discours, donc du courant est d’autant plus intense que le lexique est plus riche.

L’effectif des vocables de fréquence (ou de sous-fréquence) 1, figé dans un tableau de distribution à côté des autres classes, est donc à traiter comme un élément stylistique, et à mettre en relation avec la richesse du lexique de situation ; c’est une des observations qui permettent une appréciation quantitative sur la langue194.

192 Ver BRUNET, op. cit., p. 58.

193 “Elle englobe deux sortes d’élements: les uns sont liés à l’interlocuteur (dans le cas de l’écrivain, à son public réel ou imaginé) et à l’effet que le locuteur veut produire ; les autres sont liés à ce que le locuteur veut communiquer, au ‘contenu du message’. Les premiers sont d’ordre stylistique, les seconds d’ordre thématique”. MULLER, op. cit., p. 138-139.

Vejamos, pois, como se dá a evolução da frequência 1 na contística machadiana, a começar da base Flumeia (Gráfico 22).

Gráfico 22 – Histogramas da riqueza lexical sobre hápax em Flumeia

Como o autor, aqui, está no início de sua carreira de contista, consideramos natural que as palavras novas sejam experimentadas e acrescentadas gradualmente.

Um pouco diferente de Flumeia, AVG1 aponta para uma maior experimentação em termos do acréscimo de palavras de frequência 1, havendo mais excedentes do que déficits. Vamos aos números mais significativos: Um cão de lata ao rabo (1878); Elogio da vaidade (1878); Ruy de Leão (1872) e O califa de platina (1878).

Gráfico 23 – Histogramas da riqueza lexical sobre hápax em AVG1

O movimento de crescimento do vocabulário que vimos anteriormente, até 1884, que é sugerido tanto pelo gráfico de riqueza sobre o vocabulário quanto pelo do crescimento lexical, se confirma aqui, com o período que abrange PA e HSD como os mais ricos em hápax.

Gráfico 25 – Histogramas da riqueza lexical sobre hápax em AVG2

Como observamos na comparação entre Flumeia e AVG1, há uma abundância de hápax nos avulsos em relação aos publicados. Na comparação entre 5VOL e AVG2, observamos o mesmo fenômeno, só que de modo mais evidente. Para nós isso constitui mais um indício de que os avulsos serviram como laboratório do perfeccionista Machado, para chegar aos 76 contos que decidiu transformar em livro.

Vejamos quais os contos mais significativos quanto ao excedente de hápax: “Sales” (1887); “O imortal” (1882); “Identidade” (1887); “A ideia de Ezequiel Maia” (1883); “Metafísica das rosas” (1883) e “Astúcias de marido” (1886).

Gráfico 26 – Histogramas da riqueza lexical sobre hápax em 7VOL

Se tomarmos o Gráfico 26 e o compararmos com o de riqueza lexical da mesma base (Gráfico 18), veremos com clareza como os altos índices de hápax coincidem com os menores déficits de riqueza, ou seja, os mais “ricos”. Confirma-se, pois, nos contos publicados a complementaridade desses dados. Os mais significativos desse grupo são: “A sereníssima República” (1883) PA; “Teoria do medalhão” (1882) PA; “O cônego” (1896) VH; “O alienista” (1882) PA; e “Conto de escola” (1896) VH.

Vamos aos romances, para saber como sua evolução se comporta em relação à do conto.

O histograma de hápax dos romances (Gráfico 27) coincide com o do Gráfico 19, de riqueza lexical sobre o vocabulário relativo a essa base. Confirma-se o período mais rico de Machado entre Iaiá Garcia e Dom Casmurro, de 1878 a 1899, tendo seu auge na década de 1880, como acontece nos contos – aqui com Brás Cubas, de 1881, seguido por Quincas Borba, exatamente uma década depois, em 1891.

Gráfico 27 – Histogramas da riqueza lexical sobre hápax em todos os romances

Enquanto no Gráfico 20, de riqueza sobre o vocabulário, O Ateneu e Contrastes e confrontos estão solitários em seus bastões vermelhos, aqui nos hápax eles perdem essa exclusividade (Gráfico 28). Muitos são os textos com excedente na frequência 1, e Machado está entre eles – porém, como poeta, com Ocidentais e Falenas. Como são muitos os gêneros e autores, e a época não é homogênea, não nos arriscaremos a fazer qualquer interpretação dessas diferenças específicas – o que, além disso, foge ao objeto de nosso trabalho.

Finalizando este capítulo, concluímos, a partir dos indicadores acima, que não é possível considerar o vocabulário de Machado rico. A riqueza lexical, contudo, não está necessariamente ligada à qualidade literária do conto, visto que textos importantes, como Casa velha, encontram-se entre os mais pobres em vocabulário, e outros clássicos, como Missa do Galo, nem apareçam nas listas de maior riqueza e hápax (o que também acontece com Dom Casmurro, nos romances). Isso não desmerece em nada a qualidade do autor.

Então, onde está a grande qualidade desse que ainda hoje é nosso maior contista? Se não temos uma originalidade significativa no aspecto lexical em um autor da qualidade de Machado, é preciso investigar onde ela se encontra. O estudo de Etienne Brunet sobre o vocabulário de Proust pode nos ajudar nessa busca:

Pour être complète, la liste devra incorporer les hapax, qu’on rencontre sous la plume de Proust et qui représentent seulement la moitié de l’effective attendu (380: une simple règle de trois suffit pour ce calcul). C’est dire la discrétion de Proust dans la fabrication lexicale: il se contente des ressources que la langue offre dans ce domaine et sa marque est plus dans la combinaison des éléments du lexique que dans leur invention. C’est dire que l’originalité de Proust est moins dans le lexique que dans la syntaxe, et moins dans la syntaxe que dans la pensée195.

Se a originalidade não está no vocabulário, vamos procurá-la em outro aspecto. No próximo capítulo, investigamos a construção das frases e a distribuição do texto, a partir da análise da pontuação.