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O ponto de partida para a formulação das hipóteses é a possiblidade de se estabelecer uma interação entre a teoria da agência, que busca explicar a intenção do agente em maximizar o bem-estar do principal (JENSEN, 1983), e a teoria da despesa fundada no fracasso do mecanismo do mercado em responder plenamente a verdadeira necessidade da sociedade (BHATIA, 2012).

Do ponto de vista econômico, não existe uma solução “de mercado" para determinar o nível de despesas em bens públicos (MUSGRAVE, 1939, 1956, SAMUELSON, 1954, 1995). Enquanto as regras de oferta e demanda refletem a necessidade dos bens de consumo privado, o mesmo não acontece para os bens de consumo coletivo. Como a mesma quantidade será consumida por todos, não há como excluir indivíduos dos benefícios resultantes. Assim, as preferências não se revelam por demandas de mercado espontâneas. O princípio da exclusão, essencial para negociação, não pode ser aplicado e, por isto, o mecanismo de mercado é inerte. Em face desta ineficácia do mercado, o Estado propõe um processo político de tomada de decisão.

Samuelson (1995) mostrou que é difícil conceber um mecanismo que possa gerar sinais adequados em relação às verdadeiras preferências da sociedade. Além

disso, mesmo que seja possível conceber um sistema de sinalização à prova de falhas para determinar as preferências da sociedade, tal sistema pode ser inconclusivo ou contraditório (BHATIA, 2012). O paradoxo de Arrow (1950) fornece uma explicação clássica para tal incongruência. Deste modo, sob um modelo de seleção, a decisão pelo voto dificilmente será unânime, logo, o resultado não será o ideal.

Todavia, o mecanismo de votação deve ser concebido de modo que seja o mais próximo de uma verdadeira declaração de preferências e, portanto, aproximar-se o mais possível dessa solução que seria obtida se o princípio de exclusão e as forças do mercado pudessem ser aplicados (MUSGRAVE, 1956). Nas palavras de Samuelson (1954):

[...] no decentralized pricing system can serve to determine optimally the[se] levels of collective consumption. Other kinds of "voting" or "signaling" would have to be tried [...] Of course utopian voting and signaling schemes can be imagined [...] The failure of Market catallactic in no way denies the following truth: given sufficient knowledge the optimal decisions can always be found by scanning over all the attainable states of the world and selecting the one which according to the postulated ethical welfare function is best. The solution "exists"; the problem is how to "find" it. (SAMUELSON, 1954, p. 388–389).

A literatura de accountability eleitoral observa o processo eleitoral como questão diferente do problema de seleção. Os modelos de controle retrospectivo adotam o problema de agência e representam um contexto de risco moral e, por isto, fornecem explicação alternativa para a questão das eleições. Nestes modelos de accountability pura, as eleições representam uma questão de avaliação do candidato à reeleição. O modelo de voto retrospectivo permite compreender o processo eleitoral como uma questão de ordenamento cardinal em dois níveis. Sob o primeiro nível, o voto decorre de avaliação binária do candidato, por conseguinte, o voto representa aprovação ou reprovação unidimensional. No segundo nível, o voto decorre de processo subjetivo que permite ao eleitor dar a cada política pública uma nota independente e assim transformar uma avaliação multidimensional em voto de aprovação. Diversos autores, inclusive o próprio Arrow, argumentam que os métodos de voto cardinal detêm um maior conteúdo informacional e por isto são superiores aos métodos ordinais (CONKLIN; SUTHERLAND, 1923; KIM, 2017; MAIO et al., 1996; SCIENCE, 2012; VASILJEV, 2008).

Se o voto for retrospectivo (ou ao menos detenha significativo componente desta natureza) haverá incentivos para que os governantes atendam às demandas

dos cidadãos. Assim sendo, deve haver correlação entre políticas públicas implementadas durante um dado mandato, gastos e desempenho eleitoral de candidatos à reeleição.

Sob a perspectiva econômica, despesas representam a base monetária da oferta de bens e serviços. Assim, despesas públicas carregam informação de esforços de implementação de políticas públicas e, portanto, podem constituir proxy adequada para percepção da atividade pública pelo cidadão.

A hipótese perquirida, de julgamento e preferência pelos gastos com saúde, busca testar se existe voto retrospectivo em relação à evolução dos gastos com saúde e, a partir daí, levantar evidências da preferência do cidadão brasileiro pela alocação de recursos municipais em saúde. Espera-se que as evidências sejam congruentes com o modelo de controle retrospectivo, quer dizer, pressupõe-se que o eleitorado brasileiro julga os candidatos com base na evolução dos gastos públicos com saúde. Há três razões pelas quais os indivíduos podem preferir determinadas políticas ou padrão de despesa pública: gosto pessoal, renda e custo tributário (DENZAU; MACKAY, 1976; FERRIS, 1985; GRAMLICH; RUBINFELD, 1982; ROSEN; GAYER, 2007; SAMUELSON, 1954; STIGLITZ, 2000). Gramlich e Rubinfeld (1982) propuseram um modelo de demanda concentrado nos aspectos econômicos da questão. Isolado o determinante subjetivo, por derivação, poder-se-ia prever a preferência do eleitorado brasileiro por gastos municipais com saúde pela diferença entre a despesa cientificamente estimada (demanda) e a incorrida (oferta). Na ausência de trabalhos que tragam estes dados para a população e contexto ora estudados, não foi estabelecido pressuposto acerca da preferência por gastos públicos municipais com saúde, se negativa ou positiva.

Ha Não existe relação entre evolução de gastos públicos municipais com saúde e voto para prefeitos que competem à reeleição no Brasil.

Hb Eleitores brasileiros aprovam prefeitos que aumentam gastos públicos municipais com saúde.

Hc Eleitores brasileiros reprovam prefeitos que aumentam gastos públicos municipais com saúde.

3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA