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Hipótese de Movimento de Constituintes

Em seu trabalho The syntax of adjectives (2010), Cinque propõe uma abordagem que trata a semântica e a sintaxe dos adjetivos unificadamente. A sugestão de que adjetivos entram na estrutura de DPs de duas formas talvez seja o principal ponto defendido pelo autor: adjetivos são originados ou como modificadores sintagmáticos diretos de núcleos funcionais da projeção estendida de N ou como predicados de relativas reduzidas, gerados acima da projeção funcional que apresenta o primeiro tipo de adjetivos. Cada uma dessas formas de gerar adjetivos está associada a diferentes propriedades interpretativas e sintáticas. Os dois tipos de modificação adjetival são gerados no campo pré-nominal, mas cada um deles passa por um tipo diferente de movimento sintagmático (de fato, o autor assume que há movimento

de constituintes) para se tornarem pós-nominais. No quadro abaixo, apresentamos a ordem que os adjetivos se encontram quando concatenados (merged) mas ainda não movidos.

Modificação Indireta (relativa reduzida)

Modificação Direta

[Det. [stage-level (ou individual-level) [individual-level NP]]]

[Det. [restritiva [não-restritiva NP]]]

[Det. [relativa implícita [modal NP]]]

[Det. [intersectiva [não-intersectiva NP]]]

[Det. [relativa (a uma classe de comparação)

[absoluta NP]]]

[Det. [comparativa (com superlativos) [absoluta (com superlativos) NP]]]

[Det. [específica ou não específica [específica NP]]]

[Det. [proposicional “desconhecido” [avaliativa “desconhecido” NP]]]

[Det. [dependente do NP “diferente” [anáfora discursiva “diferente” NP]]]

[Det. [dêitico [genérico NP]]]

[Det. [interpretação literal [interpretação idiomática possível NP]]]

Mais distante de N Mais próximo a N

Ordenado não-rigidamente Ordenado rigidamente

Quadro 1: Propriedades associadas à modificação direta e à modificação indireta; as colunas seguem a ordem da posição de inserção do adjetivo, ainda sem movimento. Fonte: Prim (2010).

Sumarizando o quadro acima, se nos referirmos a APs com leitura individual-level, não-restritiva, modal, não-intersectiva, absoluta, específica, avaliativa e dependente do NP como “APs de modificação direta”, a ordem que encontramos esses APs no DP deve ser conforme segue:

(54) AP modificação direta > N > AP modificação direta > AP de uma sentença relativa reduzida

(55) a. As estrelas visíveis invisíveis

b. ?As estrelas invisíveis visíveis19.

O exemplo mostra claramente como adjetivos individual-level (que são adjetivos caracterizam o nome atemporalmente), que são de modificação direta, devem estar mais próximos do nome na posição pós-nominal em português que adjetivos stage-level (modificação com limites temporais), que são de modificação indireta. Para chegarmos à ordem [NP > AP modificação direta > AP relativa reduzida], comum nas línguas românicas, é preciso que o NP mais o domínio da projeção que contém os adjetivos de modificação direta se movam sobre a relativa reduzida ((Red) RC), e que haja movimento do NP sobre o(s) adjetivo(s) de modificação direta. Segundo esta proposta, os adjetivos pós-nominais do PB, portanto, podem ser ambíguos porque podem tanto emergir da fonte de modificação direta (contendo a mesma interpretação disponível na posição pré-nominal) quanto da de modificação indireta (contendo a interpretação que só é possível no campo pós-nominal). A representação estrutural a seguir, extraída de Cinque (2010, p.16 do capítulo 3), pode tornar mais claro o que o autor está propondo.

(56)

19 Podemos imaginar um contexto no qual (55b) seria aceitável: temos estrelas visíveis, que seriam as mais

próximas, e invisíveis, as mais distantes. Dentre as invisíveis, podem ser vistas algumas em um observatório, através de um bom telescópio. Então aquelas seriam estrelas invisíveis visíveis. Isto, no entanto, não invalida a generalização que se está propondo.

O autor propõe uma única posição SpecFP para cada classe lexical de adjetivo, ou seja, o autor está propondo que adjetivos sejam gerados em projeções funcionais próprias para cada classe lexical de adjetivo: cor, nacionalidade, tamanho, etc. Na árvore acima, em SpecFP1 temos a posição de base de adjetivos de modificação indireta, marcado na estrutura abaixo por (Red) RC; já AP1 e AP2 apresentam as posições de base para adjetivos de modificação direta (em SpecFP5 e SpecFP3, respectivamente).

A posição pré-nominal do adjetivo de modificação indireta ((Red)RC) é mais alta que as posições que apresentam adjetivos de modificação direta (cf. posições AP1 e AP2 em (56)). Isso significa que o constituinte formado pelo NP e o(s) adjetivo(s) de modificação direta (ou seja, toda a porção da estrutura que está dentro da caixa em (56)) deve se mover obrigatoriamente sobre o AP de modificação indireta. APs de modificação direta podem preceder ou suceder o nome; caso esses adjetivos sucedam o nome, está implicado que o NP também deve se mover sobre os APs de modificação direta, conforme aponta a seta dentro da caixa em (56). Deixamos claro que o movimento ocorre como uma justificativa da ordem final encontrada , ou seja, o nome se move para satisfazer apenas a leitura e o posicionamento do adjetivo. Nos exemplos abaixo, adaptados de Cinque (2010), utilizamos o adjetivo novo, que é um adjetivo de modificação direta quando significa há pouco tempo, mas também pode ser de modificação indireta com o significado de pouca idade.

Modificação direta:

(57) a. Pedro é um novo físico (físico há pouco tempo)

b. Um [... [novo (= pouco tempo) [...[físico]]]]  movimento do NP c. Um [... [novo (= pouco tempo) [físico [... [ t ]]]

(58) a. Pedro é um físico novo (físico há pouco tempo)

b. Um [... [XP novo (= pouco tempo) […[ [ físico ]]]]..  movimento do NP c. Um [... [... [novo (=pouco tempo) [físico]]]]  mov. de NP

d. Um [... [físico [novo (=pouco tempo) [ t ]]]

Modificação indireta:

b. Um [novo (= pouca idade) [XP novo (= pouco tempo) […[ [ físico ]]]]]  movimento do NP

c. Um [novo (=pouca idade) [... [XP novo (=pouco tempo) [físico]]]] mov. do XP sobre o adjetivo novo (=pouca idade)

d. Um [XP novo (=pouco tempo) [ físico ]] [novo (= pouca idade)] [ t ]

Essa análise responde aos problemas levantados por Cinque anteriormente, ou seja, explica a ordem espelhada dos adjetivos nas línguas românicas e germânicas, explica por que um adjetivo pós-nominal pode ter escopo sobre um pré-nominal (ele é gerado numa posição mais alta).

Mas essa análise também apresenta diversos pontos negativos. O primeiro problema em Cinque (2010) surge ao nos depararmos com leitura restritiva (cf (60)) ou com ambiguidade na posição pré-nominal (cf (61) e (62)).

(60) Eu me encanto pelos belos carros vermelhos de corrida. (61) A polícia faz vistoria na frente do antigo Hotel Diplomata.

a. A vistoria é feita na frente de onde antigamente ficava o Hotel Diplomata. b. A vistoria é feita na frente do Hotel Diplomata, que é um hotel antigo. (62) O hábil jogador

Em (60), vemos que o adjetivo belos pode estar restringindo o grupo dos carros de corrida pelos quais eu me encanto, uma leitura inesperada na proposta de Cinque. Observando (61), vemos ambiguidade no adjetivo pré-nominal antigo, mas poderíamos pensar que este funcionaria de certa forma como um nome, visto que está acompanhado de um nome próprio. Mas em (62) também temos ambiguidade do adjetivo pré-nominal hábil, que pode ser não-restritivo, visto que ser hábil é uma característica que se pressupõe compartilhada por todos os jogadores, ou restritivo, e assim o jogador seria mais hábil que os outros jogadores.

Outro problema é que esta análise não é capaz de explicar a falta de ambiguidade em uma administradora sensual e a ambiguidade em uma bailarina sensual, como mostrado no exemplo (45). Ou seja, assim como a HMC, a Hipótese de Movimento de Constituintes

não espera que o nome ou mesmo o determinante exerçam qualquer papel na predição de ambiguidade no DP. Abaixo temos duas sentenças genéricas com diferentes julgamentos de gramaticalidade. A única diferença é o tipo de determinante que encabeça cada um dos DPs.

(63) a. Uma brutal agressão deixa marcas inelidíveis na mente da vítima.

b. *A brutal agressão deixa marcas inelidíveis na mente da vítima20.

Este mesmo contraste não existiria se a sentença não fosse genérica.

(64) a. Uma brutal agressão ocorreu na noite de ontem no Parque Vila Velha.

b. A brutal agressão ocorrida no parque na noite de ontem foi severamente recriminada pela mídia.

Também não nos parece claro como essa teoria explicaria o fato de que há uma certa liberdade na ordem dos adjetivos, mesmo dos pré-nominais. No exemplo que segue, percebemos diferenças nas relações de escopo, e por isso os DPs abaixo não tem o mesmo

significado21. Em (65a), há uma construção que supostamente é uma velha igreja românica;

em (65b), há uma velha igreja que supostamente é uma igreja românica.

(65) a. La supuesta vieja iglesia románica b. La vieja supuesta iglesia románica

A Teoria de Cinque (2010) não é capaz de explicar como um adjetivo que pode ser pré ou pós-nominal pode aparecer numa posição mais alta que um exclusivamente pré-nominal,

como é o caso de velho22 e dos adjetivos mero e meio apresentados nos exemplos (36) e (37).

Por fim, esta proposta também não prevê quando o nome (e o adjetivo de modificação direta) deve parar de se mover para posições mais altas. Parece que há diferenças entre as

20 É agramatical como sentença genérica, mas poderia ser gramatical como uma sentença episódica.

21 Esta relativa liberdade na ordem dos adjetivos e a limitação no número de adjetivos pré-nominais é

comumente apresentada como argumento contra a análise de adjetivos como especificadores de um grupo de categorias funcionais.

línguas românicas e a quantidade de movimento é estabelecida por fatores outros, particulares de cada língua.