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Pelo que se percebe no ocidente a imagem da África é muitas das vezes colocada como algo longe da civilização, com a visão de que o continente ficou parado em algum momento na história, sem evolução. Quando se trata da questão da modernidade, Appiah (1997, p. 155) nos chama a atenção pelo o seguinte: “[...] mas obviamente, o que significa ser moderno é uma pergunta que africanos e os ocidentais podem formular juntos. E, como pretendo sugerir, nenhum de nós compreenderá o que é a modernidade enquanto não compreendemos uns aos outros”.

Hernandez (2005) informa que as ideias desta “produção dos tempos modernos” revestem-se de uma legitimidade científica que deriva do par dicotômico saber-pode ou seja, a atividade do conhecer passa a ser reconhecida como um privilégio dos que são considerados mais capazes, mais bem-dotados, sendo-lhes, por isso, conferida a tarefa de formular uma nova visão do mundo, capaz de coompreender, explicar e universalizar o processo histórico. Significa dizer que o saber ocidental contrói uma nova consciência planetária constituída por visões do mundo, auto-imagens esteriótipos que compõem um “olhar imperial” sobre o universo.

Assim, o conjunto de escrituras sobre a África, em particular entre as últimas décadas do século XIX e meados do século XX, contém equívocos, Pré-noções e preconceitos decorrentes, em grande parte, das lacunas do conhecimento quando não do próprio desconhecimento sobre o referido continente. Os estudos sobre esse mundo não ocidental foram, antes de tudo, instrumetos de política nacional, contribuindo de modo mais ou menos direto para uma rede de interesses político- econômicos que ligavam as grandes empresas comerciais, as missões, as áreas de relações exteriores e o mundo acadêmico (HERNANDEZ, 2005, p. 18).

Sendo assim, de acordo com a História geral da África III (2010), ao escrever a história de grande parte da África, recorria-se somente a fontes extenas à África, oferencendo uma visão não do que poderia ser o percurso dos povos africanos, mas daquilo que se pensava que ele deveria ser. Tomando frequentemente a “Idade Média” europeia como ponto de referência, os modos de produção, as relações sociais tanto quanto as instituições politicas não eram percebidos senão em referência ao passado da Europa.

De acordo com Domingos (2011), a finalidade da existência do homem na Cosmovisão africana está estabelecido no Universo e é influenciado pela ordem dos seres na natureza. Ressalta que esta finalidade é independente dos desejos do homem, mesmo das suas aspirações mais sublimes. Alguns homens dão sentido à sua existência, orientados pela condição da sua riqueza simbólica, de sua família e pelas suas qualidades hereditárias, pelo poder religioso, acompanhados pelas doutrinas mitológicas e filosóficas etc. Mas, na cultura africana existe o parentesco original entre o homem e a natureza. Um dos fundamentos da arte de viver do africano é a “participação” ou a comunhão profunda com a natureza. Logo, podemos situar as diferenças entre a arte de viver dos ocidentais, europeus e a arte de viver dos africanos.

Tal filosofia é conhecida e definida como “amor à sabedoria”, portanto, a sabedoria em todo povo pode ser encontrada, dependendo da sua realidade e da sua evolução histórica. Antes da chegada dos europeus ao continente, os africanos já produziam e produzem as suas histórias, tinha a sua filosofia, ou seja, a sua sabedoria própria. A sua forma de ver e perceber o mundo ao seu redor.

De acordo com Machado (2012), onde houver seres humanos há filosofia, Platão no seu Eutidemo traz a Filosofia como o uso do saber em proveito do homem. Na medida em que filosofia significa amizade, amor e respeito pelo saber, o filósofo é aquele que ama a sabedoria, que tem amizade e desejo pelo saber. É claro que a ideia do conceito filosófico vai modificando sua definição no decorrer da sua história; hoje a filosofia apresenta-se como uma ação ética, ocorrendo que todos os seres humanos adquirem conhecimento ao longo de suas vivências, a filosofia existe em todo e qualquer lugar, é da ordem do acontecimento, da experiência humana, e do seu respeito ao conhecimento.

