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2.3 Mulheres participantes e processo da pesquisa

2.3.1 Histórias das mulheres da pesquisa

Ouvi relatos difíceis, histórias complexas, vi as mulheres segurarem suas lágrimas para conseguir falar comigo, ouvi seus desejos e seus anseios, senti suas resistências, ouvi suas perspectivas de futuro, suas decepções amorosas, o medo de apanhar novamente de seus companheiros, o desejo de que eles mudem, vi nas entrelinhas as falhas das Políticas Públicas e tantas outras situações que atravessam a história de tantas outras mulheres, de tantas outras Marias. Nos capítulos que seguem, irei contando um pouco de cada vez, sobre cada uma, dedico atenção especial a apresentação de Teresa, Paula, Luana, Stefany e Andressa, as mulheres que aceitaram dividir suas narrativas comigo e com o desejo

individual de fazer justiça com as suas histórias e com suas experiências. Em relação aos nomes das mulheres entrevistadas, destaco que foram usados nomes fictícios, a fim de preservar a identidade de cada uma delas.

A primeira entrevistada foi Teresa, uma mulher de 42 anos que se definiu:

uma guerreira, não me pergunte por quê. Já aconteceu muita coisa na minha vida e eu não esperava passar por isso (Violência), mas já que eu passei (...) já que passei por isso, tiro como lição, aprendizado. E como exemplo para outras mulheres (TERESA, E.I)

Foi dessa maneira que Teresa iniciou sua narrativa. Ela é casada, mora numa localidade do município de Baturité, tem cinco filhos, mas nenhum reside com ela, somete seu companheiro. Ela estava desempregada quando nos encontramos, se dedicando a conclusão de seus estudos, de acordo com o que ela trouxe, seu desejo era ser professora e estava estudando a noite para tentar o vestibular de Pedagogia. Ela relatou que gostava de ensinar, gostava de ter contato com as pessoas, de passar a experiência de ensinar, que ela afirmou ser um eterno aprendizado, dizia que queria isso desde menina. Ela chegou a fazer curso de técnica de enfermagem, mas não terminou, disse que já tinha dado aulas para criança e para jovens-adultos no caso, os primeiros contatos com as letras com a alfabetização, como também tinha experiência em colégio, na função de secretaria. Teresa expressou um pouco das suas dificuldades em relação a maternidade, aos estudos, ao uso de drogas e a cobrança de seu pai quanto a este processo:

Era para mim ter sido formada já, mas eu entrei na bebida, nas drogas, namorei muito. Os meus filhos não me tiraram nada não. Filho é filho. Mas meu pai, que teve uma profissão ele diz “ah, vc teve muito filho, que filho atrapalha a pessoa”. Mas não atrapalha em nada não. Dá para você conciliar tudo. Eu que não tive uma base, né, sempre quis fazer as coisas só (...) e botava as mãos pelos pés e (...) faz cinco anos que eu tô limpa. (TERESA, E.I).

Teresa tem uma história de vida bastante complexa, como muitas mulheres negras e pobres neste país que precisam da efetivação e garantia das Políticas Públicas. Sua vida foi atravessada por distintas violências que iniciaram ainda a infância, quando sofreu abusos de familiares “Eu era pequena, 8 anos, 12 anos, 16 (...) pelos tios, primos. Mais de uma pessoa mais de uma vez” (TERESA, E.I). Toda a entrevista aconteceu com elas relatando estes aspectos e ressaltando que “tudo botando Deus na frente, porque se não for (..)”

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Sobre a sua história de vida, de seus filhos, ela disse:

Tenho cinco filhos de outros casamentos. A primeira eu passei um ano, casei porque minha família me obrigou casar que eu engravidei, eu tinha 15 anos. Aí o segundo eu já tinha 18 anos, passei sete anos. O terceiro eu passei 12

anos, mas porque ele faleceu, é o pai dos últimos filhos. Nessas relações não teve violência. Eu morei em São Paulo, faz tempo, eu tinha 15 para 16 anos. Eu fui porque eu queria conhecer, fui trabalhar, estudar. Meu primeiro filho, quando eu cheguei aqui, já estava grávida. Antes, aqui, eu já tinha saído de casa, era bem dizer independente. Nessa época eu já era bem independente. Eu saí de casa com 12 anos. (TERESA, E.I)

Durante seu período de atendimentos no NUASF, Teresa relatou que frequentou as reuniões do AA, e frequentava uma Igreja Evangélica que vinha ajudando a fortalecer a união do casal. No dia em que houve agressão física contra ela, o seu companheiro jogou um ventilador em sua cabeça além de outras agressões.

