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A pergunta básica que orienta a pesquisa é a seguinte: o que torna possível e por

que ocorre a expansão da atuação do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal, levando-os a deliberar sobre questões políticas?

A partir dessa pergunta básica, identificaram-se duas hipóteses que foram aplicadas aos estudos de caso objeto da tese, como possíveis causas da judicialização da política no Brasil.

3.2.1 HIPÓTESE 1

A primeira hipótese é a de que a judicialização da política no Brasil decorre do crescente número de demandas 29 sobre questões de natureza política.

Para a operacionalização da primeira hipótese, buscou-se examinar as demandas (ações/consultas) relativas à verticalização das coligações e à fidelidade partidária propostas no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal no período compreendido entre 1988 e 2013.

Preliminarmente, procurou-se abordar os novos direitos e os mecanismos para sua proteção que ganharam contornos constitucionais a partir da promulgação da Carta de 1988. 30

Com efeito, a chamada Constituição cidadã 31 contém o mais generoso rol de direitos e garantias da nossa história constitucional.32 Assim é que, logo no seu início, consagrou a dignidade da pessoa humana entre os fundamentos da nossa República (art. 1º, III) e a prevalência dos direitos humanos como um dos princípios cardeais das relações internacionais levadas a efeito pelo Brasil (art. 4º, III), além de dar um título exclusivo para os direitos e garantias fundamentais, conferindo-lhes aplicabilidade imediata (art. 5º, I) e status de cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV).

29 Para os fins deste trabalho, incluem-se no conceito de demandas, além das ações judiciais propriamente ditas, as consultas formuladas ao TSE, nos termos do art. 23, XII, do Código Eleitoral. Trata-se de instrumentos utilizados pela Corte Eleitoral que têm causado mais impactos no jogo político-eleitoral (MARCHETTI, 2008), visto que as respostas são incorporadas pelas instruções que o TSE publica para regular o processo eleitoral. Mencionem-se, a propósito, as Consultas nºs 715/2002 e 1.398/2007, que deram origem às regras da verticalização das coligações e da fidelidade partidária, respectivamente.

30 Conforme assinala Soares (2010, p. 23), “há uma vocação, na modernidade, para a constitucionalização do direito privado. Cada vez mais questões que dizem respeito às relações sociais são transferidas para o nível constitucional, na crença de que, assim, serão mais garantidas, mais respeitadas”. Esse fato implica uma maior participação do magistrado, sobretudo aquele que integra a Corte Suprema, nas questões relativas a direitos e garantias fundamentais.

31 Essa expressão é atribuída ao Deputado Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte. 32 Veja-se, a propósito, o Apêndice C sobre os direitos e garantias previstos nas Constituições brasileiras.

Sob o prisma dos direitos e garantias, o texto constitucional introduziu duas mudanças fundamentais: de um lado, reconheceu, além dos direitos individuais e coletivos, os direitos sociais, como o direito ao trabalho, à educação, à saúde, à alimentação, à moradia, ao lazer, à segurança e à previdência social; de outro lado, fortaleceu os instrumentos de proteção desses direitos, como a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade, a ação de descumprimento de preceito fundamental, o mandado de segurança individual e coletivo, o mandado de injunção, a ação popular e a ação civil pública. Com relação à ação direta de inconstitucionalidade, embora as Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a EC nº 1/1969 já a tivessem previsto em seus textos, a Carta de 1988 também inovou nessa área, ao alargar os agentes legitimados para ajuizá-la perante o Supremo Tribunal Federal.33 Assim, ao conferir essa prerrogativa aos partidos com representação no Congresso Nacional, o texto constitucional aproximou os políticos da Corte Suprema.

Portanto, a par da consagração de novos direitos, a Constituição de 1988 colocou à disposição da cidadania um elenco de instrumentos processuais para assegurar a efetividade desses direitos, proporcionando condições para que toda e qualquer questão possa vir a ser judicializada. Em consequência, foi o Judiciário brasileiro, em especial o Supremo Tribunal Federal, 34 alçado a uma posição central na vida pública do País, responsável tanto pela solução de litígios de natureza individual e social, como os de natureza política.

Assim, para operacionalizar essa hipótese, foram examinados os dados estatísticos relativos à propositura e ao julgamento de demandas (ações/consultas) junto ao TSE e ao STF que visavam à tutela desses direitos, envolvendo a verticalização das coligações partidárias e a fidelidade partidária, como a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade, o mandado de segurança (individual e coletivo) e a ação de descumprimento de preceito fundamental, entre outras.

33Antes da promulgação da Constituição de 1988, somente o Procurador-Geral da República poderia propor ação direta de inconstitucionalidade. Agora, podem fazê-lo também as Mesas da Cãmara dos Deputados e do Senado Federal, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o partido político com representação no Congresso Nacional e a entidade sindical ou órgão de classe de âmbito nacional (art. 103, incisos I a IX). Ressalte-se que esses agentes, de modo idêntico, estão capacitados para propor ação declaratória de constitucionalidade.

3.2.2 HIPÓTESE 2

A segunda hipótese é a de que a judicialização da política no Brasil decorre

da omissão do Congresso Nacional quanto à produção legislativa 35 sobre questões de

natureza política.

Para a operacionalização da segunda hipótese, buscou-se examinar se o protagonismo do Judiciário resulta da inércia do Legislativo em definir e aprovar agenda própria sobre matéria política, gerando uma espécie de lacuna legislativa. Assim, em face de um vácuo normativo, o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal passariam a exercer competência plena para editar regras para o caso concreto. Essa análise não se referiu a toda e qualquer produção legislativa do Congresso Nacional, mas, particularmente, aos casos a serem aqui estudados, que dizem respeito a questões partidárias e eleitorais.

Procurou-se, ademais, investigar se a judicialização seria uma decorrência da omissão do Legislativo para a edição de normas capazes de oferecer soluções para determinadas demandas ou conflitos de interesses. Essas soluções, por acarretarem ônus muito altos para os políticos, são deixadas, por vezes, para a decisão dos tribunais.

Nesse sentido, foram analisadas as proposições originadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal no período comprendido entre 1988 e 2013 sobre verticalização das coligações e fidelidade partidária, no que concerne à iniciativa e à aprovação dessas proposições.

Por fim, a partir da discussão teórica exposta no capítulo I, observe-se que a primeira hipótese encontra fundamentos em Ferreira Filho (1994), Arantes (2007), Sadek (2007), Barroso (2011ª e 2011b) e Avritzer (2013), e a segunda hipótese, em Ferejohn (2002), Ibañez (2003), Grimm (2006) e Sadek (2009).

35 Para os fins deste trabalho, a expressão “produção legislativa” se refere tanto à iniciativa das proposições como à transformação destas em espécies normativas, isto é, em leis ordinárias, leis complementares ou emendas constitucionais.