• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II – O surgimento da crônica nos periódicos brasileiros: o vespertino

1. História do surgimento de crônicas nos jornais: o folhetim

O SURGIMENTO DA CRÔNICA NOS PERIÓDICOS BRASILEIROS: O VESPERTINO CARIOCA A NOTÍCIA

1 História do surgimento de crônicas nos jornais: o folhetim

O surgimento da crônica (como gênero literário) está intimamente associado aos jornais. De início, a crônica jornalística servia para proporcionar comentários dos fatos e notícias da semana, ou seja, era uma espécie de relato. Posteriormente, adquiriu cada vez mais autonomia, conforme interpretado pelo estudioso Davi Arrigucci Jr., em Enigma e comentário.

No passado, o folhetim, “romance quilométrico servido em fatias, picadinho de romance, que, dia após dia, [...] ocupa o [...] rodapé de nossos jornais, como ocupou os de Paris, a partir de 1840, chegando [...] paquete após paquete” (MEYER, 1998, p. 183). O folhetinista é originário da França, onde nasceu, e onde viveu de sua maneira.

Foi justamente o cruzamento entre a vida literária e a imprensa, num momento de necessidade contínua de informações, que fez avançar a vinculação dos literatos aos jornais, que também se renovam tecnicamente.

Dessa forma, de puras necessidades jornalísticas, surgiu uma nova forma de ficção, um inédito gênero de romance: o folhetim “folhetinesco” de Eugène Sue, Ponson du Terrail, Alexandre Dumas Pai, entre vários outros autores, que contribuíram para a aclimatação desse gênero incipiente em território francês. A partir daí, praticamente todos os romances começaram a ser publicados nas revistas ou nos periódicos em fatias em séries, isto é, em folhetim.

De lá, expandiu-se pelo mundo, principalmente em lugares onde o jornal possuía relevante espaço na época. Ao se espalhar pelo mundo, “o folhetinista tratou de acomodar a economia vital de sua organização às conveniências das atmosferas locais” (MEYER, 1998, p.110), adquirindo, dessa forma, características específicas de cada país, embora sua origem seja francesa.

O Brasil, que sempre sofreu influências francesas, não poderia agir diferente nesse momento: recebeu positivamente o folhetim em todas as suas modalidades, divulgadas pela imprensa do século XIX, revelando, com isso, a forte penetração do romance-folhetim europeu no jornalismo nacional.

Entretanto, a introdução de novidades européias aqui passou por adaptações impostas pela produção literária brasileira. Escrevendo seus textos nos folhetins, os escritores aninhavam o espaço da experimentação e da criação.

Os rodapés, espaço onde o folhetim dominou, apareciam, em geral, na primeira página dos periódicos, revelando, com isso, a grande importância com que os jornalistas os tratavam ao expor freqüentes relatos cotidianos neles. Naturalmente, os folhetins, onde eram publicados os romances, ocupavam o espaço inferior da primeira página, o que revelava o grande interesse dos leitores por estas obras, apesar dessa posição não ser intencional.

Portanto, de início, “le feuilleton: espaço vazio no rodapé de jornais ” (MEYER, 1998, p.118) revela uma grande importância no periódico, ou seja,

o rez-de-chaussèe –rez do chão, rodapé- geralmente o da primeira página. Tem uma finalidade precisa: é um espaço vazio destinado ao entretenimento [...] tudo o que haverá de constituir a matéria e o modo da crônica à brasileira já é, desde a origem, a vocação primeira desse espaço geográfico do jornal (MEYER, 1998, pg.113).

Posteriormente, alguns conteúdos se rotinizavam, e o espaço do folhetim proporcionou local todas as semanas a cada espécie determinada: littéraire (resenha de livros); feuilleton dramatique (crítica teatral), entre outras. Esses diferentes feuilletons e variétés incluíam notícias bem leves, contos, crônicas, anedotas, resenhas e críticas literárias, entre diversas outras.

