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PÁDUA, José Augusto Um sopro de Destruição: Pensamento político e Crítica

século XIX. Ijuí: Editora Unijuí, 2002 p.35.

A COLONIZAÇÃO EUROPÉIA NAS FLORESTAS DO SUL DO BRASIL

86 PÁDUA, José Augusto Um sopro de Destruição: Pensamento político e Crítica

71 contexto eram muito distintos dos nossos atuais. Não devemos, e não podemos julgá-los com nossos olhos de hoje. Nesta pesquisa, procuramos entende-los sob a ênfase do trabalho rural, do seu lazer e de sua sobrevivência, mas também não pretendemos justificar seus atos.

Para entendermos melhor o que passou a representar esta floresta sul brasileira na vida destes colonos, verifica-se que a mesma chegou a emprestar o título ao maior jornal na colônia Blumenau: Der Urswaldbote, ou seja, “O correio da selva”. Outros vários textos, de colonos ou viajantes, identificavam a vida nestas colônias como a vida nas florestas, com esta aparecendo como adjetivo comum em vários depoimentos. Um exemplo disso é o texto de Hugo Zoeller, aqui analisado, conhecido como Os alemães na floresta brasileira. Podemos perceber que este sentimento de habitantes da floresta foi incorporado a vida dos colonos.

Assim como os relatos de viajantes, as correspondências pessoais de imigrantes possuíam, geralmente, a finalidade de informar aqueles que permaneceram na Europa de que forma viviam os europeus que escolheram a vida nas colônias do sul do Brasil. Entretanto, seus depoimentos foram utilizados, por vezes, pelos interessados em promover a emigração.

Os depoimentos pessoais estão comumente agregados as influências do meio em que viviam. Não se pode ter com clareza a dimensão em que este tipo de interferência determinava o que estaria escrito nas cartas enviadas por colonos para Europa. Percebe-se que grande parte das correspondências e relatos de viajantes retratavam momentos logo após a chegada às colônias. Observamos também que a “construção” de uma espécie de memória coletiva sobre o modo de vida que levavam parece comum à boa parte destes depoimentos. Segundo Marina Maluf, “as lembranças pessoais são dotadas de preceitos de comportamento, de apresentação de imagens que não podem ser tratadas como o ‘verdadeiro’ testemunho do privado”.87 Para analisarmos este

processo seguimos Maurice Halbwachs, considerando que a memória coletiva “evolui segundo suas leis, e se algumas lembranças individuais

87 LUCENA, Célia Toledo. Artes de lembrar e de inventar, (re) lembranças de migrantes. São Paulo: Arte e Ciência, 1999. p. 79. apud: MALUF, Marina. Ruídos da Memória. p 40.

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penetram algumas vezes nela, mudam de figura assim que sejam recolocadas num conjunto que não é mais uma consciência pessoal”.88

O controle sobre o serviço postal das colônias era uma das preocupações das diretorias administrativas. Entre os “23 Artigos” elaborados pela Companhia Protetora de Emigrados Alemães e a Província de Santa Catarina para normatizar a emigração, estava a preocupação de não permitir que correspondências privadas ou oficiais enviadas ou recebidas por colonos deixassem de passar “pelas mãos” da direção dos núcleos coloniais.89 Enfim, sabe-se que algumas destas

correspondências já possuíam fins estabelecidos mesmo antes de sua composição e isto pode ser encarado como fenômeno de influência externa. Além disso, o contexto da leitura poderia fazer com que um mesmo depoimento fosse utilizado tanto para valorizar quanto para denegrir a imagem da vida nestas colônias do sul do Brasil.90

A grande maioria dos textos arquivados que se tem contato, descreve informações positivas das colônias, e quando possível aconselham aos seus patrícios que permaneceram na Europa a deixarem tudo em troca de uma “vida agradável” no sul do Brasil. Curiosamente, a maior parte destas cartas apaixonadas pelo “novo ambiente” refere-se aos primeiros anos na colônia, quando evidentemente as dificuldades eram consideravelmente maiores. Observa-se que estas dificuldades dos primeiros anos eram comumente descritas como forma de evidenciar a valentia destes imigrantes na busca bem sucedida de uma vida melhor a que tinham na Europa. A intensidade de problemas como a proliferação de doenças91, a complicada e violenta relação com a população indígena

nativa e as dificuldades para o estabelecimento das primeiras lavouras, motivavam a grande rotatividade destas populações.

88 TEDESCO, João Carlos. Memória e cultura. Porto Alegre: EST, 2001. p. 19.

89 SALOMON, Marlon. As correspondências, uma história das cartas e das práticas de

escrita no Vale do Itajaí. Editora da UFSC: Florianópolis, 2002. p. 31.

90 Idem, p. 53.

91 Segundo Carlos Ficker, em Dona Francisca as atividades iniciadas pelos colonos eram freqüentemente interrompidas com os primeiros casos fatais de desinteria bacilar e tifo. FICKER, Carlos. História de Joinville: Crônicas da Colônia Dona Francisca. Joinville: Tupy, 1965. p. 104.

73 As impressões e informações “mais negativas” sobre a imigração para o Brasil são mais facilmente encontradas em relatos e correspondências divulgados na Europa92 com o intuito de prevenir

sobre as dificuldades que poderiam enfrentar os interessados em emigrar. As maiores queixas de imigrantes que escolheram o Brasil como “novo lar” estavam focadas nas regiões de plantação de café que utilizavam o “sistema de parceria”, onde estes trabalhadores atuavam como substituição da mão-de-obra escrava. 93 A gravidade das

reclamações motivou o governo da Prússia a dificultar emigração para o Brasil.94

As propagandas de companhias colonizadoras destinadas a conquistar europeus interessados em emigrar para as colônias do sul do Brasil utilizavam como meio de divulgação uma série de folhetos. Este material era de grande importância para o processo emigratório, suas informações deveriam conter descrições curtas e positivas sobre o destino.95

Em conjunto ao fenômeno emigratório surgiram na Europa do século XIX, uma variedade de periódicos especializados no tema. Nos estados alemães, origens da maior parte dos imigrantes estabelecidos nas colônias aqui pesquisadas, foram fundados vários destes jornais, no entanto, apenas dois deles não tiveram curta duração. O Deutsche Auswanderer-Zeitung de Bremen, publicado de 1852 a 1875 e o Allgemeine Auswanderungs-Zeitung, de Rudolstadt, fundado por Günther Fröbel e publicado entre 1846/47 e 1871, foram as exceções.96

92 Sobre este assunto ver mais em: ALVES, Debora bendocchi. Colhedores de Café: Cartas

de imigrantes alemães publicadas nos jornais da turíngia. Berlim: WVB, 2006.

93 Ler mais sobre este assunto em: DEAN, Warren. RIO CLARO: um sistema brasileiro de

grande lavoura 1820-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

94Em 1859, a Prússia promulgou o chamado rescrito de Heydt, que devido ao mau tratamento sofrido pelos colonos alemães no estado de São Paulo, proibiu a propaganda em favor da emigração para o Brasil. Este, teve um efeito desfavorável sobre os possíveis emigrantes na Prússia e de 1871 em diante, em toda Alemanha. Em relação aos três estados do sul do país, este decreto foi revogado em 1896, no entanto, para o resto do Brasil a proibição nunca foi cancelada. (Léo Waibel, 1949. p. 170).