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PELOTAS ATÉ A

Capítulo 1 – Habitação Social em Pelotas até a extinção do BNH

O capítulo1 apresenta uma breve exposição sobre a evolução urbana de Pelotas, situando o ciclo das charqueadas e o processo de industrialização no desenvolvimento da cidade, bem como a política sanitária adotada na passagem do século XIX para o século XX, com suas consequências na produção da moradia dos trabalhadores. A seguir, aponta, no município, consequências das políticas habitacionais da Era Vargas, desenvolvidas através dos Institutos de Aposentadoria e Pensões e da Fundação da Casa Popular. A partir da implantação do primeiro conjunto habitacional multifamiliar, em 1956, o capítulo trata da produção da habitação social em Pelotas, evidenciando uma fase PRÉ-BNH, de 1956 até 1965, e um período de atuação do BNH, o qual, em Pelotas, desenvolve-se de 1966 até 1986. Após contextualizar o momento do surgimento do BNH, descreve como se processava o financiamento e sua implicação na cidade de Pelotas. De forma sucinta, tendo como base a relação dos conjuntos de 1956 a 1986, caracteriza a habitação social no município. Como forma de verificar a inserção desses conjuntos na malha urbana, o capítulo avalia a distância dos conjuntos em relação ao Centro e verifica o papel desses residenciais na expansão da cidade, da metade do século até meados dos anos 80. O capítulo finaliza com uma breve análise da contribuição das políticas públicas na produção desses empreendimentos e seus resultados na configuração da cidade. Dessa forma, através desse breve histórico pretende-se estabelecer um referencial para os capítulos seguintes que vão caracterizar o Período PÓS- BNH.

O município de Pelotas está situado no sul do Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul, localizado no encontro do Arroio Pelotas com o Canal São Gonçalo, distante a 250 km da capital do Estado, Porto Alegre. Atualmente, com uma população de 328.275 habitantes50, é um importante polo de serviços, com forte presença de instituições de Nível Superior, sendo influente centro cultural do Estado. A Figura 1.1 mostra a localização da cidade de Pelotas.

50 Dados de 2010. IBGE. Disponível em http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=431440. Acesso em 30 de agosto de 2013.

Figura 1.1- Localização do município de Pelotas http://soniakolm.blogspot.com.br/

Pelotas teve início no século XVIII e até o final da década de 70 desse mesmo século, recebeu afluxos da população da vila de Rio Grande e da Colônia do Sacramento. Na década seguinte, a partir da ação do cearense José Pinto Martins, estabeleceu-se a primeira indústria de fabricação do charque (1779), margeando o arroio Pelotas. Em continuidade, logo seriam instaladas outras charqueadas. A construção dessa localidade - o Rincão de Pelotas - situado às margens da Lagoa dos Patos, originou-se da doação de terras pelo Conde de Bobadela, ao coronel Thomaz Luiz Osório, através de carta de sesmaria, no ano de 178551.

Em 1812, a localidade, que hoje se estabelece como município de Pelotas, passa a se chamar de Freguesia São Francisco de Paula, desmembrada da Freguesia de São Pedro do Rio Grande. Em 1830, transforma-se em vila, passando à categoria de cidade em 1835.

Conforme Soares, as cidades da região do Pampa, apresentando sítios parecidos e estruturas socioeconômicas estribadas na propriedade da terra e na pecuária, acabaram gerando processos de crescimento e desenvolvimento urbano semelhantes, produzindo formas urbanas também semelhantes52. Assim, Pelotas e outras cidades na Argentina e no Uruguai exibem plantas urbanas parecidas, tendo traçado de forma mais ou menos regular, no qual

51 OLIVEIRA, Ana Lucia Costa de. O portal meridional do Brasil: Rio Grande, São José do Norte e Pelotas no Período colonial (1737 a 1822). 2012. 350 f. Tese (Doutorado) Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. UFRGS. Porto Alegre: 2012.

52A região dos Pampas abrange mais da metade sul do Rio Grande do Sul, a Argentina e o Uruguai. SOARES, Op. cit., 2004. O pampa, segundo o IBGE, define-se por um conjunto de vegetação de campo em relevo de planície. Nessa região, a atividade da pecuária é uma das características econômicas. Informações disponíveis em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=169. Acesso em 30 de agosto de 2013.

predomina o desenho ortogonal, traçado “a cordel y regla” 53. A Figura 1.2 representa o característico traçado em xadrez do centro da cidade de Pelotas, em 1911.

