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2. CAMINHOS METODOLÓGICOS E ESCOLHAS

2.8. História final

Para que as análises que se seguem possam seguir um fluxo contínuo, desde já transcrevo, na íntegra, a versão final da história construída coletivamente durante a oficina, processo que ocupou quatro do total de cinco encontros. Os personagens principais são Antônio Xavier (apelidado de Chucky), e seu irmão Charles Xavier (apelidado de Tchu). Os mesmos, seus nomes e apelidos foram criados pelos adolescentes. O processo de criação da história foi o fio condutor de muitas das discussões que realizamos e, por esse motivo, constantemente me remeterei à mesma para recortar as análises.

Há um tempo atrás, Antônio Xavier era um garoto estudioso e alegre e tinha nove anos. Só pensava em soltar arraia e jogar bila. Com 12 anos, começou a andar com más pessoas do outro bairro, que conheceu na saída do colégio. Os caras era considerados pelo pessoal do colégio e de onde eles moravam. Os caras eram fragantoso, andavam com roupa de marca e cordão de prata e todo mundo falava deles.

Antônio via seu irmão Tchu (Charles Xavier), de 17 anos, andando com os elementos armados e usando drogas. Com dinheiro, moto e várias mulheres bonitas. Antônio Xavier pediu ao irmão para ser da gangue para ganhar dinheiro e ser igual a ele. Tchu aceitou e botou o seu irmão pra trabalhar pra ele e avisou pra se ligar na polícia e nos inimigos para não ser preso. Antônio disse ao Tchu: “Eu quero um apelido”. Tchu combinou com a gangue que o apelido iria ser Chucky, por conta de uma cicatriz na testa.

Chucky andava na rua próximo ao mercado pensando em cometer um ato infracional e de repente ele caminhava com muitos pensamentos maldosos. Em um momento ele avistava um inimigo do seu irmão em uma motocicleta. Ao avistar o inimigo em uma motocicleta, Chucky estava armado e efetuou vários disparos. Ao se aproximar e ver seu inimigo caído no chão, rouba a motocicleta e os pertences e sai diretamente à favela onde encontrava os parceiros. Comemoram a morte do inimigo soltando rojões. E, nesse momento, policiais invadem descendo a favela e Chucky desesperado corre diretamente para um matagal onde acaba trocando tiros com os policiais. No momento em que trocava tiros com a polícia, ele foi atingido por vários disparos. A polícia vê ele ensanguentado no chão e não ajuda, sai fora. Chega a população para acudir o Chucky, mas ele não resiste aos disparos. Acaba falecendo. Tchu, o irmão dele, foi diretamente aonde Chucky estava caído no chão baleado e falou que ia ter vingança.

O Tchu, muito revoltado, foi em casa pegar uma arma e foi se vingar do policial. Seus companheiros de favela sabiam o endereço do policial. Ao saber onde o policial se encontrava, ele entrou no carro com mais quatro elementos e foi se vingar fortemente armado. Ao chegar no local, avistou o policial indo trabalhar. Quando ele bota a moto pra fora de casa, o Tchu e seus companheiros saem do carro e efetuam vários disparos contra o policial, que morreu logo após. Fugindo do local, o Tchu avista uma viatura e várias viaturas saem em perseguição. Na perseguição acontece um acidente: Tchu e os quatro elementos barreiam num poste. Três ficaram atingidos e não conseguiram sair. O Tchu e seu comparsa tentaram fugir saindo do local correndo. Uma esquina depois aparece a equipe do RAIO e prendem Tchu e seu comparsa. Na cadeia, Tchu e o seu comparsa estão arrependidos e vão mudar de vida.

Como ele era réu primário, foi condenado a seis anos e passou três anos e meio porque recorreu. No tempo em que passou preso foi muito sofrimento porque tava

longe da família: pai, mãe, mulher, filho. Como ele era homicida, estava trabalhando numa fábrica. Quando saiu, tinha muita grana, foi morar no interior, continuou trabalhando pra sustentar sua mulher, Juliana, e seu filho. E ao continuar com sua mulher, resolveu frequentar a igreja mais próxima, se entregou a Jesus e sua vida ficou feliz para sempre. (História coletiva construída no decorrer da oficina por Pequeno, Maduro, Sobrinho, Quieto, Contador, Desinteressado e Mudado)7

Os assuntos que surgiram no processo de construção da história, bem como os temas que a história fez vir à tona, quando relacionados com o meu objeto de estudo, foram organizados em categorias analíticas, que compõem os subitens. Dessa maneira, para fins de organização, na análise dos subitens deste e dos capítulos seguintes, me refiro tanto ao conteúdo da história como das discussões que surgiram em paralelo, antes ou depois da construção da mesma.

Trabalho, portanto, com a narrativa formal, da história construída, mas também com a narrativa presente no decorrer das interações, na descrição e interpretação do que é a cultura em que os participantes estão inseridos, a partir dos significados emergentes. Porém, não tenho a intenção de delimitar a realidade fática relacionada à prática de atos infracionais A verdade que importa, então, é a verdade narrativa que, de acordo com Bruner (1997), pode ser uma memória projetiva ou mesmo ficção, mas “ela de algum modo consegue captar em seu código o problema real” Bruner (1997, p. 97). Portanto, esclarecemos, aqui, a não ingenuidade da escuta e do processo de entendimento do que foi dito, mas também delimitamos nosso claro posicionamento não avaliativo quanto às questões de veracidade.

7 Nas transcrições de trechos da história ou de excertos da oficina, opto por utilizar a fonte em itálico, com o objetivo de diferenciar das citações de trabalhos científicos. As minhas falas estão precedidas pela inicial “I” e as falas dos socioeducandos, precedidas pelo seu nome fictício.