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4. RESULTADOS

5.2. HIGIDEZ DAS LARVAS

Os resultados sobre a relação entre massa e comprimento padrão pode gerar a falsa impressão de que as larvas coletadas em setembro de 2005 apresentam-se em melhor condição do que as larvas coletadas em março de 2006. O que de fato ocorreu foi um excesso de larvas frágeis em setembro de 2005 que não puderam ter suas massas medidas, o que tornou a inclinação da curva ajustada mais acentuada do que estaria se fossem incluídas essas larvas frágeis.

Essa impossibilidade de medição da massa das larvas mais frágeis e/ou danificadas gera um vício de amostragem, uma vez que as larvas que teriam menores valores de massa para dado comprimento não estão representadas. Ainda, como as larvas mais frágeis são mais freqüentes nos menores valores de CP, há uma subamostragem, em relação ao número de indivíduos para a medida da massa, das larvas menores. Assim, optou-se pela não utilização dessas informações como indicativos de higidez, para esse trabalho.

O fator de condição (K), que também utiliza as informações de massa e comprimento, aponta maiores valores médios em março de 2006, indicando uma melhor condição de higidez para essa época. Valores elevados de K representam maiores valores de massa em função do cubo do comprimento, indicando um maior incremento em tecidos estruturais e/ou de reserva. Esse incremento está intimamente ligado à alimentação e ao metabolismo do organismo em questão (Ferron & Leggett, 1994). Os valores de K também foram usados como indicadores para avaliar a condição de larvas de anchoíta, tanto para costa sudeste como um todo (Dias, 1995), como para a região do cabo Frio (Dias, 2007a), relacionando épocas em que os valores de K são mais elevados e a condição nutricional é melhor com eventos hidrográficos relacionados à presença da Água Central do Atlântico Sul. Esses resultados foram corroborados por indicadores bioquímicos e histológicos.

É importante notar que, apesar de terem sido coletadas larvas de tamanhos menores em março de 2006, uma menor porcentagem foi considerada frágil (13,8% do total contra 23,6% em setembro de 2005). Como as maiores freqüências de larvas frágeis tendem a ocorrer nas menores classes de comprimento padrão, seria esperado que a coleta contendo larvas menores apresentasse maior quantidade relativa de larvas com características indicando fragilidade. Esse fato pode estar relacionado, não somente com uma possível condição mais favorável, mesmo para as larvas menores, em março de 2006, mas também com o tempo transcorrido entre a coleta e a desova.

Fenômeno semelhante foi relatado por Chícharo (1997) para larvas de Sardina

Como, aparentemente, decorreu mais tempo entre a desova e a coleta em setembro de 2005, afirmativa feita em função da distribuição de comprimentos, as larvas que ainda encontram-se nas menores classes de tamanho podem ser aquelas que obtiveram maior dificuldade em sobreviver e, portanto, apresentaram menores taxas de crescimento. Em março de 2006 as larvas nessas mesmas condições talvez pudessem ser encontradas em classes de tamanho menores, que não foram representadas nas amostras devido ao método de coleta, não só relacionado à seletividade da malha, mas à própria seleção das larvas a bordo.

Os indicativos de higidez utilizados nesse estudo, tanto aqueles baseados na aparência e morfometria como na quantificação de proteínas, apontaram para melhores condições em março de 2006, apesar das diferenças encontradas para alguns deles serem sutis.

Cabe lembrar que não foram feitos experimentos de calibração para os indicadores utilizados, de forma que os valores aqui obtidos só podem ser interpretados de forma comparativa, entre as épocas amostradas e entre as estações, mas não são passíveis de utilização para interpretar se as larvas individuais estão em boas condições ou não, ou se apresentam maior ou menor potencial competitivo. A exceção seria o fator de condição (K) a análise de condição aparente de fragilidade das larvas, porém, a indicação de boa condição nesse caso não exclui a possibilidade da larva apresentar baixa condição de higidez através de análises mais sensíveis.

Apesar dos índices morfológicos serem criticados pela falta de acurácia (Ferron & Leggett, 1994; Suthers, 2000), a aplicação neste caso se restringiu a comparações relativas entre épocas distintas e não foi usado como indicador

de inanição ou como forma de identificar potencial de mortalidade para larvas individuais.

Para análise da distribuição espacial, foram utilizadas as informações de fragilidade das larvas, quantidade de proteína e relação proteína-DNA. O padrão de distribuição das estações contendo mais do que 50% das larvas com valores abaixo da média foi semelhante para quantidade de proteína e relação proteína/DNA, bem como as estações onde ocorreu diferença significativa. Em setembro de 2005, nenhuma das estações mais próximas da costa e da desembocadura do estuário apresentou diferença significativa entre quantidade de larvas com valores abaixo ou acima da média. Já em março de 2006, duas estações, para a análise de quantidade de proteínas, e uma para a análise de proteína/DNA mostraram maior concentração de larvas abaixo da média. Essa situação indica que particularmente essas larvas da região mais costeira encontram-se em melhores condições em setembro de 2005 do que em março de 2006, provavelmente, devido à influência do estuário no primeiro caso.

Nas duas épocas amostradas, as estações que apresentaram diferença significativa em relação à fragilidade das larvas apresentaram menos do que 50% de larvas consideradas frágeis, indicando uma preponderância de larvas em boas condições, fato comprovado para a situação de campo através de diversos trabalhos na literatura (Chícharo, 1997; Kimura et al., 2000; Ramirez et al., 2001; Dias et al., 2004). A distribuição mostrada em setembro de 2005

sugere piores condições em regiões mais afastadas da costa, mas em março de 2006 esse mesmo padrão não é observado. É importante ressaltar que para as larvas apresentarem sinais de fragilidade, é necessário um estágio mais avançado de baixa condição de higidez, uma vez que danos estruturais

acontecem em um período prolongado de exposição da larva a condições inadequadas ao seu desenvolvimento. O fato desse tipo de avaliação sugerir boas condições de higidez, não implica que essas condições estejam ocorrendo quando consideramos variáveis mais sensíveis a mudanças mais recentes. Assim, os diferentes indicadores oferecem indícios sobre as respostas das larvas às condições ambientais em diferentes escalas de tempo e este fator precisa ser considerado (Ferron & Leggett, 1994; Suthers, 2000; Rossi-Wongstchowski et al., 2003).

Em função de o estudo ter sido elaborado em nível de família, e não de gênero ou espécie, as diferenças aqui descritas são passíveis de questionamento quanto à composição das amostras, que podem ter apresentado diferentes contribuições das espécies envolvidas entre setembro de 2005 e março de 2006 e até mesmo, entre as estações de coleta. Se existem importantes variações na morfometria e no metabolismo entre as espécies amostradas, tal fator irá interferir na interpretação dos resultados obtidos. Por outro lado, o fato dessas espécies apresentarem características tão semelhantes, que dificultam sua identificação em nível de espécie, sugere que essas eventuais divergências, caso existam, não apresentem tanta importância ecológica e não alteram o papel do organismo no ecossistema nessa fase do ciclo de vida.

5.3. INFLUÊNCIA DO AMBIENTE

A influência das forçantes físicas vem sendo cada vez mais considerada como ponto importante para o entendimento da ecologia larval (González- Quirós et al., 2004).

Os cenários encontrados nesse estudo, com maior influência do estuário na plataforma interna em setembro de 2005 e entrada de águas frias provenientes das regiões mais ao largo em março de 2006, apresentam as duas principais fontes de nutrientes para o ecossistema da plataforma continental interna e média ao largo de Santos. A superioridade nos valores dos indicativos de higidez em março de 2006 indicam uma situação mais favorável para essa época do que em setembro de 2005. Porém, o fato das diferenças verificadas nos indicadores de higidez das larvas serem sutis, pode decorrer certa semelhança nas condições nutricionais, mesmo que ocasionadas por fenômenos diferentes.

Ainda considerando o panorama hidrográfico das coletas, não é possível, com base nos dados apresentados, identificar quando os processos apresentados tiveram início. Entre o enriquecimento da coluna d'água e o surgimento de melhores condições de alimentação para o ictioplâncton são necessários processos envolvendo as relações tróficas, que passam pelos produtores e consumidores de diferentes níveis e de diversas classes de tamanho, processos esses que demandam algum tempo. Dessa forma, a condição de higidez encontrada no presente trabalho pode ter sido influenciada por situações ocorridas imediatamente antes das coletadas e sobre as quais não há informações disponíveis.

A estratificação da coluna d'água é apontada por diversos autores como fator importante para o sucesso de larvas de clupeiformes. Jablonski & Legey (2004) estudaram o recrutamento de Sardinella brasiliensis na Plataforma

Sudeste do Brasil e encontraram um favorecimento da sobrevivência das larvas em um ambiente estratificado e estável, previamente enriquecido pela ressurgência. Já, Bergeron (2000) mostrou que ventos fortes ocasionando homogeneização dos primeiros 30 m da coluna d'água em alguns pontos da Baía de Biscaia geram uma queda na condição nutricional de larvas de

Engraulis encrasicolus. Na Península Valdez (Argentina), também foi reportada

melhor condição nutricional para E. anchoita em regiões onde houve

estratificação da coluna d'água, sendo que os autores afirmam que esse resultado está relacionado a uma maior concentração de alimento nas

camadas superiores (Clemmesen et al. 1997). De fato, maior concentração de

alimento em ambientes estratificados é o que relata a hipótese de Lasker (1975), formulada para a maior probabilidade de sobrevivência das larvas de

Engraulis mordax.

No presente estudo, foi possível verificar importantes fontes de enriquecimento das massas de água nas duas épocas amostradas e a presença de estratificação vertical no campo de densidade, com maior intensificação em março de 2006. É possível que, independente de qual das fontes tenha proporcionado um maior aporte de nutrientes para a zona eufótica, a maior estratificação da coluna d'água em março de 2006 tenha ocasionado melhores condições de higidez para as larvas de engraulidídeos, como exposto anteriormente. A presença de picnoclina pode ser um indicativo de melhores condições de alimentação para as larvas de peixes, já que as partículas

orgânicas no oceano costumam ter densidade tal que sua taxa de afundamento, nesses casos, é diminuída com a profundidade. Assim, a picnoclina é uma região de alta concentração de nutrientes, que favorece toda a trama trófica (Bakun, 1996), havendo um maior agrupamento não só de partículas, mas do fito- e do zooplâncton, proporcionando um ambiente mais favorável para que a larva encontre alimento.

Estudos sobre a condição nutricional de larvas de E. anchoita na região

do cabo Frio (RJ) mostram, através de análises bioquímicas, que em situações nas quais foi possível verificar o fenômeno de ressurgência costeira, as larvas apresentaram melhores condições (Dias, 1995 e Dias et al., 2006). Como é

sabido, durante a ressurgência não só há o enriquecimento da zona eufótica como uma acentuada estratificação vertical, verificada tanto pela termoclina como pela picnoclina marcantes. Além disso, padrões de distribuição do ictioplâncton são influenciados pelas porcentagens da Água Central do Atlântico Sul e da Água Costeira também na região do cabo Frio (Lopes, 2006).

Dados de clorofila-a (Cl-a), obtidos nos mesmos cruzeiros relatados neste trabalho, mostram uma concentração equivalente para as duas épocas de coleta (média de 0,92 mg/m3 em setembro de 2005 e de 0,91 mg/m3 em março de 2006) (Gianesella, 2007). Já em relação à Cl-a ativa (porcentagem da Cl-a total que é capaz de realizar fotossíntese) ocorreram maiores valores em setembro de 2005, indicando melhores condições fisiológicas do fitoplâncton nessa época. Menores porcentagens de Cl-a ativa podem indicar maior mortalidade natural do fitoplâncton, ou excesso de predação, uma vez que um aumento na densidade de organismos do zooplâncton pode gerar uma

intensificação na predação do fitoplâncton, diminuindo assim, a porcentagem de Cl-a ativa.

Martinelli-Filho (2007), também utilizando material coletado nos mesmos cruzeiros deste estudo, verificou que a densidade de zooplâncton foi significativamente maior em março de 2006. Porém, como a rede utilizada no trabalho citado apresenta 330 m de malha, os organismos-alimento das larvas de peixes não ficam retidos por seu menor tamanho, não representando, portanto, os organismos predados pelas larvas de engraulidídeos. De qualquer forma, seus resultados sugerem um ambiente planctônico mais rico e diversificado em março de 2006.

A partir de material parcialmente coletado nas mesmas épocas (outubro de 2005 ao invés de setembro de 2005 e março de 2006), Miyashita (2007) encontrou densidade de zooplâncton significativamente maior em março de 2006, tanto utilizando rede de plâncton com malha de 300 m quanto de 64 m. As médias e desvios padrão dos valores de densidade (indivíduos/m3)

encontrados para a rede de 300 m foram: 519 ± 229 ind/m3 (outubro de 2005)

e 950 ± 480 ind/m3 (março de 2006), e para a rede de 64 m as médias foram:

4846 ± 4589 ind/m3 (outubro/05) e 26008 ± 21000 ind/m3 (março de 2006). Essas informações permitem não só o entendimento das melhores condições de higidez das larvas em março de 2006, como da diminuição da Cl-a ativa nessa mesma época, que certamente deve-se à intensificação da predação.

De fato, é discutido por Kimura et al. (2000) que o aumento da

produtividade dos copépodes traz, como conseqüência, aumento na disponibilidade de alimento para as larvas, principalmente aquelas em início de alimentação exógena, cujo alimento tem tamanho reduzido. Além disso,

Chícharo et al. (2003) relatam que larvas de sardinha em boas condições são

encontradas em situações de maior biomassa de zooplâncton de menor classe de tamanho.

Como relatado anteriormente, não é possível saber, através dos dados apresentados, se as situações, tanto hidrográficas quanto da concentração de zooplâncton, já estavam presentes na área antes das coletas. Bergeron (2000) verificou, para a Baía de Biscaia uma diferença de dois dias e meio entre a ocorrência de um processo hidrográfico e a alteração na condição nutricional, através de análises bioquímicas, para as larvas de E. encrasicolus. Por outro

lado, resultados que dependem de mudanças estruturais como os indicadores morfológicos utilizados no presente estudo, certamente só irão sofrer alterações após decorrido um período maior de tempo. Tudo indica que, se as condições apontadas em março de 2006 perduraram, as larvas de engraulidídeos foram ainda mais beneficiadas, já que a disponibilidade de grande concentração de zooplâncton com a estratificação vertical da coluna d'água gera um ambiente bastante favorável ao desenvolvimento desses organismos.

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