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2. ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

2.4 HISTÓRIA DO LIVRO DIDÁTICO

Para as análises sobre a circulação de livros didáticos utilizados no Liceu de Goiás, utilizaremos como aporte o autor Alain Choppin (2004). Ao escrever sobre a pesquisa histórica e edições didáticas, este autor revela os principais problemas identificados em pesquisas com os livros didáticos como: dificuldades encontradas no estudo destes materiais

impressos; importância que é dada ao livro didático segundo o contexto mundial, sua estrutura e suas funções, tendências de pesquisas e algumas transformações da pesquisa histórica dos livros didáticos.

Choppin (2004) revela em seu texto as dificuldades em se fazer um estado da arte com relação aos livros didáticos. Segundo o autor, por não existir uma definição de livro didático fica difícil identificar o que é e o que não é livro. O autor ressalta que é insensato emitir julgamento de um livro tendo em mãos somente o seu título. Outras dificuldades levantadas por Choppin é o fato de existirem poucos resumos e poucas sínteses e estes não substituírem o texto que foi realmente elaborado pelo autor, além do mais a maioria das pesquisas, geralmente se apresentam como artigos que muitas vezes não são publicados, ou sequer divulgados. O autor afirma que, mesmo com tais dificuldades, uma importância maior está sendo dada ao livro didático e diz que alguns dos fatores se devem ao atual contexto mundial, às causas estruturais e a seu grande número de funções.

Quanto ao contexto mundial, o autor afirma que há um grande número de livros didáticos em todo o mundo e isto acaba chamando a atenção de diversos pesquisadores às questões educacionais, isto se deve a vários fatores. Como por exemplo, interesse das pessoas em pesquisar sua cultura; a publicação de grandes obras que valorizaram a história do livro da década de 80 para cá; melhoria das técnicas arquivísticas.

No que se refere às causas estruturais, o autor destaca o grande número de funções do livro didático e afirma que estas podem sofrer variações “segundo o ambiente sociocultural, a época, as disciplinas, os níveis de ensino, os métodos e as formas de utilização”. (CHOPPIN, 2004).

Neste artigo, o autor atribui quatro funções para o livro didático, sendo: função programática em que o livro didático é referência dos conteúdos a ser transmitidos; função instrumental, em que é usado como um instrumento metodológico; função ideológica e cultural: o livro é um objeto cultural, que ora “acultura e, em certos casos doutrina”, exercendo sua influência de forma explícita ou implícita; função documental: o livro é repleto de trechos que servem para “observação ou confrontação” para que o aluno se torne um sujeito crítico. Dentre estas funções estaremos adotando aquela que destaca o livro como objeto cultural. Um elemento que circula e acultura, sendo mais do que uma simples fonte de conteúdos e trechos para observação.

O livro como objeto cultural carrega marcas de “sua produção, circulação e usos” (VALENTE, 2008, p.72). Desse modo, o livro didático se torna um vetor dos saberes matemáticos que acaba difundindo práticas e normas pelo espaço que circula. Valente (2008

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a) afirma que não há como falar de práticas de apropriação sem levar em conta a materialidade que lhe dá suporte, “o que significa dizer que tais práticas são sempre e necessariamente práticas de transformação de produtos culturais” (CARVALHO APUD VALENTE, 2008 a, p.72).

De acordo com Valente, a produção de um livro didático e sua circulação geralmente está ligada às relações de “subordinação ou subversão que os usuários estabelecem com os dispositivos de modelização das práticas inscritos nos objetos que fazem uso” (CARVALHO APUD VALENTE, 2008 a, p.72-73). Assim, de acordo com as análises, pode-se verificar, por meio dos livros produzidos e que circularam pelo Liceu, momentos em que estes estão bastante afinados com o que o Colégio Pedro II utilizava e, outras vezes, momentos de distanciamento, ou seja, de subversão com o que as indicações do colégio modelo para todo o Estado Brasileiro.

Segundo Valente (2008 b), a trajetória do ensino da matemática sempre foi marcada pela presença do livro didático que em suas páginas pode revelar muito sobre o desenvolvimento desta disciplina no país. No entanto, a tarefa de extrair deste objeto cultural informações relevantes para escrever a história desta disciplina não é tarefa fácil.

Para que os livros didáticos possam servir como importantes fontes de pesquisa de forma a auxiliarem com a escrita da história da matemática escolar, (2008 b) levanta algumas questões: como realizar a triagem e leitura dos livros e, também, como selecionar uma metodologia de pesquisa adequada. Este autor ressalta a importância dos livros didáticos como fonte de pesquisa, como aqueles que marcam propostas inovadoras de ensino desestabilizando “produções didáticas que se apresentam estáveis”; modo como o autor define o conceito de vulgata, proposto por Chervel (1990).

Para (2008 b), tanto as vulgatas, quanto as propostas inovadoras, possuem um papel fundamental na construção da história da matemática escolar e, consequentemente, da história da educação matemática. No entanto, de acordo com o autor, torna-se também necessário ao pesquisador investigar como encontrar as novas propostas de organização de ensino que podem originar novas vulgatas.

O autor chama a atenção do pesquisador para o cuidado em tentar classificar os livros encontrados de forma cronológica, pois muitos deles não têm dados suficientes para esta classificação. Assim, aconselha ao pesquisador que, em vez de tomar um determinado período para se realizar uma pesquisar sobre livros, o que se deve fazer é estudar as coleções de livros encontradas para então periodizá-la historicamente.

Valente (2008 b), ao observar que maior parte dos pesquisadores matemáticos, insiste em enfatizar o conteúdo interno do livro (devido à centralidade que o conteúdo representa para matemática) e em realizar comparações entre livros que contenham os mesmos conteúdos, numa determinada época, nos ensina como “transformar o livro de matemática em fontes para a pesquisa histórica”.

Segundo este autor, o pesquisador deve descartar esta visão estritamente conteudista e estar atento a todas as informações que o livro traz, desde a sua elaboração, desenvolvimento e divulgação, até as finalidades de seu uso que se faz deste objeto cultural. Somente assim, o livro didático de matemática se tornará verdadeira fonte para pesquisa, pois para Valente, “o historiador da educação matemática buscará enredá-lo numa teia de significados, de modo a que ele possa ser visto e analisado em toda sua complexidade que apresenta qualquer objeto cultural. Nessa teia estão presentes múltiplos elementos”. (VALENTE, 2008, p.159)

Com relação às múltiplas abordagens do livro didático, Choppin (2004) chama atenção para duas. Uma delas enxerga o livro como documento para pesquisa de um personagem ou para o estudo de um conteúdo específico. A outra abordagem deixa de lado os conteúdos e concebe o livro como um objeto físico, útil, que pode ser produzido e comercializado. A esta última é que procuramos dar um maior enfoque.

Com relação à análise de conteúdos, Choppin (2004) destaca duas “tendências”: aquelas que analisam questões ideológicas e políticas, muitas vezes ligadas “à nacionalidade ou inserção social e também, contexto local e atualidade”; e as que analisam os conteúdos numa abordagem epistemológica ou didática, se apoiando em uma “disciplina de referência” que possui “suas finalidades, seus conteúdos de ensino, seus métodos de aprendizagem específicos”.

Como nosso objeto de pesquisa se refere à matemática, destacaremos um exemplo que o autor apresenta sobre a tendência ideológica da análise dos livros de matemática. Neste exemplo o autor afirma que “a análise de conteúdo dos livros de aritmética focalizaram-se na enunciação dos problemas que, por exporem situações concretas, remetem-se a certa imagem da sociedade ou difundem, propositadamente, uma mensagem ideológica ou moralizante”. (CHOPPIN, 2004).

No caso da tendência epistemológica, vários pesquisadores começaram a questionar os livros didáticos sobre as finalidades do ensino, conteúdos e métodos. Questões referentes ao papel que a disciplina exerce, principais conhecimentos, organização dos mesmos e métodos de aprendizagem presentes nos livros.

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Além disso, Choppin (2004) afirma em seu trabalho que um maior enfoque vem sendo dado ao estudo dos livros didáticos no ensino secundário,

Mas as disciplinas de maior destaque no ensino secundário e que até então tinham sido relativamente pouco analisadas, como a geografia, as matemáticas ou a gramática ou, muitas vezes, até mesmo negligenciada, como a física, a química a zoologia ou as línguas, antigas e, sobretudo, modernas, têm sido objeto de trabalhos cada vez mais numerosos. (CHOPPIN, 2004, p.558)

O autor mostra que os historiadores de livros didáticos devem dar uma especial atenção a alguns tipos de enfoques e que estes constituem elementos importantes podendo revelar muito sobre uma obra como: o prefácio, que podem trazer projetos e princípios do autor; as observações de rodapé; títulos e subtítulos dos capítulos; resumos; sumários do livro. Ainda Choppin (2004) acrescenta, “com efeito, a tipografia e a paginação fazem parte do discurso didático de um livro usado em sala de aula tanto quanto o texto ou as ilustrações”. (CHOPPIN, 2004).

O autor cita que a pesquisa histórica do livro sofreu algumas mudanças e que entre as principais está a mudança em sua perspectiva. Aquele que antes era considerado divulgador de ideologias passou a ter uma função prática na pedagogia e na didática. Outra mudança seria a respeito do “método”, em que as pesquisas sobre o livro passam do particular ao coletivo, do limitado ao abrangente. Também houve a “mudança de escala”, neste caso, a pesquisa que antes era local passa então a regional e, ainda, busca relações com o contexto nacional e internacional. É nesta última perspectiva que pesquisaremos os livros, buscando articular o local com o nacional, Liceu de Goiás e Colégio Pedro II em relação observando a circulação deste importante objeto cultural.

Na análise desta circulação de livros, estaremos entendendo-os como modelos da cultura escolar. Por meio de programas e reformas de ensino, por meio de lista de pedidos, observando impressos utilizados pelos alunos, obtemos rastros da matemática escolar que circulou no Liceu de Goiás, referenciada pelo Colégio Pedro II e como estes foram sendo apropriados por esta instituição.

Mesmo que o livro represente um dos principais objetos desta pesquisa, outras fontes foram necessárias para que a questão de pesquisa fosse respondida. Ir à busca das fontes, reuni-las e classificá-las não é tarefa fácil para o historiador da matemática escolar, conforme explicitaremos a seguir.