Figura 1.2 - Planta de 1 11, representando o centro da cidade, traçado a cordel e regla Fonte: MOURA, Rosa Maria Garcia Rolim de, Op. cit., 2006.

Soares descreva essas cidades pampeanas da seguinte forma:

Nos referimos ao traçado em “tabuleiro de xadrez” (damero) 46, à onipresença da praça e de seus monumentos arquitetônicos no centro do núcleo urbano, bem como aos elementos periféricos como as ferrovias, as feiras e o matadouro. Os ritmos da vida social foram profundamente marcados pela vida campeira e pelos ciclos (quase subordinados à natureza) de produção da carne e do charque. O comércio das cidades se desenvolveu com o fluxo de excedentes de riqueza da produção rural. A disputa política entre distintos grupos da elite dominante se produzia nos espaços de reunião das elites proprietárias e políticas (na maioria das vezes o mesmo grupo social)54.

Moura constata igualmente que, em função da proximidade entre esses países do extremo sul do Brasil, também a tipologia habitacional das primeiras habitações dos trabalhadores, construída em lotes estreitos, acabou se caracterizando com maiores afinidades tipológicas com a casa standard do Uruguai e a casa chorizo argentina55, do que propriamente com as moradias brasileiras de outras regiões do País. Assim, a moradia na metade sul do Estado,

53Entendido como “a corda e régua”. Tradução da autora. TERÁN, F. La Ciudad Hispanoamericana. El sueño de un orden. CEHOPU (Centro de Estudios Históricos de Obras Públicas y Urbanismo), Madrid, 1987, p. 65 apud SOARES. Paulo Roberto Rodrigues. Poder local, agentes sociales y producción de la ciudad en la transición del los siglos XIX y XX: la ciudad de Pelotas en sur de Brasil (1870-1930).Historia Contemporánea. Bilbao: v.24, n.I, p.201 - 222, 2002.

54 SOARES, Paulo Roberto Rodrigues. Produção imobiliária e reestruturação urbana nas cidades de Pelotas e Rio Grande (RS). In: X Encontro de Geógrafos da América Latina, 2005. São Paulo. Anais... São Paulo, 2004. 55 MOURA, Rosa Maria Garcia Rolim. Casas em fita /casas aluguel. Revista de arquitetura e urbanismo. Projectare: Revista de Arquitetura e Urbanismo / POLIDORI, Maurício Couto (org.) – nº 1 (2000). Pelotas (RS): FAUrb/UFPel, 2000.

com influências portuguesas e da região dos Pampas, é diferenciada da de outras cidades do Rio Grande do Sul, onde predominaram outros tipos de imigração, como a alemã e italiana.

1.1 - INDUSTRIALIZAÇÃO E CICLO DAS CHARQUEADAS (1780-1890)

A principal atividade econômica desenvolvida no município de Pelotas foi a indústria de conservação da carne bovina por meio de salga suportada pela mão de obra escrava. Essa prática se desenvolveu principalmente entre 1780 e 1890, sendo o charque utilizado para abastecer o mercado interno nacional, como alimento para a população reduzida ao cativeiro56. A cidade de Pelotas, a partir do final do século XVIII, consolidou-se como uma das principais metrópoles do Brasil57 e, na segunda metade do século XIX, situou-se como importante centro industrial do Rio Grande do Sul.

É relevante destacar que, conforme Paul Singer, a industrialização no Rio Grande do Sul se iniciou antes da Abolição e da República e teve, como um dos núcleos centrais, justamente as cidades de Pelotas e Rio Grande. Para o autor, a preponderância da atividade agrícola e o fato de essas indústrias estarem voltadas também para o mercado nacional, são as explicações mais plausíveis para que, nessa época, esse núcleo apresentasse condições semelhantes às do desenvolvimento da região em torno da capital58.

No entanto, mesmo sendo a atividade saladeiril o grande polo de desenvolvimento de Pelotas, a cidade não se ampliou em torno das charqueadas. Isso ocorreu, porque esses sítios não eram locais aprazíveis, desvalorizando-se em decorrência do cheiro e dos urros provenientes da matança dos animais. Conforme o relato apresentado por viajantes, entre eles, Auguste de Saint-Hileire e Jean Batiste Debret, o grupo de casas situado ao redor do Arroio Pelotas contrastava com o cenário dantesco propiciado pelo ambiente mórbido, resultante da zona fabril59. A cidade, contida entre o Arroio Santa Barbara, o Arroio do Pepino e o Canal São Gonçalo, vai ser cortada por antigos caminhos que a conectavam ao interior de pequenas propriedades rurais produtoras de alimentos e às zonas de charqueadas, formando, uma rede

56VARA, Maria de Fátima Santos da. Estratégias da população de baixa renda na produção do espaço urbano: o caso do Loteamento Ceval em Pelotas – RS. 009. 107 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) Pós - Graduação em Geografia. Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Rio Grande: 2009.

