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3. UM PERÍODO TENSO NO CONTEXTO DO LICEU DE GOIÁS (1856-1889)

3.5 PROVAS DO FINAL DO PERÍODO IMPERIAL

As provas de matemática, realizadas por alunos do Liceu, também se tornam importantes indícios de como se deu a representação e apropriação de normas e regras prescritas e livros de matemática que circularam neste estabelecimento de instrução pública goiano. A prova é um dispositivo em que temos dois lados envolvidos: do professor, ou banca de examinadores, que a elabora, elencando, de acordo com seus objetivos, questões capazes de colocar os alunos, que dela participam, em uma escala de diferenciação10 e do aluno que a interpreta, realizando a sua leitura, mas, muitas vezes respondendo de acordo com a leitura do professor, que lhe foi ensinada e que agora teria que representá-la à sua maneira, forma exclusiva de apropriação.

Segundo Valente (2005), as provas servem tanto para verificar de que forma a escola apropria destas reformas, para observar quais exercícios eram elencados como forma de verificar a aprendizagem do aluno, para analisar de que forma a matemática era interpretada por meio dos exercícios nela contidos, quanto para fazer um estudo de como o aluno interpreta e resolve os exercícios nela contidos, podendo revelar importantes características próprias da instituição, do professor da disciplina, ou mesmo de um determinado período. De acordo com este autor,

Os exames e provas escolares são documentos valiosos para, por exemplo, estudo da apropriação realizada pelo cotidiano escolar das reformas educacionais. Essa documentação cria a possibilidade, dentre tantas outras coisas, de análise dos conteúdos selecionados pelos professores como mais significativos de seu trabalho pedagógico com os alunos; os exames e provas podem revelar também a concepção de avaliação dominante num determinado contexto histórico; podem ainda, através da análise dos enunciados dos exercícios e questões, possibilitar a leitura que o cotidiano escolar realiza de uma determinada época histórica; de parte dos alunos, as provas são instrumentos importantes para análise de processos de resolução de exercícios e questões de um determinado conteúdo escolar, além de possibilitar, através de inventário das notas obtidas pelos alunos, o estudo do desempenho dos alunos de diferentes épocas escolares, numa dada disciplina. (VALENTE, 2005, p.179-180)

O autor ainda observa que a partir da análise dos exercícios contidos nestas provas,podemos verificar se realmente os objetivos explícitos dos exames correspondem ao ensino de matemática propriamente dito na instituição. Valente afirma que

10 O que Chervel (1990) denomina escala de excelência, estamos denominando escala de diferenciação, pois, a

prova, criada a partir de uma escala de exercícios, com a atribuição de notas para os mesmos, “aponta” os “melhores”, provocando diferenciações entre aqueles que “sabem mais” (aprovados com distinção) e aqueles que “pouco sabem” (nota boa a sofrível).

Em realidade, os exames e provas, concentram sobre forma de exercícios e questões todos os objetivos explícitos do processo de ensino-aprendizagem de uma determinada disciplina. Ou dizendo como Chervel (1990), as provas poderão permitir uma leitura das finalidades reais do processo pedagógico, a partir das finalidades de objetivo. (VALENTE, 2005, p. 180)

Ao pesquisar nos arquivos escolares do Liceu, encontramos algumas provas em um grupo de fontes pertencentes ao final do período imperial, porém sem uma data determinada. Não havia nelas nenhum dizer do tipo “Prova de Aritmética” ou “Exame de Aritmética”, nem mesmo o nome do examinador. Somente existia um trio de questões (iguais para todos os alunos) com a respectiva resolução, o nome do aluno e o resultado das provas escrita, oral e a média aritmética das mesmas. Por se tratar das mesmas questões para todos, e pela aparência na letra, tinta e forma de expor os resultados, ao que tudo indica as provas foram examinadas pelo mesmo professor e, talvez, realizadas num mesmo dia de exame.

Pelos nomes dos alunos presentes no livro de matrículas, pudemos confirmar que as cinco provas de Aritmética encontradas pertenciam a alunos do Liceu. Tal fato foi constatado por meio da análise dos livros de matrículas e diários de classes do Liceu. Em um mesmo livro de matrículas, no Museu das Bandeiras, encontramos os nomes de Antônio Xavier Nunes, de nº 17; em 1889, de Henrique da Veiga Jardim, nº65; Pedro Afonso de Barros – 1889 – n.53; Joaquim Hermógenes de Arruda – 1887 – nº 6; João César da S. Caldas – 1882 – nº 47. Destas provas, optamos por analisar a de Joaquim Hermógenes de Arruda, depois de Henrique Veiga Jardim e em seguida a de João César Caldas, por algumas especificidades. A prova era composta por três questões, na seguinte ordem,

A primeira prova a ser apresentada é a de Joaquim Hermógenes de Arruda (figura 7). Primeira: “12 unidades a quantos nonos correspondem?”

Segunda: “Qual é maior 7/11 ou 3/5?”

Terceira: “Quais são os algarismos que tem valor próprio? E como se chamam?”

