• Nenhum resultado encontrado

História: relatos de resistência – aspectos da política e cultura interioranas

PRECE: CAMINHADAS DE SUJEITOS COMUNITÁRIOS

4. O QUE É A IDENTIDADE “PRECISTA”?

5.1 História: relatos de resistência – aspectos da política e cultura interioranas

A primeira versão do programa Coração de Estudante, em 1991, teve apenas seis meses de duração. Organizado e financiado por Manoel Andrade, as transmissões aconteciam aos domingos pela manhã de 7h às 9h. Eram os realizadores 5 professores da escola pública local. Tinha-se como pauta principal discutir o tema educação por meio de debates, entrevistas, notícias e música.

Faz-se necessário, aqui, um resgate histórico de domínio popular: o genuíno representante do coronelismo em Pentecoste foi o ex-prefeito José Gomes da Silva, conhecido como Zé Gomes. Este teve como principal capanga, aprendiz e sucessor, Antonio Braga de Azevedo, o Antonio Carneiro. Este último foi ex-prefeito de Pentecoste, faleceu em 2006, tendo sido o antecessor do atual prefeito, João Bosco Pessoa Tabosa.

Certo dia, Manoel convidou duas orientadoras do programa de saúde do município e o presidente do sindicato rural para participarem do programa. Aproveitando a oportunidade, o referido presidente “falou mal” do prefeito (na época, Antonio Carneiro). Na semana seguinte, o diretor da rádio informou aos realizadores do programa que este não iria mais ser veiculado, pois o prefeito, que era um dos sócios da rádio, havia proibido. Andrade, apesar de argumentar que o papel do programa era apenas contribuir com a educação do município e não atacar interesses alheios, resolveu resignar-se aos mandos do prefeito por não possuir apoio popular suficiente para resistir. Teve que aguardar uma nova oportunidade para enfrentar a situação.

Manoel Andrade afirma ainda que esse mesmo sindicalista, que se gabava de ter sido resistência política ao coronel Zé Gomes, poucos anos depois, aliou-se ao mesmo prefeito Antonio Carneiro, para receber

apoio durante sua reeleição como presidente do sindicato.

Após o advento do PRECE e a criação da Escola Popular Cooperativa de Pentecoste, Manoel Andrade resolve, no ano de 2005, estimular as lideranças estudantis da cidade a levar o projeto de realização de um programa de rádio adiante.

Nas primeiras transmissões realizadas pelos estudantes, não havia planejamento, programação, roteiro, capacitação, acesso a material de pesquisa, enfim. Eram apenas estudantes desejosos de adquirir o direito e a habilidade de comunicar algo à comunidade. Jocélio afirma que, nesse período, tinha-se como objetivo principal divulgar as ações do PRECE, das Escolas Populares Cooperativas, que estavam em expansão, e integrar essas escolas por meio desse veículo comunicacional. Nos programas, eram lidas as histórias dos estudantes veteranos que haviam chegado à universidade e notícias do PRECE. Em 2006, o foco mudou para a integração com as comunidades e a formação político-comunitária destas. Isso se deu mediante divulgação das reuniões na Câmara Municipal de Pentecoste, debates, entrevistas com membros de associações comunitárias – como a Central das Organizações Associativas do Município de Pentecoste (COAMPE) ou o Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Pentecoste (SINDSEP) – discussão de pautas, como a criação do conselho do FUNDEB, ou do conselho de segurança local. Uma das dificuldades encontradas em 2006 era a de que os poucos comunicadores populares participantes eram alunos do projeto Pré-Vestibular Cooperativo, atividade que exigia muito dos estudantes. Essa dificuldade veio a ser superada em 2007 com a participação de um número maior de estudantes da escola pública local, precistas do projeto Estudante Ativo, da 9º série do ensino fundamental à 2ª série do ensino médio. Outra dificuldade vencida foi o inestimável apoio técnico, que se deu por meio da capacitação oferecida pelo PARC em 2006, com a realização das oficinas do módulo de rádio.

Atualmente o programa dura uma hora diária, sendo duas horas aos domingos. Ele é realizado por 10 precistas, dentre eles, 1 graduado, 3 universitários, e os demais estudantes são participantes do pré- vestibular ou secundaristas. As temáticas discutidas são: cultura popular, dicas para o vestibular, cidadania, educação, política, notícias das comunidades e das EPCs e variedades.

Há ainda expectativas de se realizar um dos programas por jovens do município de Apuiarés, com notícias dessa cidade, tendo

como perspectiva conquistar, posteriormente, um espaço na rádio local desse município. Os comunicadores populares de Pentecoste preparam- se para compartilhar os conhecimentos adquiridos com essa vivência de 3 anos de trabalho comunitário com os precistas de Apuiarés.

Sobre as escolhas das músicas, Jocélio fala que se tem evitado músicas que não reflitam a realidade rural ou que são influenciadas pela grande mídia. Segundo ele, as músicas veiculadas condizem com os princípios do grupo: educação, reflexão crítica, música popular brasileira, regional, sertaneja. Tal escolha se dá para que haja uma maior identificação dos ouvintes com a proposta do programa. Geralmente, quando ocorre de algum ouvinte pedir uma música fora desses padrões, como as canções do grupo musical Rebeldes, eles explicam o motivo de não atender a solicitação, e passam a dica de música para o programa seguinte, da “Inês Barreira”. Ele fala que essa atitude foi discutida entre os comunicadores e adotada para que houvesse uma valorização da cultura popular e se evitasse uma maior influência da cultura de massa, globalizada, no meio comunitário.

