• Nenhum resultado encontrado

1. O ESTUDO DE HEDGES

1.3 ESTRATÉGIA E FUNÇÃO DE HEDGES

1.3.2 Hedges e implicatura conversacional

Em 1967, Grice propôs, na conferência de William James em Harvard, que a comunicação entre os participantes precisa obedecer a uma série de princípios, especialmente ―o princípio de cooperação‖ (doravante PC), a fim de transmitir eficientemente as intencionalidades do falante:

PC: ―Faça com que sua contribuição conversacional siga as exigências, de acordo com o estágio em que ocorre, pelos propósitos aceitos ou pela orientação do discurso no qual você está engajado.‖ (Tradução de PERNA, 2008, p. 145).

Baseados nesse princípio, quatro máximas de comunicação são estabelecidas (GRICE, 1975, p. 45-46):

 Quantidade:

(1) Faça com que sua contribuição seja mais informativa como exigida. (2) Seja sucinto.

 Qualidade:

Faça com que sua contribuição seja única e verdadeira. (1) Não diga o que acha falso.

 Relação:

Faça com que sua contribuição seja relevante.  Modo:

Faça com que sua contribuição seja clara. (1) Evite a obscuridade da expressão. (2) Evite a ambiguidade.

(3) Seja breve (evite prolixidade desnecessária). (4) Seja ordenado.

Grice acredita que tal mecanismo garante a comunicação bem sucedida, no entanto, nem sempre, essas máximas podem ser obedecidas em um fenômeno de conversação que, de certo modo, pode ser entendido como um diálogo produzido pelos participantes, no qual sempre existe um conhecimento mútuo entre o locutor e o interlocutor em relação ao assunto. Nesse sentido, não é necessário que a produção seja toda vez direta e totalmente explícita. Assim, surge a implicatura conversacional.

Grice (1975, 1989) sugere que existem cinco características das implicaturas: i. Calculabilidade:

Cada implicatura conversacional pode ser calculada dedutivamente com passos das inferências em um determinado contexto. Como os hedges só modificam o valor e a força dessas inferências, mas não se trata de uma inferência inteira que ocupa um passo sozinho, por isso a característica de calculabilidade não é muito importante para eles.

Ex.: A: Você acha que eu preciso ligar para a Paula porque a gente tem que chegar cedo amanhã?

B: Não te preocupa, a Paula não é chinesa???

B parece violar a máxima de relação, que não está respondendo a pergunta de A. No entanto, em vez de somar as significações das palavras, A consegue entender a implicatura da fala de B pelo cálculo dos seguintes passos:

 Tu deves concordar (combinado com ―não é‖) que a Paula é chinesa.  Os chineses sempre são pontuais.

 Aqueles que são pontuais chegam cedo.  A Paula vai chegar cedo.

 Não precisaria lembrar a Paula que temos que chegar cedo amanhã.  Não precisaria ligar para a Paula.

Observamos que o sentido ou a força que o hedge dá para o enunciado só ocorre em um ou alguns passos, mas dificilmente aparece em todas as inferências e também não ocorrem sozinhos como um passo próprio.

ii. Cancelabilidade:

As implicaturas inferenciais podem ser canceladas quando se acrescentam algumas premissas adicionais às premissas iniciais. Essa característica de implicatura talvez seja a mais importante no estudo de hedges. Por exemplo:

 Quase todos os brasileiros gostam de futebol.  Ele é um poço de sabedoria, pelo que me disseram.

 Terça que vem seria dia do exame, se não tivesse jogo do Brasil.

O acréscimo dos hedges nos exemplos faz o falante abandonar a implicatura sugerida. A estratégia do uso de hedges nesse caso é, sobretudo, para evitar a violação da máxima de qualidade.

iii. Não-destacabilidade:

Uma implicatura presa ao conteúdo semântico é independente da sua forma de dizer. Essa característica não é muito importante para os hedges. É óbvio que sempre podemos expressar a nossa intenção com os enunciados de forma diferente. Podemos também substituir os hedges por os não-hedges e vice-versa. No entanto, na substituição, não podemos garantir que a força ilocucionária que indica a função mais importante dos hedges não seja modificada. Por exemplo:

 Se eu fosse você, não iria usar aquele vestido de cor laranja para a festa.  Seria melhor não usar aquele vestido de cor laranja para a festa.

 Somente idiotas vão usar um vestido de cor laranja como esse para a festa. iv. Indeterminabilidade

A mesma sentença pode gerar diferentes implicaturas nos contextos diferentes. Ex.: (O filho de A é manco da perna esquerda)

B: Por que A não trouxe o filho dele para a festa? Está todo mundo dançando e se divertindo

C: Acho que ele não se sentiria bem aqui.

Nessa cena, presumimos que B não sabe que o filho de A é deficiente, por isso pergunta para C, que é amiga de A. Em vez de contar o ―segredo‖, C utilizou dois hedges para que a implicatura seja indeterminada e ao mesmo tempo não seja mentira. Aqui, neste enunciado, não se trata de uma violação da máxima de modo, deixando a frase ambígua, mas de uma estratégia de comunicação de forma ética.

v. Não-convencionalidade:

A implicatura não se restringe ao significado convencional das palavras do enunciado. A interpretação só se faz a partir da implicatura conversacional.

Ex.: A: Como andam as aulas de mandarim? Os alunos estão aprendendo? B: Bom, alunos são alunos, né!

Se considerarmos apenas o significado convencional da palavra ―alunos‖, a fala de B violará a máxima de relação cuja implicatura, embora seja verdadeira, não é relevante. No entanto, os hedges aqui estão mostrando os aspectos em comum entre os alunos que talvez não gostem de estudar regularmente; somente estudem para as provas; mas que estejam sempre aprendendo e assim por diante. Além disso, sendo um tipo de expressão analógica, o hedge ―alunos são alunos‖38 mostra a atitude do falante que, embora não esteja muito satisfeito com o desempenho dos alunos, está tentando entendê-los e não pretende fazer

críticas severas.

Observamos que a cooperação dos participantes vai muito além da precisão semântica das informações que estão passando, pois a implicatura é suscitada somente através da interação dos participantes em um determinado contexto. Nesse sentido, a aplicação de hedges mostra que a maior preocupação do falante não é o valor de verdade da proposição, mas a sua própria identidade, entendida como a face social nas comunicações.