57 MOURA, Rosa Maria Rolim de. Habitação Popular em Pelotas (1880-1950): Entre políticas públicas e investimentos privados. Porto Alegre, 2006. 248 f. Tese (Doutorado em História) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Porto Alegre: 2006.

58 SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. 2.: Cia. Editora Nacional: São Paulo, 1977. 59 GUTTIERREZ, Ester Judite Bendjouya. Sitio charqueador pelotense. Editora Paisagem do Sul. Porto Alegre: 2010.

de estradas - formando “tentáculos60

como lembra Soares - cuja configuração aparece na representação de um mapa da cidade de 1835 (Figura 1.3).

Figura 1.3 - A cidade de Pelotas em 1 35 e seus tentáculos

Fonte: Imagem encontrada em PERES, Otávio Martins, POLIDORI, Mauricio Couto. Op. cit., 201161

O mapa destaca essa rede, onde se visualiza a Estrada do Piratini, a atual Av. Duque de Caxias; a Estrada do Retiro, a atual Av. Fernando Osório; a Estrada da Sanga Funda, as atuais avenidas Juscelino K. de Oliveira e Ildefonso Simões Lopes; o Caminho de Cima, a atual Av. Domingos de Almeida e o Caminho de Baixo, a atual Av. Ferreira Viana. O crescimento em importância do município se construiu paralelamente ao desenvolvimento econômico, não só a partir da indústria saladeiril, mas também a partir da instalação de outras fábricas e de atividades comerciais. No período da entressafra do charque, ocorria a fabricação de tijolos e telhas, ofício desenvolvido pelos escravos, completando o ciclo de vida produtiva no município. Como salienta Gutierrez: A cidade cresceu à sombra do cativeiro62.

60SOARES, Paulo Roberto Rodrigues. Op. cit., 2002.

61 PERES, Otávio Martins ; POLIDORI, Maurício Couto . Simulação de crescimento, morfologias e o papel da hidrografia na dinâmica de expansão urbana. In: XIII Conferência Iberoamericana de Sistemas de Informações Geográficas, 2011, Toluca - México. Anais da XIII Conferência Iberoamericana de Sistemas de Informações Geográficas. Toluca, México: Editora da UAEM, 2011.

62GUTIERREZ, Ester. O barro e a carne. In: Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Cinco Séculos de Cidade no Brasil. v. 6, n. 2. 2000. Disponível em: http://www.anpur.org.br/revista/rbeur/index.php/shcu/article/view/777/752. Acesso em: 12 de agosto de 2013.

1.2 - A POLÍTICA SANITÁRIA EM PELOTAS NA PASSAGEM DO SÉCULO (1891-1929)

1.2.1 - Os cortiços e o pensamento higienista

Moura cita, como elementos importantes para o declínio das charqueadas, os efeitos da Revolução Federalista de 1893, a Abolição e as novas relações de trabalho resultante do desenvolvimento capitalista que se processava no País63. Em Pelotas, o ciclo das charqueadas se estendeu até 1890, coincidindo sua decadência com o fim da escravidão64. No período entre 1900 e 1920, houve um significativo aumento na população de Pelotas, chegando a 82.000 habitantes, sendo 45.000 habitantes na zona urbana65. Nos primeiros anos do século XX, uma nova realidade começava a se delinear, conforme nos apresenta Moura:

A Pelotas dos charqueadores com seus melhoramentos urbanos, palacetes e prédios públicos construídos, principalmente, ao longo das décadas de 1860 a 1890, já não conseguia atender às demandas decorrentes da densificação do núcleo, quer através da colocação ou ampliação de sua infraestrutura, quer na produção de moradias para seu número crescente de habitantes66.

Quando o fenômeno da falta de moradia se espalha pelas cidades, os novos trabalhadores passam a compartilhar apenas habitações em situações críticas, em difíceis condições de habitabilidade e higiene. Para esses setores, que demandavam por moradia em áreas localizadas em locais estratégicos, próximas aos locais de trabalho, sobrava apenas a alternativa da habitação coletiva de aluguel, conhecida por cortiço. Bonduki caracteriza essa configuração habitacional como “[...] sequência de pequenas moradias ou cômodos insalubres ao longo de um corredor, sem instalações hidráulicas”67. Essa forma de moradia representava uma ameaça às classes dominantes, pois esses aglomerados urbanos eram considerados a causa das epidemias68. Até então, o problema da moradia no município se restringia à existência de um punhado de habitações em condições insalubres, sem deixar de mencionar as senzalas, locais precários, construídos próximos às casas dos senhores, para abrigar os escravos.