A segunda entrevistada foi Paula. Nosso contato aconteceu ao ar livre, na Praça da Polícia Militar, no Centro da cidade, foi uma conversa que ao final, Paula demonstrou gratidão pela possibilidade de falar sobre a sua experiência de vida, ela tentou controlar o choro nos momentos em que se sentia carente. Paula tem 35 anos, é solteira, mora no Canidezinho, em uma casa própria com a filha de 18 anos. Ela viveu o relacionamento que a levou aos atendimentos no NUASF por um período de 10 anos, mas quando conversamos ela disse já não ter mais nenhum contato com ele, embora ele tentasse voltar mais uma vez a relação. Uma relação que ela diz ter sido conturbada desde o começo, uma vez que ele escondia dela que já vivia com outra mulher na cidade de Aquiraz. Paula diz que esse relacionamento sempre foi atravessado por muitas discussões, conflitos com a suposta esposa que o companheiro na época tinha, que eles se agrediam verbalmente em todos os conflitos. A sua filha, nasceu na história afetiva que ela teve com outro homem, quando ainda era adolescente e que também foi um relacionamento atravessado por violência.

Paula trabalha, é a principal mantenedora da casa. Ela afirmou que começou a trabalhar cedo, a juntar dinheiro, vendendo roupa até que conseguiu comprar a sua casa. Durante um tempo de sua vida, ela relatou gostar de ir para festas, de beber, mas que gostaria muito de conhecer alguém que pudesse dividir com ela as coisas boas de um relacionamento, mas que não queria que fosse algo sem respeito. Disse que tinha duas amigas com quem compartilhava seus segredos e que tinha uma boa relação com seus familiares, no caso sua mãe e irmã. Durante o tempo que foi acompanhada pelo NUASF, ela disse que não estava mais namorando o suposto agressor, que estava indo para lá com ele, apenas para o cumprimento da medida dele. A agressão que ela vivenciou, a física, se estendeu a sua filha. E segundo Paula, a denúncia a Polícia só ocorreu porque ela precisava fazer algo pela sua filha.

Posteriormente, foi a vez de conversar com Luana, na praça de alimentação de um shopping. Luana tem 31 anos, é solteira, mora em Messejana com seu filho de 10 anos e se diz uma mulher “vaidosa, sempre gostei de batom, de maquiagem, até porque o ramo que eu trabalho exige isso de mim”. Tem uma boa relação com seus familiares, pai, mãe e irmãos. Trabalha como vendedora em uma loja de colchões. O relacionamento, que a levou aos atendimentos no NUASF, é marcado ainda pela presença do agressor, que de acordo com Luana, ainda corre atrás dela, faz promessas de mudança de comportamento, porém já se encontra noivo de outra mulher. É importante destacar, que durante toda a realização da entrevista ele ligou três vezes para ela e ela foi muito enfática com ele, dizendo que estava participando de uma entrevista e que se ele estava duvidando dela, poderia ir até lá para comprovar e até se sentar ao nosso lado. Nosso contato, foi marcado por momentos de pausas constantes, tanto pelas interrupções do ex companheiro e porque Luana estava muito emocionada narrando toda a situação que viveu com esse rapaz; ela tentou por diversas vezes controlar o choro, pedindo que eu desse pausa da gravação quando ela falava com ele ao telefone. E até algumas horas após a entrevista, ela me encaminhou uma mensagem dizendo o quanto havia sido importante para ela aquele momento de fala, uma vez que ela não tinha tido essa oportunidade de falar abertamente, sem julgamento. Sobre o relacionamento com o ex, ela afirmou que o conheceu ele através de um de um aplicativo que foi o whats app, num grupo que participava e uma amiga apresentou os dois. Passaram mais ou menos um mês se conhecendo e em seguida ela o convidou para morar com ela e o filho, de outra relação; depois de três meses eles noivaram e logo em seguida do noivado, com uns quinze dias a um mês se casaram no civil. A agressão que ela vivenciou começou em uma noite que estavam na casa de alguns amigos e se estendeu até o dia seguinte, quando ela conseguiu acionar a Polícia, de acordo com seu relato, essa foi a primeira e única vez que passou por uma violência. Luana afirmou que no período que voltaram a conviver, ela precisou se afastar dos amigos e familiares a pedido do ex e que descobriu posteriormente que ele estava saindo com outra moça.

