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Capítulo 2. Jogo

2.2. História do jogo

Antes de apresentar as ideias de Vygotsky (2008), Elkonin (2009) e Leontiev (1988) sobre jogo, fazem-se necessárias uma breve retomada histórica e uma discussão acerca de sua relação com a educação. Enfatiza-se que, em nenhum momento, tem-se a pretensão de esgotar sua história, tarefa esta que seria quase impossível, mas sim delimitar o espaço teórico no qual estará ancorada a trajetória de investigação que embasará esta tese.

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(1994, 2008, 2009, 2011a, 2011b), em diversos estudos e apoiada na obra de Brougére (2010), realiza competente revisão sobre a origem do jogo, no contexto infantil.

De acordo com Kishimoto, as primeiras representações sobre o jogo já aparecem na Antiguidade greco-romana, nas obras de Aristóteles, Platão, Tomás de Aquino, Sêneca e Sócrates. Esses filósofos o conceberam como lazer, recreação, descanso do espírito, após o trabalho intelectual ou o dispêndio de energia física.

Na Idade Média, o jogo desenvolve-se à margem da religião oficial, sendo associado ao dinheiro (jogo de azar de cartas ou dados). É utilizado em festas, nos teatros, com o caráter de divertimento.

No Renascimento, a visão sobre o jogo altera-se; a brincadeira é vista como comportamento livre, que possibilita o desenvolvimento da inteligência e facilita o estudo. O jogo, agora associado à infância, é considerado como uma maneira adequada para a aprendizagem dos conteúdos escolares. Aos educadores, era sugerido que deixassem de lado o verbalismo e a palmatória, para ensinar os conteúdos, e adotassem o lúdico para desenvolvê-los. O jogo também possibilitaria os ensinamentos éticos e morais, concepção defendida por Quintiliano, Erasmo, Rabelais e Basedow.

Ainda no Renascimento, o jogo também é visto como um meio para a criança expressar suas qualidades, além de instrumento para educá-la. Dessa visão sobre a criança, desenvolve-se a perspectiva do Romantismo, na qual a criança é

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As ideias que serão apresentadas a seguir foram retiradas das obras dessa autora, principalmente. As que não o foram estão devidamente referenciadas com o nome dos outros autores.

considerada como um ser que imita e brinca, é espontâneo e livre, o jogo sendo sua forma de expressão, sua conduta típica, inata e natural. Estas ideias eram preconizadas por filósofos e educadores como Richter, Hoffmann e Froebel.

Froebel, influenciado pelas ideias de Rousseau, fundou os Jardins de Infância, enfatizando o jogo livre e sua utilização como instrumento pedagógico.

Na Idade Moderna, em Kant e Schiller, o jogo é associado à arte, no sentido de inutilidade e improdutividade, aos olhos da sociedade.

No final do século XVII e início do XVIII, surge, segundo Ariès (1981), o conceito de infância: as crianças não são mais vistas como mini-adultos. Nessa época, aparecem os jogos que, na Alemanha, são estimulados como uma possibilidade para desenvolver a raça ariana. Esse é o período em que surgem os jogos olímpicos modernos.

No século XIX, na Idade Contemporânea, nasce a psicologia com uma forte influência da biologia. Surge a teoria de Groos, enfatizando que o jogo é natural, espontâneo, prazeroso e livre. Dessa forma, poderia ser utilizado para treinar os instintos herdados. Claparéde une as ideias da psicologia com as da pedagogia e expõe que o jogo é o método natural para educar as crianças, pois lhes pode servir como meio de expressão. Em decorrência, argumenta que o jogo deve fazer parte do trabalho pedagógico, pois é importante para o desenvolvimento (ARCE; SIMÃO, 2007).

Dewey, Decroly, Antipoff e Montessori, considerados grandes educadores do século passado, influenciados pelas ideias de Froebel, entendiam o jogo como atividade infantil espontânea, livre; como instrumento educativo poderoso para o desenvolvimento intelectual e motor na educação infantil. Esses autores tiveram grande influência, na década de 30, sobre a educação infantil brasileira.

