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Hepatopatia em estágio terminal cirrose

A conseqüência final de muitos tipos de doença hepática crônica é a cirrose. O termo cirrose é derivado da palavra grega kirrhos que significa amarelo-tostado, ou fulvo, referindo-se à cor do fígado observada em pessoas que morriam de cirrose. Essa definição não reflete as alterações anatômicas ou clínicas da cirrose (Twedt, 1985).

A cirrose hepática se caracteriza pela fibrose e por nódulos regenerativos que resultam na desorganização da arquitetura hepática (Johnson, 1997). Em alguns casos pode haver proliferação de ductos biliares (Cullen & MacLachlan, 2001). Baseado nisso, alguns autores definiram a cirrose como um “processo difuso caracterizado por fibrose e conversão da arquitetura hepática normal por nódulos estruturalmente anormais” (Anthony et al., 1977). Outros especialistas afirmam que para usar o termo cirrose, é necessário evidenciar microscopicamente a presença de fibrose, regeneração de hepatócitos, degeneração e necrose de hepatócitos e inflamação (Zawie & Gilbertson, 1985). A cirrose é considerada um estágio irreversível e a eliminação da causa subjacente nesta altura do processo poderia retardar a progressão da doença, mas mecanismos perpetuadores impedem a completa recuperação (Johnson, 1997).

Como o agente etiológico deflagrador nos casos de hepatopatia em estágio terminal raramente é determinado, alguns autores convencionaram denominar os casos de cirrose com etiologia desconhecida pela expressão “doença hepática idiopática crônica dos cães” (Kelly, 1993; Rozza, 2003). Além disso, embora haja condensação do estroma pré-existente (fibrose passiva), não ocorre fibrose ativa, não qualificando essa condição como cirrose. Além do mais, a importância da fibrogênese é mínima, e assim, a designação de cirrose, que algumas vezes é aplicada a esta condição, não é correta (Kelly, 1993). Mesmo sendo considerada uma entidade idiopática, há suspeitas de que a exposição repetida a uma toxina, como a aflatoxina, possa estar envolvida. Alguns autores também descreveram dois casos de cirrose idiopática em cães semelhante à condição descrita por Kelly (1993) e Rozza (2003) (Obwolo & French, 1988). Nesses cães, as lesões hepáticas consistiram de fígado com aspecto nodular difuso, observado macroscopicamente, e na microscopia evidenciaram-se nódulos de regeneração e mínima quantidade de fibrose. Esses pesquisadores aplicaram o termo cirrose a esta condição, apesar da mínima fibrose, pois sugeriram que a cirrose estava se desenvolvendo a um período de tempo relativamente curto (Obwolo & French, 1988).

Em humanos, a cirrose está entre as dez maiores causas de morte no mundo ocidental e, embora resulte principalmente de alcoolismo, outros fatores importantes incluem a hepatite crônica, a doença biliar e a sobrecarga de ferro (hemocromatose) (Crawford, 2004). A incidência da cirrose em cães é desconhecida, mas sabe-se que essa é uma das principais doenças que afetam cães idosos (Dimski, 1999).

A classificação morfológica da cirrose em cães é derivada da classificação usada para a cirrose em pessoas, e é baseada no tamanho dos nódulos vistos macroscopicamente, ou seja, cirrose micronodular e cirrose macronodular (Anthony et al., 1977; Twedt, 1985; Zawie & Gilbertson, 1985; Wight, 1994; Johnson, 1997; Crawford, 2004).

O mesmo padrão morfológico pode ser produzido por uma variedade de agentes etiológicos e um único agente pode produzir uma variedade de padrões morfológicos no mesmo paciente. Contudo, a classificação pelo tamanho do nódulo pode ser de valor epidemiológico e refletir a etiologia, a evolução do estágio e prognóstico (Anthony et al., 1977; Wight, 1994).