Falar da filosofia africana, segundo Machado (2012, p. 6) é

[...] falar pelo meu eu, que não existe sozinho, é falar com os meus pares e não impor regras “filosóficas” que contemplem um universal que não parte de um contexto, pois apenas este é universal. É imprescindível que se fale desde a experiência vivenciada, pois o conhecimento é um acontecimento empírico, daí nosso fazer filosofia africana partir do cotidiano, da realidade local, das danças, dos

mitos, dos ritos, dos contos, da capoeira, dos Babalorixás, das Yalorixás, do/a griô. Faz-se filosofia ouvindo, aprendendo, citando mestres de capoeira, samba, maracatu, referindo-se aos heróis do cotidiano, aos mais velhos de cada lugar, em meio aos renomados nomes da história da filosofia. Experiência que cria e re-cria, uma valorização da cultura e não uma exotização, re-conhecimento do seu valor e de sua grandiosidade.

Em outro ponto, Domingos (2011) relata a concepção global do mundo dos africanos, no que refere à importância dada ao tempo. O tempo é o lugar onde o homem age sem parar na sua luta contra o seu enfraquecimento e para o desenvolvimento e fortalecimento da sua energia vital. Tal é a dimensão principal da religiosidade tradicional africana onde tempo é o campo fechado e a trajetória na qual as forças negociam e se complementam na natureza, no Cosmos e para defender-se contra toda forma de redução do seu ser; para reforçar sua saúde, sua forma física, etc. E este constitui o ideal dos indivíduos como a coletividade na África. E esta concepção do munthu (homem) é incontestavelmente dinâmica e ligada à Natureza.

Ainda de acordo com autor, na África tradicional o tempo é compreendido como “longínquo presente”; o passado é uma vez presente, longínquo, mítico, ancestral, histórico. Ele é multiforme, pluridimensional. O estatuto de idoso, o mais velho, o chefe, é atribuído àqueles que fizeram provas da experiência e da sabedoria. O sábio, maduro pelo tempo, transforma o mais velho da linhagem, dos clãs, em chefe de etnia; este homem do passado, quer dizer, o velho que conhece a vida e os homens de outros tempos (DOMINGOS, 2011).

Por ser mais velha, a pessoa que conhece a vida, se torna praticamente em uma biblioteca em pessoa para os mais jovens. Por isso que o idoso é muito respeitado na cultura africana no geral. O mais velho é mais valorizado que um diplomado, visto que a vida traz experiências que não podem ser adquiridas na academia.

A história da África na sua grande parte foi contada através da oralidade, conhecimento transmitido de geração para geração por meio da fala, os mais velhos da

Tabanca, como é chamada aldeia na Guiné-Bissau, se encarregavam de transmitir o

conhecimento, a filosofia ancestral ao mais novos.

De acordo com Semedo (2010), a historiografia africana vai também lançar mão de informações veiculadas pela tradição oral, as epopeias narrativas das guerras étnicas e suas consequências, as lendas e os mitos sobre a vida dos povos, os grandes impérios, suas ascensões e declínios. Dessa forma, a tradição oral revela-se como uma importante fonte histórica, encarregando-se da perpetuação do ocorrido séculos antes da presença europeia no

continente africano; sem, contudo, desprezar as fontes árabes, arqueológicas e outras de suma importância.

Para os povos africanos tradicionais a fala é sagrada. Antes a história de maioria desse povo era contada oralmente. Isso não significa que não existia escrita na África. Apesar do poder da fala exercer uma grande importância para um africano tradicional, não era só o único meio de transmitir o conhecimento, a escrita também fazia parte da realidade de alguns povos do continente. Mas, ainda nos dias de hoje nas aldeias grande parte dos ensinamentos desse povo continua sendo transmitido por meio da oralidade.

Por existir pouca história escrita pela importância dada à oralidade daquele povo, muitas vezes o que o ocidente sabe sobre a África é escrita pelo próprio ocidente, ou seja, a história da África passou a ser contada e difundida pelo olhar e escrita dos primeiros europeus que tiveram contato com os nativos. Estes transmitiam mais a questão do povo primitivo, que vivia em prol da cultura tradicional antiga e os caracterizava como algo diferente do ocidente, o que não deixa de ser. Assim como olhar para aquele povo desperta a estranheza, por outro lado também pode acontecer o mesmo estranhamento no encontro com diferente. Na fala da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, a autora nos chama a atenção pela questão do “perigo de uma única história”, isto é, o perigo de tomarmos como verdade absoluta uma versão da história, pois toda história tem várias versões, vários sujeitos e perspectivas, de modo que não existe uma história homogênea nem uma única versão de um fato.

