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4. ANÁLISE

4.3 Heterogeneidade

4.3.2 A heterogeneidade discursiva

Sob outro ângulo de análise, procuramos identificar de que forma a heterogeneidade se manifestou nos discursos dos sujeitos em suas participações nos fóruns da oficina. Nossa análise terá como arcabouço teórico a teoria da heterogeneidade discursiva de Autier-Revuz, a qual pretendemos explorar, a seguir, na explicitação da fala dos sujeitos.

Autier Revuz apud Brandão (2002) identifica diferentes formas de expressão de heterogeneidade no discurso. A primeira delas seria o discurso relatado seja na forma direta quando o locutor traduz uma fala para dar um novo sentido, seja na citação quando o locutor coloca-se como porta-voz de um discurso citando-o de forma direta. Também nas formas marcadas de conotação autonímicas quando o locutor insere em seu discurso diferentes entonações, marcas explícitas ou implícitas, o discurso do outro sem que o fio de sua argumentação seja rompido. Todas essas formas fazem parte da heterogeneidade mostrada, isto é, quando há o reconhecimento por parte de um membro da comunidade linguística de que seu discurso está enredado em outros discursos, dos quais ele faz uso com os mais diversos tipos de interesse, seja para convencer, persuadir, argumentar, concordar.

Tal característica pode ser observada na fala do Aluno Théo quando afirma que

[...] galera da uma força aew pra comu é aberta para todos os públicos podem criar topicos e outras coisas tbm me dÊ uma força aew gente(Théo).

Nessa fala, a informalidade predomina, como, por exemplo, o termo galera que dá uma noção de coletividade de forma bem íntima e próxima. Ressalta-se também o uso de expressões que são comuns nos fóruns da internet como aew, que é usada para driblar a necessidade de utilizar o acento na palavra aí. Nesse sentido, denota na sua concepção que o fórum é um espaço democrático e participativo sem uma hierarquia estabelecida própria daquilo que Marc Prensky, pensador e desenvolvedor de games, chama de nativo digital, isto é um grupo que é capaz de

[...] ver TV, ouvir música, teclar no celular e usar o notebook, tudo ao mesmo tempo. Ou seja, são multitarefas. Adoram experimentar novos aplicativos, têm facilidade com blogs e lidar com múltiplos links, pulando de site em site, sem se perder. Interagem mais uns com os outros; "acessam-se" mutuamente para depois se conhecer pessoalmente. Esta é uma pequena descrição dos Nativos Digitais, termo que define os nascidos depois dos anos 80 (MONTEIRO, 2009, s/p.).

Ao acompanhar o trabalho dos alunos no desenvolvimento da comunidade virtual, é possível perceber que navegavam na oficina desenvolvendo outras atividades paralelas, como verificar suas contas de correio eletrônico ou visitar outros orkuts na expectativa de encontrar novidades.

O modo como se deu a navegação no hipertexto reforça a necessidade de se pensar estratégias diversificadas, heterogêneas, para atender aos gostos, às habilidades e aos interesses desse grupo em específico. A avaliação prévia que fazemos nos indica que os gêneros utilizados na oficina não alcançaram de modo satisfatório o grupo de estudantes do Ensino Médio, pois a navegação foi, pela observação feita em loco, bastante dispersiva, demonstrando que esses gêneros não foram capazes de provocar a reflexão desejada. Nesse sentido, esse evento reforça a afirmação com a qual concordamos e que a análise deixou evidente que a escola

Evita escrupulosamente, incluir em sua reflexão metodológica e em sua prática pedagógica a consideração de outras formas de linguagem que não a verbal e, no âmbito dessa, dá mais valor à escrita que à oralidade (ORLANDI, 1988, 38).

Todavia, a forma mais complexa de heterogeneidade é aquela que não revela o outro, porque é concebida no nível do interdiscurso e do inconsciente, que Autier-Revuz chama de heterogeneidade constitutiva. A partir do dialogismo bakhtiniano e da ideia do sujeito como efeito do discurso sugere que todo ato comunicacional é um intertexto com outros sujeitos. É nesse espaço representado pela relação entre o eu e o tu que se constrói o sentido e que a linguagem acontece enquanto evento. O eu só pode dialogar pela presença do tu, responsividade ativa da qual ele é portador sempre implica a presença de outro seja uma pessoa, uma obra da cultura (que não existe sem quem a fez) ou mesmo a própria voz interior do interlocutor.

Esta construção heterogênea do discurso se torna explícita quando o militante Augusto afirma que

Se partirmos do pressuposto de que “a liberdade do outro leva a minha ao infinito”, temos aqui a real media da dignidade humana. A dignidade humana está ligada à noção de direitos individuais que foi construído pela sociedade nos vários embates dos grupos, em que as minorias sempre foram menosprezadas em relação aos grupos majoritários, na ocupação das áreas dos clãs rivais tal qual podemos observar nas comunidades da africana meridional e em vários grupos éticos no sudoeste da Ásia. A literatura das ciências sociais possui a descrição de inúmeros casos em que a dignidade humana é desrespeitada e os povos muitas vezes são alojados de seu espaço territorial e tem seus direitos amputados em nome de um grupo hegemônico).

Nesse sentido, um determinado discurso contém múltiplas vozes sociais que já se expressaram e que foram apreendidas e internalizados pelo sujeito em sua vida. Por isso é que se pode afirmar que as palavras são, sempre e inevitavelmente, as palavras dos outros ou que nenhuma palavra é neutra, mas inevitavelmente carregada, ocupada, habitada, atravessada pelos discursos nos quais viveu sua existência socialmente sustentada (BRANDÃO, 2002).