• Nenhum resultado encontrado

século XIX. Ijuí: Editora Unijuí, 2002 p.35.

A COLONIZAÇÃO EUROPÉIA NAS FLORESTAS DO SUL DO BRASIL

95 ALVES, Débora Bendochi A propaganda dos expedidores concessionários de

1.4. Habitantes da floresta

Desde o primeiro contato, seja na prestação de serviços para colônia ou na ocupação de seus lotes, imigrantes recém chegados estavam expostos a algumas adversidades até então desconhecidas. Do clima diferenciado à mata fechada e seus animais considerados selvagens, tudo poderia ser razão para desilusões e tristezas. É evidente, especialmente se resgatarmos as memórias de alguns colonos, que nem tudo eram “espinhos” e os bons momentos desta interação entre o imigrante e a mata também marcaram a história destas colônias.

A abundância de palmeiras nestas áreas foi freqüentemente relatada nos vários depoimentos deixados por colonos e viajantes. Além de fornecerem troncos e folhas para construção de moradias e ranchos, ofereciam os palmitos, que logo se tornou um legume de grande valor para alimentação das famílias imigrantes.146 Para Robert Avé-

Lallemant, quando cozidos, os palmitos assemelhavam-se aos aspargos.147

Entre os alimentos retirados da floresta que fizeram parte da vida dos colonos ainda estavam algumas aráceas*. Lallemant, assim as

descreveu: “Enquanto as múltiplas aráceas crescem nos lugares úmidos em grandes exemplares e oferecem variado alimento ao colono, como o

146 FERRAZ, Paulo Malta. Como viviam os primeiros colonos. In: Centenário de Blumenau

1850 -2 de setembro - 1950. Blumenau: Edição da Comissão de Festejos, 1950. p.145.

147 AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens para Província de Santa Catarina, Paraná e São

Paulo. São Paulo Ed. Itatiaia, 1980. p. 194.

* Aráceas: Grande família de plantas floríferas, monocotiledôneas, formada por plantas mais ou menos herbáceas, embora não de raro de grande porte, e que habitam, em geral, as matas sombrias e úmidas. As plantas tem, quase sempre, rizomas tuberosos, vários deles comestíveis. Vivem sobretudo na zona tropical, e há quase 2000 espécies, numerosas brasileiras.

96

taiá** e o mangarito***, sobe os mais altos troncos de árvore e forma

folhagem nos intervalos uma arácea trepadeira, um filodendro”.148

Na visão de um imigrante alemão estabelecido em Blumenau, as transformações nos hábitos alimentares poderiam desencadear alguns “efeitos colaterais”. Em carta a seu cunhado na Alemanha, o colono Friedrich Ernst Weise apresenta uma curiosa justificativa para transformação na aparência dos europeus do norte. Segundo ele, “os primeiros tempos na floresta não passam sempre como se desejaria. Não há, todavia, problemas com o calor; acostuma-se logo. Perde-se um pouco da cor rosada, mas que volta. Isto se deve à alimentação, pois não se está acostumado com as frutas do sul. (“Der Pilot”, nr. 31, 4 de agosto de 1857)” 149

O mesmo Ernst Weise relata em outra correspondência sua impressão sobre a alimentação brasileira. A fartura de alimentos é por vezes destacada. Considerava que os alimentos, de forma geral, não eram muito diferentes dos consumidos na Alemanha. A diferença mais lamentada estava no pão. O clima da colônia não era propício para produção de trigo, o que determinou sua substituição por milho e mandioca. No entanto, Ernst Weise observou também uma importante vantagem na alimentação brasileira. O clima mais ameno permitia manter os animais nas pastagens durante o ano inteiro, conseqüentemente reduzia os gastos com ração, e isto era uma garantia de poder ter muito mais carne disponível a um menor custo. Além disso, a caça era permitida nas florestas brasileiras possibilitando outra fonte de alimento aos colonos (“Der Pilot”, nr. 32, 11 de agosto de 1857). O colono John. Georg Heinrich Weise, irmão e parceiro de Friedrich Ernst, comentou sobre a oferta de caça em Blumenau em uma de suas cartas

** Taiá: Erva da família das aráceas, originária da América Tropical e muito cultivada como alimento, de folhas longamente pecioladas, de tonalidade azulada, e que, picadas e cozidas, servem como couve.

*** Mangarito: Erva da família das aráceas, de origem incerta, produtora de rizoma farináceo e comestível, cujas grandes folhas sagitadas e cobertas de pruína azulada, e que alcança uns 50 cm de comprimento.

148 AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens para Província de Santa Catarina, Paraná e São

Paulo. São Paulo Ed. Itatiaia, 1980. p. 192.

149 ALVES, Débora Bendocchi. Notícias de Blumenau: Cartas dos irmãos Weise publicadas nos jornais da Turíngia. Revista Blumenau em Cadernos, Tomo XLI – N.11/12, 2000. p. 70.

97 publicadas no “Der Pilot”. Segundo ele “Não há falta de carne; carne selvagem há em abundância. Um pouco antes de minha chegada meu irmão caçou uma onça e capturou uma segunda numa armadilha na floresta. Ele também mata várias galinhas por dia. (“Der Pitol”, nr. 30, 28 de julho de 1857)”

A caça é mais uma interessante atividade para compreendermos as transformações do significado da floresta da Europa para o sul do Brasil. De prática exclusiva dos nobres na Europa, as caçadas de animais selvagens tornaram-se possíveis aos mais humildes imigrantes nas florestas meridionais brasileiras. A caça é incorporada como uma das principais atividades de lazer dos colonos. Nos seus passeios pela mata, Hugo Zoeller preocupou-se em observar os animais selvagens e as possibilidades de caça para os colonos.

As condições de caça não são regulamentadas e a existência de caça é esporádica. Num ponto, abate-se milhares de animais; noutro, procura-se em vão por dias e semanas caças. Eu encontrei no mato somente beija-flores verdes, papagaios de cor verde e cinza, periquitos, arapongas, lagartos, sapos-boi (do tamanho de um gato) e rastos recentes de um cervo maturo escutei uma vez ao longe o bramido dos monos, mas o que mais me agradou foi a visita a um lindo representante dos jardins e das florestas brasileiras em meu quarto. [...] Era um beija-flor verde e branco do tamanho da falange do meu dedo.150

Em seu livro Sul do Brasil em suas referências à emigração e colonização alemã, Hermann Blumenau destaca a importância de um cachorro de caça para o futuro colono.

Em todos os lugares, encontram-se cachorros

ruins e entre estes, em grande quantidade, os repugnantes sem pêlo, como também aqueles típicos comuns de canela longa, sem raça

150 ZOELLER, Hugo. Os alemães na floresta brasileira. Revista Blumenau em Cadernos, Blumenau, Vol. 5. 1990. p. 146.

98

definida. Porém faltam bons cachorros de raça, principalmente cães de caça, cujo preço é impraticável, mas que fazem o melhor para que não falte carne aos colonos estabelecidos na mata. Nem sempre é possível consegui-los, por isso é aconselhável que o imigrante traga consigo cachorros, casais ou fêmeas, de boa raça e de utilidade.151

W. Lacmann em sua obra “Ritte und Rasttage in Südbrasilien -