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Na primeira questão desta, o aluno perde nota por não apresentar justificativa devida na resolução. Isto pode ser verificado, pois cada questão tinha valor 10 e o aluno recebeu 7, com as seguintes ressalvas: “7 por não ter indicado a operação, isto é

12 =

12𝑥9

9

=

108 9 ”.

Do mesmo modo, o aluno perde pontuações da nota recebendo 8 na questão 2, porque segundo o examinador o problema “não foi explicado como outros”, o que mostra traços do professor, pois o aluno chega comparar duas frações equivalentes às que foram dadas no enunciado, sendo estas, 35

55 e 33

55 , ou seja, o aluno justifica parcialmente, apresentando as frações, mas sem tirar conclusões sobre as mesmas.

Assim, cada questão valia 10 pontos, podendo o aluno conseguir no máximo 30 pontos. Depois esta nota seria dividida por três, resultando no valor total da prova escrita. Na última questão, composta por dois questionamentos, o valor total seria 10, caso ambas fossem respondidas corretamente.

Figura 7 – Prova do aluno, Joaquim Hermógenes de Arruda, realizada no Liceu, no período imperial. Fonte: Museu das Bandeiras, Cidade de Goiás (GO)

Observamos, neste exemplo, a utilização das frações para o registro das notas, no lugar da representação decimal como se utiliza na etapa seguinte. Neste exemplo, o aluno recebeu nota de 81

3 na prova escrita e 8 na prova oral. Na construção do algoritmo da divisão aparece como dividendo, 25, e como divisor, o número 3, resultando como quociente, 81

3. Para o cálculo da média eram considerados outros elementos como, por exemplo, as composições anuais. No caso deste aluno, a média recebida foi de 81

6 .

No caso da prova do aluno Henrique Veiga Jardim, este não justificou a questão número 3. Quando se questiona “como se chamam os algarismos que tem valor próprio”, o aluno apresenta como resposta da questão, “simplificativo”, quando deveria ter respondido “significativos”. Diante deste fato o professor colocou a seguinte ressalva no final da prova: “esta prova parece, não obstante, alguns erros notórios, ter sido inspirada por outra, contanto, para não avançar meu juízo, termino. Dei o grau que julgo merecer”,atribuindo ao aluno média 5, sendo 5 em todas as questões. O professor, de maneira sutil, supõe que o aluno copiou a questão de outro.

A última prova do lote encontrado que apresentamos é a que pertenceu a João César Caldas. Nas análises dos primeiros anos da República conseguimos outra prova deste aluno concorrendo ao cargo de 1º Tabelião. No caso da prova deste aluno, o mesmo recebeu média 81

2.

Como estas se tratavam de provas pertencentes ao final do período imperial, é possível que se seguisse no Liceu de Goiás, programas de ensino semelhantes aos que eram prescritos ao Colégio Pedro II. Como não temos a data exata das provas (sabendo apenas que pertenciam ao final do período imperial) os programas em vigor poderiam ser os de 1870 uma vez que os conteúdos estariam representados pela Aritmética elementar, no primeiro ano. Havia dois livros indicados neste programa de ensino, a Aritmética Elementar de Coqueiro e a Aritmética de Ottoni. Os conteúdos escolhidos para prova, geralmente, eram ensinados no primeiro ano, na disciplina de Aritmética. É provável que a representação decimal, que teve sua maior ênfase, nos programas de ensino do Colégio Pedro II, a partir de 1877, conforme Beltrame, 2000, onde aparece o conteúdo no primeiro ano, “ler e escrever números decimais”. (BELTRAME, 2000, p.27, ponto 11). Certamente, a representação decimal com o uso da vírgula, ainda não havia sido incorporada à prática deste examinador, pelo menos em ações corriqueiras como é o caso da atribuição de notas às provas escritas.

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A partir do contato com as fontes do Liceu, observamos uma Aritmética prática e ainda, a utilização de frações para expressar os “quebrados”. Desse modo, por meio das provas, observa-se que o compêndio adotado poderia ser o de Ottoni, uma vez que não encontramos vestígios da utilização de Coqueiro neste período. Isto remete a uma aproximação do que era proposto no programa de 1870 com que estava sendo apropriado por professores e alunos.

Conforme provas de períodos subseqüentes a este, geralmente, o professor da disciplina era quem corrigia as provas realizadas. No entanto, não podemos afirmar qual professor que as corrigiu, devido à rotatividade de ocupantes da cadeira de matemática no Liceu nos últimos anos do período imperial. Assim, é possível que o professor examinador estivesse entre aqueles que ocuparam a cadeira, neste período, como: Joaquim Rodrigues de Morais Jardim, Pacífico Antônio Xavier de Barros, Antônio Oliveira Andrade, João Cardoso D´Avila, Benedito das Chagas Leite, Eduardo Arthur Sócrates e José Feliciano Rodrigues de Moraes, professores que fizeram parte da história do Liceu de Goiás, assim como Dr. Corumbá o qual inaugurou na Província, a primeira aula de Geometria, deixando toda sua riqueza, após sua morte, para beneficiar esta cadeira.