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3. Como se escreve um livro didático: PNLD, bibliografias e fontes

3.1 O Programa Nacional do Livro Didático

3.1.1 História Temática

No capítulo anterior, tratamos de diversas obras, entre as quais, aquelas que foram as mais escolhidas pelos professores. O leitor atento, todavia, percebeu que deixamos de lado uma das quatro coleções, a saber: História Temática, de autoria de Roberto Catelli Júnior, Conceição Aparecida Cabrini e Andréa Rodrigues Dias Montellato. Isso foi intencional na medida em que essa coleção adota uma perspectiva e uma organização

metodológica completamente diferente das demais dezenove. Ao contrário das outras, que preferem seguir um modelo cronológico, essa História Temática vai por caminho completamente diferente ao dedicar cada um dos livros da coleção a um tema, a saber: 5a série, Tempos e Cultura; 6a série, Diversidade Cultural e Conflitos; 7a série, Terra e Propriedade; 8a série, O Mundo dos cidadãos.

Há ganhos e perdas nessa abordagem. Como observa José Alberto Baldissera176:

A História é, na verdade, muito mais complexa, desordenada e imprevisível do que se pensa. Ela não é apenas conhecimento. É também uma tomada de consciência da própria evolução do homem e de sua introdução nesse processo. Assim sendo, a História também é, eminentemente, cultura.

(...)

Quando se estuda a História, há sempre uma tentação em se trazer o passado para o presente e de sobrepor o presente sobre o passado. Enfim, é muito fácil escorregarmos nas conclusões, principalmente por distorções de conceituação. Muitas vezes, transportamos conceitos atuais para épocas que a eles não se adaptam.

O risco apontado por Baldissera é uma constante na coleção. Na busca de elaborar ligações do passado com o presente, corre-se no fio da navalha de anacronismo ou de um presentismo, isto é, a tentativa de, a qualquer custo, relacionar o passado ao presente, mesmo que haja uma distância de espaço e de tempo abissais.

As perdas principais nesta obra, pelo menos no viés deste trabalho, que aborda os Estados Unidos, diz respeito ao fato que os estadunidenses se fazem presentes apenas em dois momentos. A primeira é relativa ao processo de independência, e a segunda, à Guerra fria.

Quanto ao primeiro, adota uma perspectiva bastante convencional ao tratar a independência a partir do estabelecimento das leis de taxação, a partir da década de 1760. Afirma a existência de um mercado e de produção industrial, mas não aborda o porquê

176

BALDISSERA, José Alberto. O livro didático de História: uma visão crítica. 4a ed. Porto Alegre. Evangraf, 1994. p. 145-6.

disso. Da mesma forma, fala da Constituição aprovada em 1787 e da eleição de George Washington como primeiro presidente, em 1789, mas sem entrar em detalhes.

Sobre a Guerra Fria, é também bastante sintético, com uma página dedicada ao tema. Evita entrar em detalhes, e não se utiliza de muitos “comos”, “ondes”, “porquês”, “quandos”, “quem” e tampouco oferece informação sobre, por exemplo, o impacto da Guerra Fria para o Terceiro Mundo.

Em suma, há, em toda a coleção, um caráter fragmentário, que pode causar ao professor mais problemas do que soluções. Ao realizar a opção de abandonar a cronologia, faz determinadas ligações que, em alguns casos, exigem contorcionismos por parte do professor. Um exemplo é a primeira parte do livro dedicado à 8a série, intitulada Os

cidadãos e os excluídos. Há quatro capítulos, a saber: “Globalização econômica e exclusão

social”; “Direito à cidadania: a pólis na Grécia Antiga e a Revolução Francesa”; “Ideais iluministas e os ecos da Revolução Francesa na América”; “Princípios do liberalismo”.

Na tentativa de estabelecer temas relacionados, acaba por realizar determinadas conexões que acabam por soar como exageradas.

O próprio PNLD177 observa sobre essa coleção que:

Em algumas ocasiões, no entanto, os grandes personagens assumem uma posição de destaque no texto, há ausência de análise dos micropoderes, a categoria trabalho não recebe tratamento cuidadoso e as linhas do tempo não fornecem escala. Além disso, alguns processos históricos são apresentados de forma sucinta ou simplificada, o que por vezes dificulta o encadeamento entre os assuntos e a compreensão do conteúdo.

Os ganhos, para citar o Guia de Livros Didáticos do MEC, são:

A originalidade desta coleção está em sua abordagem temática associada a uma grande preocupação com a aprendizagem efetiva e significativa dos conceitos históricos. Tanto no texto quanto nas atividades, são estabelecidas pontes com a realidade imediata e com situações cotidianas do aluno. Em

177

BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático. Guia de Livros Didáticos 2005 – 5ª a 8ª séries. Brasília: MEC/SEF, 2005, p. 111.

virtude de seu recorte temático, a obra apresenta alto grau de incorporação da renovação historiográfica derivada de pesquisas mais recentes178.

E, ainda,

Seu principal valor reside no aprofundamento da compreensão do procedimento histórico. Há uma íntima associação da História ensinada com a pesquisa, com a problematização das fontes e com a construção do conhecimento179.

Essa é a coleção, dentre as que fazem parte das analisadas por este trabalho, que mais se aproxima das inovações sugeridas pelo PCN e da concepção de livro didático moderno para os avaliadores do PNLD180. Ficam claras, no entanto, as limitações que a abordagem dessa obra tem, especialmente na medida em que expõem os limites do livro didático e exigem do professor papel muito mais ativo do que um livro didático, digamos, mais conservador, demanda. Apesar de ser desejável, é difícil imaginar como, no mundo real, isso poderia acontecer.

O parecer do PNLD adverte que:

Esta coleção exige papel ativo do professor na condução de sua prática pedagógica. Oferece oportunidades muito ricas de problematização e pesquisa, cujas respostas não aparecem prontas, visto que emanam de uma postura construtiva quanto ao conhecimento.

Se, por um lado, a abordagem temática pode propiciar pontes mais fáceis com a realidade cotidiana, apreensível pelo aluno, por outro, os riscos de se ficar perdido em função da ausência da cronologia são concretos. Nem sempre os temas são articulados do ponto de vista de uma seqüência temporal181.

Mesmo as obras mais modernas têm pontos expostos, particularmente no que condiz a dificuldade de estabelecer ligação adequada entre metodologia de aprendizagem que busque a reflexão e conteúdo, como se observa no caso da coleção.

178 Ibidem. p. 108. 179 Ibidem. p. 106 180

Isso, é claro, a despeito das próprias limitações que a coleção apresenta quando comparada com outras obras avaliadas dentro do Programa.

181