A partir as ideias de Freud sobre o funcionamento do aparelho psíquico e o desenvolvimento da sexualidade infantil, o jogo passa, também, a ser enfocado como um meio de estudar os comportamentos das crianças e diagnosticar suas dificuldades. É igualmente usado como técnica de tratamento (ludoterapia). Para o autor, ao brincar, a criança demonstra seus processos psíquicos. Essas ideias foram desenvolvidas posterior e, concomitantemente, por Lacan, Klein e Winnicott (KISHIMOTO, 1994, 2008, 2009, 2011a; BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002).

Também, no século passado, surgem outras contribuições: Wallon, Piaget, Bruner e Vygotsky enfatizaram, em suas produções, a importância da brincadeira para o desenvolvimento e para a aprendizagem da criança.

Wallon, psicólogo desenvolvimentalista, compreende o lúdico como tudo que se relaciona à infância. Para ele, a motricidade, a linguagem, o controle dos esfíncteres tudo é considerado lúdico. Com base nessa premissa, o professor deve respeitar a gênese lúdica da infância e iniciar cada atividade e conteúdo que irá desenvolver, por meio do brinquedo. O autor associa a palavra jogo à palavra trabalho e vice-versa. No seu entendimento, trabalho é uma ação instrumental que possui um objetivo. Então, toda a brincadeira terá um objetivo que, por exemplo, poderá ser o desenvolvimento de uma aprendizagem específica.

Piaget (1978), em sua obra, não discute o jogo em si, mas o entende como parte do desenvolvimento cognitivo infantil e como meio de identificação do estágio em que a criança se encontra. Para esse autor, no desenvolvimento, a criança passa por sucessivas etapas de jogos que são: o jogo de exercício, o jogo simbólico e o jogo de regras. Os jogos de exercícios são os primeiros a surgir, e, como o nome já anuncia, caracterizam-se como exercícios que colocam em ação um conjunto de comportamentos e que visam ao prazer. Os jogos simbólicos surgem com a linguagem e possibilitam à criança representar mentalmente um objeto ou situação que esteja ausente, tornando-os presentes através de outros objetos. Aqui, estão incluídos os jogos de faz-de-conta. Acrescenta o jogo de construção, não como uma nova classificação, mas como uma transição entre o simbólico e o de regras. No jogo de construção, a criança reproduz objetos reais ou situações sociais. Os jogos de regras aparecem ao redor de 4 aos 7 anos. Pressupõem relações sociais, regras transmitidas por uma geração, ou combinadas, e o não-cumprimento dessas é considerado uma falta.

Para Bruner, psicólogo da linha cognitiva, o jogo e a imitação ocorrem desde o início do desenvolvimento infantil e possibilitam a educabilidade, a experimentação de comportamentos, a descoberta de regras, a aquisição da linguagem, a estruturação do pensamento divergente e a criatividade. Ele propõe o lúdico para ensinar os conteúdos às crianças em situações estruturadas, mediadas pelo adulto. O autor propõe, igualmente, combinar o jogo livre — que cria a primeira possibilidade de a criança pensar, falar e ser ela mesma — com o jogo orientado pelo professor. Este “dará forma aos conteúdos intuitivos, transformando-os em

ideias lógico-científicas, característica dos processos educativos” (KISHIMOTO, 2008, p.148). O professor deve realizar a mediação entre a criança e o jogo para que este possa auxiliar o desenvolvimento do pensamento e da aprendizagem daquela.

A maioria dos autores citados formula suas teorias sobre o jogo como uma atividade natural através da qual a criança se expressa. Vygotsky (1995), Elkonin (2009) e Leontiev (1988) rompem com essa ideia do jogo como natural e o focam pelo ângulo histórico-cultural. Suas teorizações sobre o jogo serão aprofundadas no tópico seguinte.