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FCUP Amphibia

1.4 Sapos-parteiros (Alytes spp.): aspetos biológicos e evolutivos

1.4.4 História evolutiva do género Alytes

A história evolutiva dos sapos-parteiros ainda não está bem esclarecida, refletindo-se na ausência de um cenário biogeográfico consensual. Os resultados filogenéticos obtidos até o momento mostram-se inconclusivos e inconsistentes em alguns aspetos, nomeadamente na determinação dos eventos vicariantes que levaram à diferenciação de algumas linhagens. Este fato pode ser decorrente de restrições nas análises realizadas, seja pela ausência de alguma linhagem evolutiva, a utilização de apenas um marcador genético ou a calibração do relógio molecular.

A linhagem de A. cisternasii terá sido a primeira a divergir, há cerca de 10 a 16 milhões de anos atrás, durante o Mioceno (Martínez-Solano et al. 2004). Dois eventos vicariantes podem estar relacionados com esta divergência: i) o isolamento do Maciço Bético-Rifenho (Arntzen & García-París 1995, Fromhage et al. 2004) que conduziria à especiação em alopatria do sapo-parteiro-ibérico (continente) e um proto-A. obstetricans (maciço); ou ii) a formação de grandes lagos salinos no centro da Península Ibérica, com uma posterior ocupação do Maciço Bético-Rifenho por linhagens de proto-A. obstetricans, proposto por Altaba (1997).

Após a publicação dos trabalhos de Arntzen & García-París (1995) e Fromhage et al. (2004), propõe-se que a fragmentação do Maciço Bético-Rifenho tenha sido o evento responsável pela separação de linhagens ancestrais de Balephryne e A. obstetricans. Durante a crise Messiniense, há cerca de 5,9–5,3 Ma, A. obstetricans terá colonizado a Península Ibérica enquanto as linhagens de Baleaphryne terão permanecido isoladas nas montanhas Béticas. O posterior enchimento da bacia do Mediterrâneo terá isolado as ilhas Baleares, conduzido à especiação de A. dickhilleni, A. muletensis e A. maurus.

Em 2004, Martínez-Solano et al. publicaram uma filogenia multilocus para o género

Alytes, incluindo análises morfológicas, propondo um cenário biogeográfico mais consensual

que se descreve seguidamente (Figuras 10 e 11). A Península Ibérica terá sido colonizada por populações ancestrais do género Alytes. A formação dos grandes lagos salinos no interior da Península Ibérica, há cerca de 16 milhões de anos atrás, seria o evento vicariante responsável pela separação de A. cisternasii, no sudoeste ibérico, das populações restantes localizadas nordeste ibérico. Este stock remanescente expandiu-se e, posteriormente, o surgimento do Estreito Bético terá isolado a linhagem ancestral dos Baleaphryne; permanecendo um segundo grupo na Península, ancestral das demais subespécies de A.

obstetricans. A fragmentação do Maciço Bético-Rifenho poderá ter iniciado a divergência

dos Baleaphryne, todavia seria a abertura do estreito de Gibraltar, com o final da crise Messiniense (em torno de 5,3 milhões de anos atrás), que possibilitaria a divergência entre

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as três espécies deste clado. A rápida radiação dificultou a resolução da politomia referenciada por Martínez-Solano et al. (2004) para este clado. Segundo os mesmos autores, uma migração trans-marítima poderia estar relacionada com a divergência de A.

muletensis. Em 2007, Gonçalves et al., com base em dados de genealogia nuclear (b- fibrinogénio), observaram conflitos no sinal filogenético do clado Baleaphryne, evidenciando

um agrupamento com a linhagem de A. o. almogavarii (Figura 12). Os autores levantaram a hipótese de possíveis eventos de hibridação ou retenção de polimorfismo ancestral para justificar a deteção de uma coalescência mais profunda do que se supunha, colocando não só em discussão a monofilia do clado, mas também o nível de divergência de A. o.

almogavarii em relação às demais subespécies. Segundo Gonçalves (2007) a diversificação

intraespecífica de A. obstetricans poderia estar relacionada com a formação das bacias hidrográficas na Península ou alternativamente associada às glaciações do Pleistoceno. A autora descreve a presença de, pelo menos, duas linhagens altamente divergentes e geograficamente estruturadas com base nas análises do mtDNA, sugerindo processos de divergência em diferentes refúgios ibéricos: um localizado a sul do rio Douro e outro nos Pirinéus. A análise comparada de dados filogenéticos e filogeográficos também forneceu fortes indicações da possível existência, durante as glaciações do Pleistoceno, de um refúgio no nordeste ibérico (Gonçalves 2007).

Figura 10. Árvore ultramérica de Alytes spp. adaptada de Martínez-Solano et al. (2004). Os tempos de divergência, destacados junto aos nós da árvore, foram calculados com base em duas calibrações do relógio molecular: superior - dados proteícos (Beerli et al. 1996); inferior - dados imunológicos (Maxson & Szymura 1984). Ma: milhões de anos atrás. Os principais eventos vicariantes são destacados em linhas tracejadas.

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Figura 11. Cenário biogeográfico com base em Martínez-Solano et al. (2004) e Gonçalves et al. (2007). Ma: milhões de anos atrás. A: aparecimento da linhagem ancestral dos Alytes e ocupação da Península Ibérica. B: Formação dos grandes lagos salinos na região central da Península e/ou drásticas mudanças climáticas promoveram a diferenciação da linhagem ancestral de A. cisternasii (Ac), no sudoeste ibérico, vs. o stock remanescente de Alytes. C: grupo formado pela linhagem ancestral do clado Baleaphryne expande-se em direção ao Maciço Bético-Rifenho. D: Isolamento de Baleaphryne no Maciço devido a reabertura do Estreito Bético. Divergência da linhagem ancestral de A.o.almogavarii (Aoa) vs. ancestral de A. obstetricans (Ao). A crise Messiniense poderia ter facilitado a colonização das Ilhas Baleares pela linhagem ancestral de A. muletensis (Amu). E: a abertura do Estreito de Gibraltar e enchimento do Mar Mediterrâneo, isolando as linhagens ancestrais de A. maurus (Ama),

A. dickhilleni (Ad) e A. muletensis (Amu). F: Diversificação intraespecífica de A. obstetricans e expansão populacional (Aoo - A. o. obstetricans; Aop - A. o. pertinax; Aob. - A. o. boscai).

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Figura 12. Árvores filogenéticas ilustrando as relações entre as várias espécies e subespécies de Alytes adaptadas de Gonçalves et al. (2007). A: gene ND4. B: gene Beta fibrinogénio intron 7. Os números junto aos ramos representam os valores de bootstrap (Máxima Parcimónia/Máxima Verossimilhança) e probabilidades posteriores.

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Objetivos e estrutura da tese

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