De fato, “ [...] o folhetim nasceu do jornal, o folhetinista por conseqüência do jornalista” (MEYER, 1998, p.110). Naturalmente, “a crônica possui mesmo origens no folhetim, concebido como artigo compondo espaços semanais de noticiários diários” (CANDIDO, 1992, p.14). Quando apareceu no Brasil, na segunda metade do século XIX, ela lidou com a matéria do folhetim, ou seja, pedaço de página por onde a literatura se aclimatou no jornal, tratando dos temas mais diversos, mas com predominância dos aspectos da vida moderna. Ela está intimamente ligada à imprensa, seu veículo de divulgação e, dessa forma, em uma relação próxima ao público.

Nesse espaço jornalístico, a liberdade do folhetinista parecia ser ilimitada, pois havia uma grande variedade temática utilizada por eles em seus trabalhos cotidianos. O folhetim era um espaço destinado à diversão, cujos autores revezavam no mesmo lugar para evitar homogeneidade.

No entanto, apesar de aparentemente fácil em relação aos temas e ao coloquialismo, é difícil definir a crônica, devido a sua grande simplicidade que, paradoxalmente, acaba se tornando complexa. A linguagem coloquial facilitava para que os cronistas atingissem a consciência do imenso público jornalístico. De fato, a crônica é por si só um fato moderno surgida nos folhetins de nossos jornais.

Nos primeiros tempos, as crônicas, portanto, estavam vinculadas basicamente com os jornais, cujos autores não assinavam seus trabalhos com os seus verdadeiros nomes, preferindo assiná-los apenas com o primeiro nome, as iniciais ou os pseudônimos conhecidos deles, sendo que muitos nem mesmo os assinavam. Brito Broca, em Introdução ao estudo da literatura brasileira, interpretou o uso desses pseudônimos como uma imposição da dignidade burguesa, de homens graves, com sérias responsabilidades, que não podiam assinar com seus próprios nomes versos, contos ou crônicas publicados em jornais.

Os pseudônimos foram usados de maneira a marcar um outro tipo de produção, que era para os nobres, não sendo um anonimato, visto que os leitores frequentemente sabiam quem assinava as produções periódicas, assim como também quem atuava em peças teatrais no século XIX. Certamente, “famílias que não hezitariam

em permitir aos filhos que publicassem livros de qualquer espécie, com o seu nome, não os autorizam a aparecer no palco sem um pseudônimo” (ALBUQUERQUE, 1922, p.13).

Esses escritores escreviam crônicas, que possuíam uma surpreendente variedade de formas, tais como, por exemplo, diálogo, diário, dissertação, poema em prosa:

Evidentemente, as crônicas possuem “uma linguagem solta, de grande alacridade, que, se não elimina uma também bem cabocla importação oratória, dá a certas partes do jornal um tom que sabe a frutinha brasileira” (MEYER, 1992, p.129).

O tempo predominante nas crônicas é o presente, mas nem mesmo o compromisso temporal acaba dominando os escritores, ao passo que, às vezes, eles mergulham no passado, chegando até mesmo, em muitos momentos, a serem atemporais, o que comprova a liberdade destes autores. Realmente, são vários os significados da palavra crônica, “todos, porém, implicam a noção de tempo, presente no próprio termo, que procede do grego chronos” (ARRIGUCCI JR, 1987, p.51).

Se o jornal, pela utilização freqüente do tempo atual, cria uma certa perspectiva futura, os escritores que escrevem suas crônicas só podem transmitir o realismo vivido por eles. Enquanto o pretérito é o tempo da matéria dos romances, o presente é o tempo verbal mais apreciado pelos cronistas, visto que estes valorizam muito o tempo em movimento.

Além disso, as crônicas são aqueles escritos não desmascaradamente ficcionais, visto que não revelam intuito de produzir literatura. Com isso, a liberdade do tom articula-se com a liberdade do assunto, muitas vezes, revelando-se com humor, mesmo que de forma bem sutil.