63 MOURA, Rosa Maria Garcia Rolim de. Op. cit., 2006.

64 CRUZ, Glenda Pereira da. Pelotas: Espaço construído no início da República. In: WEIMAR, G. (org.). Urbanismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. Universidade (UFRGS), Prefeitura de Porto Alegre, 1992. 65 UEDA, Vanda. A elite rural pelotense e a construção de um novo cenário urbano In: I Congresso de Estudos Rurais. 2001, Vilareal. 1o. Congresso de Estudos Rurais. Vilareal: Universidade Trás do Monte, 2001. v.1. 66 MOURA, Rosa Maria Garcia Rolim de. Op. cit., 2006. p. 45.

67 BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. In: Análise Social, vol. XXIX (127), 1994 (3°), 711-732. p. 713.

68 A epidemia de cólera que se alastrou pela Europa, a partir de 1848, causando 54 000

Desde a Independência (1822), a escassez da habitação já era identificada como um problema. No entanto, em território nacional, a questão se agrava no final do século XIX, quando escravos “livres”, sem ter terra para produzir, trabalhadores locais e imigrantes vindos em busca de trabalho vão formar um grande contingente de pessoas mal alojadas nos grandes centros urbanos.

Em Pelotas, com o processo de urbanização em curso, os cortiços69, em suas variadas formas, também vão fazer parte da paisagem da cidade. Moura registra distintas tipologias de cortiços em Pelotas, citando o galpão, o portão e o contrafeito. O primeiro se caracterizava por estruturas em forma de galpão, divididas em pequenos cubículos para uso habitacional, também podendo servir para atividades comerciais e industriais. O portão foi descrito como um conjunto de unidades dispostas em fita70, acessado por uma rua interna e escondido por um muro com portão71. Conforme Moura, essa tipologia, construída em Pelotas até a década de 40, ainda encontra exemplares na cidade72.A autora também minuta o contrafeito, composto de compartimentos dispostos em fita, semelhantes ao portão. A diferença é que, no contrafeito, esse volume era voltado para o passeio público, recuado quatro metros em relação ao alinhamento, condição exigida pelo Código de Posturas. Além desses exemplares, velhos casarões abandonados, subdivididos e alugados, também eram considerados cortiços. O que caracterizava essa condição era a exiguidade da área para cada unidade, a sobreposição das funções de estar, dormir, cozinhar num único espaço, e as instalações sanitárias coletivas, quando essas existiam73.

Na transição do final do século XIX para o século XX, o adensamento e a situação precária das moradias atraíram o pensamento higienista para Pelotas. Além disso, a cidade havia sido afligida por uma série de epidemias, como a da varíola (1890-1896 e, depois, em 1915), a peste bubônica (1899 e, depois, entre 1919 e 1921), a febre tifoide (em 1891, 1893 e 1900) e a tuberculose, que perpassou por todos esses períodos, como se estivesse “entranhada

69 Simões identifica, em um relatório de 1893, da cidade de São Paulo, várias tipologias de cortiço: o cortiço de quintal, ocupando o centro do quarteirão, ligado á rua por um pequeno corredor e tendo à frente um prédio comercial; os aposentos-de-dormir, situados no fundo das vendas; os cortiços improvisados, construídos no fundo de depósitos nas cocheiras e estábulos; o cortiço-casinha, prédio independente e com frente para a rua; o hotel-cortiço, restaurante onde a população operária se aglomera à noite para dormir e a casa-de-cômodos, sobrado convertidos em cortiço por meio de divisões e subdivisões. SIMOES JÚNIOR, J. G.. Cortiços em São Paulo: o problema e suas alternativas. Revista Pólis. Nº 2, 1991.

70 Casas em Fita é a denominação que recebem as casas desenvolvidas lado a lado, em sequência, com paredes laterais comuns (informado pela autora).

71 Segundo descrição encontrada em: PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma outra cidade: o mundo dos excluídos no final do século XIX. São Paulo, Editora Nacional, 2001. p.110 citada por MOURA, Rosa Maria Garcia Rolim de. Op. cit., 2006.

72 MOURA, Rosa Maria Garcia Rolim de. Op. cit., 2006. 73 MOURA, Rosa Maria Garcia Rolim de. Op. cit., 2006.

na história da cidade” 74·. A partir desses eventos, a administração municipal passa a dificultar a existência dos cortiços, disciplinando certos aspectos relacionados à sua localização na cidade e, até mesmo, proibindo a construção dessas habitações no perímetro mais central. Tais medidas visavam à “modernização dos núcleos tradicionais das cidades”, atingindo os setores mais densamente povoados, que correspondem até hoje às áreas mais valorizadas da cidade75. Moura também evidencia que, além das leis destinadas á promoção da habitação para os desfavorecidos, as administrações trataram de criar regulamentos no sentido de promover a construção de uma cidade limpa e ordenada76. Não por acaso, pois, no caso de Pelotas, esta era reconhecida como uma cidade identificada com os adjetivos “evoluída, saneada e ordenada” 77.Matos reconhece, no discurso higiênico–sanitarista, o início do processo no qual se propagam as ideias em defesa da racionalidade e objetividade da ciência, iniciando o enfrentamento “da luta contra o „arcaico pela ordem e progresso‟ " 78.

As preocupações com o saneamento dominavam o cenário internacional. A expressão “ditadura sanitária” - encontrada no México, na Espanha e em outros países - era utilizada para traduzir iniciativas de saúde pública gestadas em nível internacional, usadas em defesa da concentração das políticas de saúde em organismos nacionais, seguindo as orientações internacionais79. No Brasil, a enunciação consagrada por Bonduki é conhecida como autoritarismo sanitário80. O termo foi utilizado quando o autor declarava que as concepções higienistas resultaram em uma prática abusiva que buscava “sanear os males da cidade através da eliminação de seus sintomas – as moradias insalubres -, nunca questionando suas causas” 81.

Várias publicações - desde o início do século XIX - incorporam a doutrina sanitarista, sendo que o referencial desse discurso se concentrava na ideia de que a ciência e a técnica seriam as ferramentas capazes de propiciar o progresso material necessário à

74 GILL, Lorena Almeida. Op. cit., 2004.

75MOURA, Rosa Maria Garcia Rolim de. Op. cit., 2006. 76MOURA, Rosa Maria Garcia Rolim de. Op. cit., 2005.

77 MICHELON, Francisca Ferreira. Cidade de Papel: A Modernidade nas fotografias impressas de Pelotas (1913-1930). 2001. 547 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de História, PUCRS, Porto Alegre, 2001. p. 219.

78MATOS, Maria Izilda Santos de. A cidade que mais cresce no mundo. São Paulo, território de Adoniran Barbosa. In: São Paulo em Perspectiva. vol.15 no.3 São Paulo July/Sept. 2001. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392001000300008&script=sci_arttext. Acesso em: 13 de novembro de 2013.

79 CÓRDOBA, Ernesto Aréchiga. Educación, propaganda o “dictadura sanitaria”: estrategias discursivas de higiene y salubridad públicas em el México pos revolucionario, 1917-1945. Estudios de Historia Moderna y Contemporánea de México / n. 33, enero-junio 2007. p. 57.

80BONDUKI, Nabil Georges. Origens da habitação popular no Brasil: Arquitetura moderna, Lei do inquilinato e

difusão da casa própria. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade / Fapesp, 1998. 81BONDUKI, Nabil Georges. Op. cit., 1998.

industrialização82. O discurso oficial, geralmente proferido por médicos e sanitaristas, era fundamentado na competência profissional, por ser emitido por profissões de prestígio, “Apoyado em un saber cujas bases científicas se revelaban como indiscutibles ante los profanos” 83.

A ação do Estado restringiu-se a constatar a dimensão do problema da falta de habitação e os malefícios que a habitação em situação precária trazia aos moradores de melhor status, beneficiando os setores hegemônicos. Através da legislação sanitária, da ação policial e da concessão de isenções fiscais, a ação estatal proporcionava maiores benefícios aos proprietários de casas de locação, ampliando sua rentabilidade. Para muitos dos empresários, essa alternativa veio a se constituir em uma nova possibilidade para esses investidores, buscando rentabilizar seus capitais em atividade lucrativa.

O surgimento das vilas operárias era também uma resposta ao problema que os cortiços representavam, pois os novos contingentes populacionais demandavam uma infraestrutura que as cidades não sustentavam, principalmente, em relação aos aspectos da higiene, sem exigir a

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