A cirrose macronodular (multilobular) é a forma mais comum de cirrose em cães e é caracterizada por nódulos irregulares grandes, geralmente maiores que 0,3 cm de diâmetro e freqüentemente atingem 5 cm ou mais. Macroscopicamente, o fígado macronodular pode ter tamanho normal, mas comumente está diminuído de tamanho. Os nódulos são separados por feixes espessos de tecido fibroso que geralmente contém dois ou mais tratos portais. No interior dos nódulos podem ser vistas estruturas vasculares residuais ou vasos eferentes neoformados, que histologicamente evidenciam inter-relações anormais entre tratos portais, que freqüentemente são pequenos, e vênulas, as quais aparecem em grande número. Este tipo de cirrose pode desenvolver-se em decorrência de necrose em saca-bocado e necrose individual de hepatócitos contínuas ou após necrose hepática submassiva em que áreas portais e centrolobulares são conectadas por pontes de tecido fibroso (Zawie & Gilbertson, 1985; Twedt, 1985; Wight, 1994; Crawford, 2004).

Em humanos, um tipo particular de cirrose macronodular é caracterizado por macronódulos divididos por septos delgados, algumas vezes incompletos, que tendem a conectar tratos portais. Esse tipo de cirrose macronodular é conhecido como cirrose septal incompleta e a nodularidade nem sempre é visível macroscopicamente, sendo considerado um tipo comum em regiões tropicais e subtropicais do mundo, especialmente quando associado com hepatite B (Wight, 1994).

A cirrose micronodular (monolobular) é definida como possuindo todos os nódulos com tamanho menor que 0,3 cm de diâmetro, que

corresponde grosseiramente ao tamanho do lóbulo hepático original, que mede aproximadamente 0,1 a 0,2 cm de diâmetro. Existe freqüentemente uma notável uniformidade do tamanho do nódulo. O fígado pode estar aumentado de tamanho ou diminuído e a superfície capsular tem aspecto finamente granular e muito firme. A cirrose micronodular pode ser uma seqüela de necrose zonal difusa, que é substituída por finos feixes de fibrose (Anthony et al., 1977; Twedt, 1985; Wight, 1994; Crawford, 2004). Esse padrão não é comumente observado em cães (Twedt, 1985). Microscopicamente os nódulos são geralmente desprovidos de estruturas vasculares. Em pessoas, o padrão micronodular é comum, mas não invariável na cirrose alcoólica, hemocromatose e obstrução biliar. Há uma tendência para os fígados com cirrose micronodular tornarem-se macronodulares com o passar do tempo. Na cirrose micronodular, o balanço é em favor da destruição dos hepatócitos, enquanto na cirrose macronodular, a regeneração nodular é a alteração mais evidente (Wight, 1994).

Há uma terceira classificação do padrão da cirrose, chamada cirrose biliar, que compreende o estágio final de colângio-hepatite ou da obstrução biliar extra-hepática crônica (Twedt, 1985; Johnson, 1997). Esse padrão ocorre mais comumente em gatos (Ilha et al., 2004), e está associado a hepatomegalia. A superfície capsular do fígado tem aspecto nodular e é muito firme. Histologicamente se evidenciam fibrose portal acentuada, hiperplasia de ductos biliares, hiperplasia nodular e graus variáveis de inflamação crônica (Twedt, 1985).

Na maioria dos casos naturais de cirrose no cão o agente etiológico não é determinado (Zawie & Gilbertson, 1985; Twedt, 1985; Cullen & MacLachlan, 2001) e os aspectos macroscópicos e microscópicos são semelhantes, independente da lesão deflagradora. Contudo, independentemente da etiologia, o denominador comum da patogênese é a morte dos hepatócitos. Maiores evidências sugerem que o agente que está causando a destruição hepatocelular necessita infligir

continuamente os hepatócitos para resultar em fibrose e regeneração nodular (Zawie & Gilbertson, 1985; Twedt, 1985). No entanto, como já mencionado anteriormente, um único episódio de necrose hepática massiva aguda também pode resultar em cirrose (cirrose pós-necrótica) (Twedt, 1985; Wight, 1994; Johnson, 1997; Cullen & MacLachlan, 2001).

Nos cães, a hepatopatia em estágio terminal está associada a uma ampla variedade de fatores que causam lesão hepatocelular crônica que evolui para cirrose. A maioria deles já foram descritos em tópicos anteriores, como a hepatite do Bedlington Terrier, hepatite do West Highland White Terrier, alguns casos de hepatite do Doberman Pinscher, hepatite do Skye Terrier, hepatite do Cocker Spaniel, hepatite das células acidofílicas, episódios crônicos ou repetidos de exposição a toxinas ou medicamentos (aflatoxicose crônica, terapia com medicamentos anticonvulsivantes e outras drogas), lesão imunológica e hipóxia (“cirrose cardíaca”, que será descrita adiante) (Twedt et al., 1979; Meyer et al., 1980; Hardy, 1985; Thornburg et al., 1986; Obwolo & French, 1988; Kelly, 1993; Rolfe & Twedt, 1995; Thornburg et al., 1996; Johnson, 1997; Speeti

et al., 1998; Cullen & MacLachlan, 2001; Watson, 2004).

A morte dos hepatócitos é o ponto-chave da patogênese de todas as causas de cirrose, que promove o início de mecanismos de inflamação, regeneração, com formação de nódulos estruturalmente desorganizados, e fibrose. Outras alterações observadas na cirrose são resultado da circulação hepática alterada (Twedt, 1985; Johnson, 1997; Cullen & MacLachlan, 2001).

A inflamação incitada nos casos de cirrose pode ser resultado de lesão causada por um agente etiológico, por um processo imunológico ou ainda por uma reação aos produtos liberados pelos hepatócitos danificados. Os dois últimos processos são auto-perpetuantes. O grau de atividade de várias condições inflamatórias é avaliado pela intensidade do infiltrado mononuclear (Twedt, 1985). Assim, ainda há duas outras subclassificações para cirrose. Uma é a cirrose inativa, termo aplicado

quanto há quantidade moderada de inflamação e necrose, com nódulos de regeneração. A outra é a cirrose ativa, que define a cirrose com inflamação acentuada, regeneração de hepatócitos e degeneração e necrose de hepatócitos (Zawie & Gilbertson, 1985).

A fibrose é o método de reparação de qualquer tipo de inflamação e é o principal fenômeno na cirrose (Twedt, 1985; Friedman, 1993; Beyon & Iredale, 2000; Safadi & Friedman, 2002). A deposição de tecido fibroso excede a capacidade de reabsorção pelo fígado, causando aumento global no conteúdo de colágeno do fígado (Twedt, 1985; Johnson, 1997). O conteúdo de colágeno no fígado cirrótico pode estar aumentado de sete a dez vezes no homem (Twedt, 1985). A fibrose hepática é o aspecto- chave da cirrose, mas esses termos não são sinônimos. A fibrose ocorre como resposta à lesão hepática, mas, na ausência de nódulos regenerativos, este evento não pode ser chamado de cirrose (Johnson, 1997). Os processos envolvidos na formação da fibrose foram descritos anteriormente.

A proliferação e a regeneração de hepatócitos resultam da necrose celular e da função hepatocelular reduzida. Os hepatócitos proliferam em nódulos como uma tentativa de restaurar a função do parênquima (Twedt, 1985; Cullen & MacLachlan, 2001; Palmes & Spiegel, 2004). Se a morte celular excede a regeneração, ocorrerá rápida deterioração clínica do paciente (Twedt, 1985).

A compensação através dos nódulos de regeneração na cirrose geralmente torna-se auto-limitante, pois a expansão dos nódulos pelo parênquima causa compressão do estroma de tecido fibroso, assim como dos vasos e ductos biliares (Twedt, 1985; Bissel et al., 1990; Cullen & MacLachlan, 2001). Além da compressão vascular e da estrutura desorganizada dos nódulos regenerativos, também ocorre aumento da resistência vascular hepática, caracterizando a tendência à isquemia dos nódulos de regeneração. Deste modo, quando a irrigação sangüínea aos nódulos regenerativos está comprometida, a isquemia fará com que tenha

continuidade o ciclo de morte celular, hiperplasia e fibrose. Assim, a cirrose termina atingindo um ponto a partir do qual ela é auto-perpetuante (Johnson, 1997).