Há ainda um outro aspecto interessante. A rádio pertence ao deputado estadual Avelino Costa. O espaço cedido aos estudantes é financiado pelo Instituto Coração de Estudante (R$ 350,00 mensais). Jocélio afirma que, anteriormente, a mensalidade era de R$ 300,00, mas eles tinham que aceitar as propagandas veiculadas pela rádio, que, muitas vezes, também não condiziam com os objetivos do programa. Como exemplo, ele citou a propaganda da cachaça Chave de Ouro. Então os estudantes negociaram com o dono da rádio o aumento da mensalidade para a exclusão dessas chamadas.

Segundo Jocélio, as contribuições da realização desse programa para o tecido social de Pentecoste e do de outros municípios do Vale do Curu têm sido imensas. Ele e outros precistas participam de algumas reuniões de associações e vêem que, muitas vezes, notícias são discutidas em pautas de reuniões. Os comunitários sugerem temas para discussão no programa. Solicitam que determinado político ou representante do poder público seja entrevistado para falar sobre os programas que os municípios têm a oferecer para a população. Ainda utilizam o programa para divulgar reuniões, eventos culturais locais, etc.

Ele citou que para os estudantes, comunicadores populares, a construção do programa tem contribuído para a desinibição, articulação com outros movimentos locais, compreensão da política local e busca

pela imparcialidade. Todos esses aspectos têm se firmado como conquistas diárias.

Apesar da contribuição visível que o programa Coração de Estudante tem trazido para os grupos populares e espaços comunitários, ainda há resquícios da política coronelista que findou a primeira versão do programa. Em 2006, a rádio possuía convênio com a prefeitura municipal de Pentecoste. Sempre que os estudantes denunciavam ações da prefeitura junto à população, ou quando entrevistavam alguém da oposição, curiosamente, no dia seguinte, segundo o diretor da rádio, surgiam falhas técnicas que inviabilizavam a veiculação do programa por semanas. Jocélio afirma ainda que sempre eram convidados representantes do poder público para “direito de resposta” ou esclarecimentos, mas esses pedidos eram sempre respondidos de forma opressora.

O último fato que veio solucionar esse problema até a presente data (setembro de 2007) ocorreu quando um representante do SINDSEP denunciou, no programa, que o prefeito pagava apenas meio salário mínimo aos servidores públicos municipais e que, apesar de a denúncia já ter sido formalmente protocolada pelo sindicato, a ação do Judiciário local estava sendo conivente com a situação, de forma a tornar o processo lento, para posterior engavetamento.

Assim que a notícia chegou aos ouvidos do atual prefeito, João Bosco, o dono da rádio chamou os estudantes e disse que o programa estava cortado até que todo o “problema” fosse resolvido. E que os estudantes haviam posto a existência da rádio em perigo por estar fazendo oposição política direta à administração municipal.

Então, Manoel Andrade e os estudantes de Pentecoste convidaram o prefeito para uma reunião com o objetivo de esclarecer a situação. Segundo Jocélio, o encontro chegou a ser amigável, com afirmações do prefeito de que tudo não passava de um mal entendido. Manoel afirma que, no momento, deu a entender que, se o programa fosse cortado, os estudantes iriam fortalecer o jornal Folha da Juventude com o mesmo objetivo de informar a população dos acontecimentos municipais, fossem eles benéficos ou maléficos à prefeitura. E que ele não cometesse o mesmo erro que seu tio, ex-prefeito Antonio Carneiro havia cometido há 15 anos atrás. Depois disso, houve ameaças, mas nunca mais retaliações que redundassem em corte do programa.

Segundo Andrade, esse momento da história do programa foi uma prova cabal de que os políticos não respeitam “a pessoa”, mas

pessoas, unidas e devidamente organizadas. Atualmente, bons diálogos têm sido abertos com a Secretaria de Educação Municipal por meio do programa Humanas do Departamento de Ciências Sociais da UFC, por meio do qual universitários do PRECE tiveram a oportunidade de promover uma capacitação para os professores da rede pública, utilizando a metodologia de educação em células. Quem sabe se, no futuro, o programa Coração de Estudante possa ser financiado pelo poder público local, mantendo a autonomia dos comunicadores populares.

Segundo Manoel Andrade, a nova edição do programa Coração de Estudante tem desempenhado um papel importante na promoção do protagonismo juvenil e do empoderamento comunitário:

É muito gratificante ver aqueles jovens falando, se expressando e alcançando o coração e as mentes do nosso povo sem partidarismos ou objetivos comerciais. Acredito que o programa de rádio é uma das grandes armas que podemos utilizar para alcançar a tão sonhada revolução popular, mas precisaríamos agir com mais profissionalismo e objetividade. Eu sei que poderia ser melhor, e que ainda há muito o que fazer, mas como dizia o velho Mao Tse-Tung: “A paciência é uma virtude revolucionária”. Um dia com certeza chegaremos lá, quem sabe no futuro não teremos a nossa própria radio

(ANDRADE NETO, 2007).

“Nossos sonhos que povoam nossas mentes que se encontram represados em muitas fontes que se encontram, se constroem e se levantam derrubando mil barreiras em nossa frente Nossos sonhos aliados ao tempo têm aberto túneis,

produzido cânions, movido montanhas e irrigado campos agora, eles estão germinando sementes longamente

enterradas que crescerão e produzirão frutos de esperança para futuras gerações.”

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS