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Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior

2.2 Hipótese do efeito da terceira pessoa

Os atores sociais envolvidos nos conflitos socioambientais buscam, de acordo com Little (2001, p.118), “promover seus próprios interesses de tal forma que estes conflitos, além de possuírem uma base material, também contêm disputas semióticas

e discursivas” com o intuito de gerar opinião pública7 favorável. Os

conflitos giram em torno não só da disputa pelo conhecimento dos impactos, como também, pela formação da opinião pública sobre eles. Isso não foi diferente no caso de Belo Monte.

Como os documentos elaborados sobre a viabilidade e os impactos de empreendimentos hidrelétricos são de difícil acesso e possuem uma linguagem técnico-científica de difícil compreensão, boa parte da população, acaba buscando informação em fontes secundárias midiatizadas, que se tornam um importante meio de

formação de opinião sobre tais empreendimentos e

consequentemente sobre os conflitos socioambientais.

Mesmo que estas comunidades sejam sensíveis à questão ambiental, o desafio encontrado, de acordo com Carvalho (2010) é:

[...] encontrarmos os meios adequados de comunicação que nos permita dialogar com a população, informando-a sobre as consequências do atual modelo não somente aos/às habitantes da Amazônia e à floresta, mas também ao país e ao planeta, buscando mobilizá-la em defesa de uma legislação ambiental que impeça a destruição do meio ambiente e que proteja os modos de vida dos povos originários, de ribeirinhos, de extrativistas e outros segmentos que mantêm relação diferenciada com a natureza (CARVALHO, 2010, p. 21).

7

O termo “opinião pública” tem em cada época valor e significado variável. A opinião pública seria um agregado de opiniões particulares que se tornam públicas. Na comunicação, a expressão não necessariamente representa a opinião da maioria, mas sim a opinião publicada.

A comunicação se caracteriza, de modo geral, pela estrutura emissor/mensagem/receptor. Com a presença dos meios de comunicação de massa, o alcance do número de receptores de uma mensagem foi ampliado (de um para muitos). Porém, com a chegada da internet a relação emissor/mensagem/receptor foi significativamente mudada (de muitos para muitos), de acordo com Lemos:

a nova dinâmica técnico-social da cibercultura8 instaura uma estrutura midiática ímpar na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode, a priori, emitir e receber informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações (escrita, imagéticas e sonora) para qualquer ligar do planeta (LEMOS, 2003, p. 13).

A comunicação pós-massiva, transforma o sujeito em emissor e receptor ao mesmo tempo. Agora a comunicação deixa de ser mediada por uma instituição de comunicação para chegar a uma massa de receptores. Isto irá influenciar “nas formas de produção e distribuição de conteúdo informacional” (LEMOS E LÉVY, 2010, p. 73). Por conta desse fluxo emaranhado, por onde uma informação pode correr, fica cada vez mais difícil determinar uma fonte de informação que sozinha seja formadora de opinião.

Muitas são as teorias que têm como foco a comunicação e que tratam de aspectos específicos do processo comunicativo (SANTOS, 2003). Inicialmente, elas viam nos meios uma capacidade surpreendente de persuasão frente a uma sociedade “incauta”. Imaginavam não ter limites a sua influencia. Porém, à medida que as previsões dos estudiosos não se concretizaram sobre esse poder dos meios, as teorias passaram a explicar a função dos meios dentro da construção da realidade pela sociedade (WOLF, 2005).

8 “A cibercultura é a cultura contemporânea marcada pelas tecnologias digitais. Vivemos já a

Um evento particular que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, chamou a atenção, mais uma vez, para os efeitos da comunicação de massa. O exército japonês decidiu atacar os soldados americanos com uma “arma”, até certo ponto inusitada. Em um dos campos de batalha em Iwo Jina os japoneses lançaram panfletos direcionados aos soldados americanos negros. Advertindo-os a voltarem para casa porque aquela guerra não era deles, mas sim de homens brancos, e que por isso, eles não deveriam arriscar suas vidas por eles. O gesto que poderia ter sido considerado uma medida desesperada, acabou dando resultado. Os oficiais, americanos brancos, temendo a repercussão do panfleto sobre os soldados negros decidiram, na manhã do dia seguinte, bater em retirada (DAVISON, 1983).

Ao se deparar, na década de 1950, com esse relato o sociólogo W. Phillips Davison desenvolveu a Hipótese do Efeito da Terceira Pessoa, no intuito de tentar explicar fenômenos como este, em que os indivíduos assumem que a comunicação exerce maior influência nos outros que em si mesmos (DAVISON, 1983). A hipótese surge retomando as discussões quanto aos efeitos da mídia, só que agora são os efeitos imaginados ou esperados pelos receptores de conteúdos.

No artigo que publicou nos anos de 1970, Davison propôs que os indivíduos percebem que a comunicação persuasiva exerce maior efeito nos outros que em si mesmo, que estes tendem a exagerar ou superestimar os efeitos que a mídia exerce na opinião pública, e ainda que essas percepções podem influenciar o comportamento próprio. Conforme explica o autor:

In its broadest formulation, this hypothesis predicts that people will tend to overestimate the influence that mass communications have on the attitudes and behavior of others [...] Any effect that the communication achieves may thus be due not to the reaction of the audience but rather to the behavior of the ostensible audience but rather to the behavior of those who anticipate, or

think they percieve, some reaction on the part of others (DAVISON,1983, p.3)9.

Para Davison, os indivíduos acreditam que quando expostos a uma mensagem persuasiva, esta não terá um grande efeito ‘em mim’ (primeira pessoa) ou no ‘você’ (segunda pessoa), mas sim ‘neles’ (terceiras pessoas). Os efeitos gerados pelas ações daqueles que antecipam alguma reação por parte dos outros (terceiras pessoas), e agem como resultado disso, Davison (1983) chamou de ‘efeito da terceira pessoa’.

Estudos posteriormente desenvolvidos pelo autor e por outros

pesquisadores10 revelaram que as pessoas tendem a superestimar o

efeito da comunicação na opinião pública. Um desses efeitos gerados é que, quem se percebe do lado da questão considerada favorável, pode se sentir livre para expressar sua opinião, enquanto que aquele que está do lado oposto, menos favorável, tende a se silenciar11

(Davison, 1993).

Davison (1993) observou que apesar da tendência de acreditar que os meios exercem mais influência “neles”, isto acaba por ter efeito no “eu” também. Exemplos disso são: a bolsa de valores, em que a percepção sobre como uma informação vai ser aceita por outros pode ter uma influencia direta nas decisões sobre as ações; e, também, no cerceamento de informação, comum em governos autoritários, sob a premissa de que uma informação pode ser perigosa, ou não ser compreendida pela população.

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Tradução livre: “Na sua formação, essa hipótese prevê que as pessoas tendem a superestimar a influência que a comunicação de massa tem nas atitudes e comportamento de outros [...] E, independente desses indivíduos estarem entre o público alcançado, o impacto que eles esperam que essa comunicação tenha em outros pode levá-los a tomar certas atitudes. Qualquer efeito que essa comunicação traga, pode então, se dever não à reação do público alvo, mas sim ao comportamento daqueles que antecipam, ou pensam que são capazes de perceber / antecipar, alguma reação por parte desses.”

10

Como Gunther (1991), Gunther e Thorson (1992), e Yang (2005).