Segundo Spivak (2010, p. 14), “a tarefa do intelectual pós-colonial deve ser a de criar espaços por meio dos quais o sujeito subalterno possa falar para que, quando ele ou ela o faça possa ser ouvido”. Para ela, não se pode falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar “contra” a subalternidade, criando espaços nos quais o subalterno possa se articular e, como consequência, possa também ser ouvido.

Em seu relato Mendes destaca a confusão de alguns brasileiros com relação à África. Segundo ela, muitos não a enxergam a África como um continente que, por sua vez, é diverso, e contém vários países, de modo que a interlocutora conta que acaba sendo tratada por muitos como “a aluna africana”, como se a África fosse um país.

Às vezes me incomodava um pouco com algumas perguntas que as pessoas faziam sobre a África e sobre os africanos. E outro, tem muita gente que acha que África é um País. As perguntas que faziam é mais sobre se você é africana e eu sempre respondo sim sou africana, as vezes eu falo eu sou africana, mas complemento também dizendo que eu sou guineense para as pessoas saberem que a África é um continente e não um país. Eu lembro de ter conversado com algumas pessoas e colegas na turma eu explico que a África é um continente que é composto por mais de 54 países, e a partir de então começo a falar do meu país, explicar que no meu

país tem várias etnias, que cada etnia tem sua língua, tem a sua cultura. Daí começo a falar da região onde fica cada etnia, a diferença entre elas. Quando eu começo a chamar o nome das etnias as pessoas ficam curiosas perguntando qual é a minha. Quando eu falo, as pessoas ficam ainda mais curiosas em saber mais sobre. A partir daí começo a perceber mais interesse das pessoas em conhecer, perguntam sempre onde fica, como é que vão conseguir ir para lá, quanto é a passagem para ir, começam a criar interesse em conhecer outros lugares também. Aí eu falo um pouco do meu país, para falar das minhas culturas, do que tem lá que não tem aqui, da diferença entre lá e cá. Falo um pouco da nossa língua, a minha língua e aí as pessoas ficam perguntando se eu sei falar a língua. Às vezes tem mais curiosidade das pessoas tentar entender como a gente se comunica entre si, se tem várias línguas, qual é a língua da comunicação entre esses povos. Então, eu falo que na Guiné- Bissau a gente tem crioulo, que é a nossa língua em comum. E praticamente todo mundo fala essa língua, tanto na capital Bissau como nos interiores. Eu gostaria que todo mundo conhecesse a África, e a Guiné-Bissau, porque o meu país não é só essa imagem de fome e guerra que é passada aqui, é muito mais que isso (Mendes).

Ainda de acordo com Mendes: “Eu não fico chateada quando as pessoas me

chamam de negra, eu sou negra mesmo, tenho orgulho da minha cor, mas o que me deixa chateada é quando a pessoa me chama de negra e eu percebo que ela fez isso com a intenção de ofender”. Com essa fala, observamos que a interlocutora sente o racismo por parte de

algumas pessoas ao chamá-la de negra com a intenção de ofender.

As três mulheres estudantes da UNILAB foram perguntadas se já sofreram racismo no Brasil, todas disseram que chegaram a sofrer racismo de forma indireta. Sobre essa questão apontamos o seguinte relato de Djonú:

Durante um ano que estou aqui já aconteceram alguns episódios de preconceitos comigo, mas não de forma direta, indiretamente, uma delas eu lembro uma vez na igreja uma pessoa não queria sentar na mesma cadeira que eu, preferiu ficar de pé, olhei, fiquei sem entender o que estava acontecendo, só depois vim perceber o que de fato era aquilo, quando compartilhei com a minha professora esse episódio e ela começou a me explicar mais coisas sobre a história do negro no Brasil que muitas das vezes está relacionada ao racismo.