O jornalismo, que busca ser objetivo sempre, contrasta com a crônica, visto que esta é um espaço franco para uma certa abertura subjetiva, transmitindo muitos aspectos emotivos com oralidade. De fato, o cronista é o único jornalista que pode falar Aquele espaço vale-tudo suscita todas as formas e modalidades de diversão escrita: nele se contam piadas, se fala de crimes e de monstros, se propõem charadas, se oferecem receitas de cozinha ou de beleza; aberto às novidades, nele se criticam as últimas peças, os livros recém-saídos –o esboço do Caderno B, em suma (MEYER, 1998, p.114).

de si próprio, sem medo de ser julgado. A incerteza (marca de subjetividade) deles é contrária ao teor essencialmente objetivo do jornal.

Como se sabe, o jornalismo está preocupado exclusivamente com a informação, tentando escrever no ritmo da máquina, que se transformava rapidamente na época. A linguagem jornalística implica uma padronização e uma homogenização do público (apesar dele ser heterogêneo). A linguagem é de fácil entendimento e, dessa maneira, a crônica, que surgiu nele, aborda temas fáceis, rápidos e cotidianos. A rapidez da informação era um procedimento natural para adquirir os leitores, que estavam sempre ansiosos à espera de reportagens diárias, visto que

O primeiro propósito e responsabilidade de um jornalista é assegurar ao público leitor a informação, informando, interpretando, orientando e entretendo com objetividade nas notícias. Todavia, apesar de, em geral, as crônicas não terem teor objetivo, elas sempre informam, entretendo as pessoas.

Além disso, não existe uma certa demarcação visível entre “literatura” (mais especificamente as crônicas) e “jornalismo”. A literatura consiste em transformar fatos em ideias, mas os jornalistas também fazem isso.

Entretanto, há uma diferença de propósito, ao passo que “o escritor expressa seus próprios pensamentos e experiências, o jornalista expressa os da comunidade” (BOND, 1959, p.18). Apesar disso, as crônicas (vistas como parte da literatura) surgidas naturalmente em contextos jornalísticos, revelam informações da própria vida cotidiana, em seus aspectos sociais.

Realmente, há um sincero envolvimento dos cronistas com os problemas sociais da época. Além disso, a crônica representa um discurso fragmentário (dela e do que se trata: não se preocupa com a totalidade; são fragmentos de assuntos).

A crônica tenta colocar os assuntos cotidianos dentro de um significado mais amplo, ou seja, mais abrangente. Com isso, também procura nas coisas pequenas do cotidiano, fatos que se tornam perenes, visto que aprecia a perenidade. Ela, antes de tudo, tenta se diferenciar, voltando-se justamente para aquilo que ficaria sem ser notado se não fosse a importante figura do cronista.

O empregado público aposentado poderia deixar de comer, mas lá perder um jornal [...]. O jornal é lido, analisado com toda a finura de espírito de que ele é capaz. Devora-o todo [...] (ASSIS, 1959, pg.966).

Para atrair os leitores, os cronistas colocam-se numa relação essencialmente emotiva com o mundo, usando uma linguagem peculiar; nada parecida com o estilo tradicional jornalístico, abusando de um lirismo altamente convincente, respondendo em oposição à rigidez típica da imprensa, ao passo que as crônicas não seguem uniformidade, por serem um gênero bastante heterogêneo e flexível.

Dessa forma, vale registrar que a crônica literária não chegou a ser definida num específico gênero literário, visto que ela utiliza uma grande variedade de gêneros pequenos, dos mais simples aos mais complexos, em sua específica construção, tais como: retratos, cenas dramáticas e cômicas, diálogos diários, tipos, relatos, versos, narrativas, contos, paródias, sátiras, entre vários outros.

As crônicas encontraram no jornal um lugar propício para se desenvolverem, visto que, exatamente como este, não tem nenhuma pretensão de durar, pois pertencem à era da máquina, onde tudo é bem efêmero. Relativamente, “ela não nasceu propriamente com o jornal, mas só quando este se tornou quotidiano, de tiragem relativamente grande e teor accessível” (CANDIDO, 1987, p.6).

Sob vários fatores, a crônica é um gênero tipicamente nacional, pois se aclimatou naturalmente em território brasileiro, além de ter se desenvolvido com bastante criatividade por aqui, o que comprova que suas características são típicas de nossos textos, cujos escritores, sem sombra de dúvida, deram valiosos toques artísticos para consagrar esse gênero tão diversificado.

Documentos relacionados