Os sinais clínicos apresentados na cirrose são geralmente inespecíficos. Em alguns pacientes todos os sinais clínicos podem estar presentes, enquanto que em outros, muitos sinais podem estar ausentes, tornado mais difícil o diagnóstico clínico. Em alguns casos, o diagnóstico é realizado incidentalmente na necropsia (Twedt, 1985). Esses sinais clínicos incluem: anorexia, emagrecimento, fraqueza, intolerância ao exercício, vômito, diarréia, polidipsia, poliúria, petéquias e equimoses, atrofia testicular e anestro (em alguns pacientes), icterícia, distúrbios neurológicos e ascite. A presença de icterícia, manifestações neurológicas e ascite sugerem fortemente tratar-se de um caso de cirrose (Twedt, 1985; Johnson, 1997). As principais complicações da cirrose são: hipertensão portal, desvios portossistêmicos adquiridos, ascite, encefalopatia hepática, úlceras gastrintestinais, infecções bacterianas (comumente observada em pessoas, mas pouco relatada em animais), tendência a sangramentos e insuficiência renal (Twedt, 1985; Hess & Bunch, 1995; Johnson, 1997).

Testes bioquímicos de função hepática devem ser considerados apenas como auxiliares no diagnóstico, pois em alguns casos de cirrose os resultados desses testes podem ser vagos ou insidiosos (Johnson, 1997). O nível sérico da enzima hepática ALT, pode estar normal ou somente um pouco elevado, provavelmente devido à diminuição do parênquima hepático viável (Twedt, 1985; Meyer et al., 1995;). A FA geralmente está elevada em casos de colestase intra-hepática, observada na cirrose em decorrência da fibrose e dos nódulos regenerativos que impedem o fluxo normal da bile. A maioria dos cães com cirrose tem níveis elevados de bilirrubina e amônia séricas, enquanto que a uréia e albumina aparecem diminuídas (Twedt, 1985; Johnson, 1997). Contrariamente ao que é observado em humanos, nos quais a icterícia é

incomum, em cães ela é um sinal clínico importante, sendo evidenciada em uma porcentagem significativa dos pacientes (Rozza, 2003).

O sistema porta, que se origina nos capilares dos órgãos esplâncnicos e termina nos sinusóides hepáticos, recebe sangue do pâncreas, baço, estômago e intestino (Hess & Bunch, 1995). O sistema porta é um sistema de baixa pressão que carreia uma quantidade substancial de sangue para o fígado. Essa baixa pressão é suficiente para levar o sangue através do sistema sinusoidal hepático, que geralmente oferece muito pouca resistência ao fluxo sangüíneo (Grauer & Nichols, 1985; Twedt, 1985).

Hipertensão portal é o aumento cronicamente sustentado da pressão da vasculatura portal hepática devido ao fluxo sangüíneo portal prejudicado. As principais manifestações patológicas da hipertensão portal são a ascite e formação de desvios portossistêmicos com subseqüentes alterações neurológicas (Hess & Bunch, 1995). O desenvolvimento de anastomoses extra-hepáticas ocorre entre a circulação sistêmica venosa e a veia portal e suas tributárias (Cullen & MacLachlan, 2001). Anatomicamente, esses vasos colaterais são classificados em porto-pré-cavais e porto-pós-cavais. Os vasos porto-pré- cavais estendem-se até a veia cava cranial através da veia ázigos e são raros em cães. Os vasos porto-pós-cavais conectam-se na veia cava caudal e são comuns em todas as espécies. Os desvios portossistêmicos em cães são vistos mais comumente na raiz do mesentério e próximo ao rim esquerdo, conectando as veias esplênicas e mesentéricas à veia renal ou gonadal esquerda (Grauer & Nichols, 1985; Hess & Bunch, 1995; Center, 1997). Em pessoas, a formação de varizes esofágicas é comum e a conseqüência mais grave da hipertensão portal é a hemorragia causada pela ruptura aguda dessas varizes (Hess & Bunch, 1995; Crawford, 2004). Varizes esofágicas raramente desenvolvem-se em cães (Twedt, 1985; Hess & Bunch, 1995; Center, 1997). Quando essa circulação colateral está estabelecida, cerca de 80% do sangue originário do sistema venoso

portal é desviado do fígado. Os desvios extra-hepáticos causam muitas conseqüências metabólicas, pois as toxinas e vários metabólitos entram na circulação sistêmica, sem passar pela “filtração” hepática (Vulgamott, 1985; Twedt, 1985; Hess & Bunch, 1995; Center, 1997).

Na cirrose, a hipertensão portal resulta de um aumento da resistência vascular intra-hepática, mais precisamente na vasculatura sinusoidal, devido a distorção e redução do leito capilar hepático pela fibrose, regeneração nodular e deposição de colágeno no espaço de Disse (Hess & Bunch, 1995). Adicionalmente, comunicações artério- portais intra-hepáticas contribuem para a elevação da pressão portal e assim para o desenvolvimento de desvios colaterais extra-hepáticos do fluxo sangüíneo na tentativa de aliviar a pressão. No entanto, esses mecanismos compensatórios nunca abrandam o aumento da pressão portal (Twedt, 1985; Vulgamott, 1985; Center, 1997).

A hipertensão portal intra-hepática associada à cirrose leva à produção de grande volume de linfa hepática com teor baixo de proteína e, assim, o evento primário na formação da ascite é a hipertensão portal. O aumento da formação de linfa hepática, que pode elevar-se em até 20 vezes em um fígado cirrótico, facilmente excede a capacidade de transporte dos linfáticos. Isso ocorre devido à redução na capacidade de produção de albumina pelo fígado lesado, que reduz diretamente a pressão oncótica plasmática. A capilarização dos sinusóides, fenômeno associado à fibrose hepática descrito anteriormente, torna o endotélio menos permeável às proteínas, fazendo com que, num primeiro momento, haja o impedimento da formação da ascite, mas esse mecanismo é freqüentemente anulado pela diminuição da albumina plasmática, o que acaba por diminuir a pressão oncótica plasmática (Grauer & Nichols, 1985; Center, 1997). O efeito final é a formação de grande quantidade de linfa, devido ao aumento da pressão hidrostática, com concentração relativamente baixa de proteína, que flui através da cápsula hepática para a cavidade abdominal. No início do processo

cirrótico, ocorre acúmulo de líquido ascítico contendo teor mais elevado de proteína, em comparação com o líquido que se acumula na cirrose avançada, que tipicamente é um transudato puro (com pouquíssima proteína) (Grauer & Nichols, 1985; Twedt, 1985; Center, 1997).

A diminuição da pressão oncótica plasmática associada a hipoalbuminemia freqüentemente aumenta a ascite, mas raramente é a causa primária. Hipoalbuminemia associada com doença hepática pode resultar de síntese hepática diminuída, perda de proteína para o líquido ascítico e aumento do volume no espaço vascular (efeito diluicional). A anorexia e o vômito que acompanham a doença hepática também podem contribuir para a hipoalbuminemia através da diminuição do influxo de proteína (Grauer & Nichols, 1985).

A encefalopatia hepática é uma síndrome que resulta da inadequada remoção hepática de componentes tóxicos que são formados no trato gastrintestinal, associado à insuficiência hepática combinada com desvios portossistêmicos adquiridos em decorrência da hipertensão portal (Tams, 1985; Summers et al., 1995; Taboada & Dimski, 1995; Center, 1997). Os sinais clínicos associados à encefalopatia hepática são vistos em 95% dos pacientes e incluem anorexia, vômito, polidipsia, letargia, depressão, cegueira súbita (amaurose), andar cambaleante ou em círculos, ataxia, compressão da cabeça contra objetos, tremores musculares e/ou da cabeça, surdez, hiperexcitabilidade, debilidade, colapso, convulsões e coma (Taboada & Dimski, 1995; Center, 1997). Esses sinais clínicos variam em intensidade e freqüência. Convulsões e hiperexcitabilidade não são muito comuns na encefalopatia hepática e a lateralização neurológica é raramente observada. Hipersalivação é ocasionalmente vista em cães, mas é um achado importante em gatos (Tams, 1985; Summers et al., 1995; Taboada & Dimski, 1995; Center, 1997). Uma manifestação importante da encefalopatia hepática em cães é a poliúria. Alterações em neurotransmissores prejudicam a inibição dopaminérgica da liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pela

hipófise, resultando em regulação anormal do eixo hipotalâmico- hipofisário-adrenal e subseqüente hipercortisolemia. Uma inibição parcial da resposta tubular renal à vasopressina induzida pelo cortisol é indicada como a causa da poliúria em alguns cães com encefalopatia hepática (Taboada & Dimski, 1995).

Várias substâncias são incriminadas no desencadeamento da encefalopatia hepática, no entanto, a amônia tem sido considerada a principal responsável pela patogênese da encefalopatia hepática. A amônia age diretamente sobre neurotransmissores excitatórios e inibitórios do cérebro. Quando o metabolismo hepático está comprometido pela cirrose, a amônia não é convertida em uréia, através do ciclo da uréia nos hepatócitos, e assim não pode ser excretada através dos rins. O acúmulo de amônia no sangue (hiperamonemia) também pode ocorrer quando o fluxo sangüíneo desvia o fígado através dos desvios portossistêmicos adquiridos (Kelly, 1993; Summers et al., 1995; Taboada & Dimski, 1995). Outros fatores que podem influenciar no desenvolvimento da encefalopatia hepática incluem algumas toxinas, como mercaptanas, ácidos graxos de cadeia curta e aminoácidos aromáticos (Tams, 1985; Twedt, 1985; Summers et al., 1995; Taboada & Dimski, 1995).

Vários mecanismos são propostos para explicar como a hiperamonemia causa neurotoxicidade. Entre eles estão o aumento da permeabilidade da barreira hemato-encefálica, a formação de falsos neurotransmissores, a depleção de substâncias intermediárias vitais para o metabolismo energético, a acumulação de outros metabólitos tóxicos e os efeitos citotóxicos na agregação microtubular que causa rompimento da integridade citoplasmática. Entretanto, o mecanismo bioquímico pelo qual a amônia produz depressão no sistema nervoso central ainda é pouco elucidado. Sinais clínicos associados à toxicidade pela amônia incluem graus variáveis de anorexia e depressão, que podem ser alternados com quadros de irritabilidade e euforia. Casos graves de

toxicidade pela amônia resultam em vômito, diarréia, coma e ataques convulsivos (Tams, 1985; Taboada & Dimski, 1995).

Fisiologicamente, os aminoácidos circulantes competem uns com os outros pelas células do sistema nervoso central. A maioria dos estudos mostra que em casos de encefalopatia hepática ocorre elevação nos aminoácidos aromáticos (fenilanina e tirosina) e diminuição nos aminoácidos de cadeia curta (valina, leucina, isoleucina), assim como elevação do aminoácido triptofano livre e diminuição do triptofano total. O triptofano tem efeitos tóxicos diretos sobre o sistema nervoso central, causando depressão. Esse desequilíbrio ocorre na insuficiência hepática como resultado da maior utilização dos aminoácidos de cadeia curta como fonte de energia e diminuição da “purificação” hepática dos aminoácidos aromáticos. Altas concentrações de aminoácidos aromáticos no sistema nervoso central promovem a síntese de neurotransmissores falsos que alteram a função cerebral, causando redução da excitação neural e aumento da inibição neural (Tams, 1985; Twedt, 1985; Taboada & Dimski, 1995).

Outro fator envolvido na encefalopatia hepática é o ácido gama- aminobutírico (GABA), que é o principal neurotransmissor inibitório do cérebro dos mamíferos. O GABA é sintetizado e absorvido pelas bactérias intestinais, e posteriormente metabolizado no fígado. Estudos comprovaram que em pacientes com insuficiência hepática há aumento nos níveis plasmáticos do GABA, assim como um número maior de receptores para o GABA no cérebro. Normalmente, o GABA não ultrapassa a barreira hemato-encefálica, mas na insuficiência hepática há aumento na permeabilidade da barreira hemato-encefálica, e o GABA pode promover a indução do coma nesses pacientes (Tams, 1985; Kelly, 1993; Taboada & Dimski, 1995).

Mercaptanas são derivados do metabolismo bacteriano do aminoácido metionina no trato gastrintestinal. Quando age sinergicamente com a amônia e com ácidos graxos, pequenas concentrações de

mercaptanas podem induzir coma. Os níveis sangüíneos de mercaptana

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