Stefany convive com seu companheiro que a agrediu há oito anos, sendo destes oito, cinco anos de casados, eles não têm filhos, moram em casa própria e criam um cachorro que ela demonstrou muita afetividade enquanto falávamos. Ela trabalha como costureira, mas estava desempregada. Disse que não tinha contato com sua família, não tinha sido criada pela mãe e a pessoa mais próxima disso era seu irmão, que havia

conhecido há poucos anos, pois ele também tinha sido criado por outra família. Esse é seu segundo casamento. Essa entrevista foi bastante peculiar. Estive num primeiro momento com Stefany no NUASF, e ela havia me dito não ter interesse em participar da pesquisa. No entanto, com o contato e mediação da psicóloga, ela aceitou que eu fosse até sua casa no bairro Mondubim. Ela me recebeu desconfiada, em silêncio, resistente a entrevista, com resposta breves, sem entender muito bem o que ela deveria falar, até que no momento em que perguntei o que a levou a realizar a denúncia, naquele dia da agressão, percebi como um momento disparador de fala, Stefany começou a falar de muitos dos sentimentos que estavam contidos, da mágoa com seu companheiro, das questões complexas de sua vida e que a medida que ela falava reflexões surgiam. Ela não é uma mulher de muitos amigos, afirmou que não gosta de conversar sobre sua vida com as pessoas, muito menos com os vizinhos. Outro elemento interessante dito por ela, foi que quando eles começaram a frequentar o NUASF, eles tinham participado de um momento facilitado por mim, quando eu era estagiária do serviço. A situação de violência vivenciada por ela, que levou a denúncia, começou através de uma informação que um ajudante do trabalho de seu companheiro havia lhe dito, o mesmo falou para ela que seu companheiro estava fazendo um serviço de construção na casa da ex-mulher, e isso havia causado nela muita irritação, dessa forma ele passaram vários dias em conflito, em discussão até o momento em que ele bateu nela.

Andressa me recebeu em seu local de trabalho no Mondubim, a primeira informação que ela trouxe foi a que lembrava de mim, que eu havia feito atendimento dela e de seu companheiro quando eles começaram a frequentar o NUAF. Andressa é costureira, mãe de três filhos, cada um filho de um relacionamento específico. Ela está com seu companheiro há uns quatro anos e foram atendidos pelo NUAF entre 2015 e 2016. Muito sorridente ela me relatou a sua história com a Lei Maria da Penha, dizendo que seu comportamento de mulher independente, namoradeira, que gosta de dançar e de festa foi o possível causador de uma traição cometida por ela e que foi confessada, o que levou o seu companheiro a sair de casa, mas voltar alguns dias depois para agredi-la. O medo de uma violência física na noite em questão foi o disparador de denúncia. E de acordo com seu relato, três dias depois caiu a ficha, o que a fez sentir-se culpada por denunciar. Andressa fala a sua história de forma muito espontânea, que quando conheceu seu companheiro, a sua própria mãe disse ao mesmo que ela não era uma boa escolha, por não se adequar aos modos como uma mulher deveria se comportar, por ser

namoradeira. Notório que esse discurso de mulher fora do ideal é uma constante na vida dela, pois enquanto falávamos, na sala do local que ela trabalha, a proprietária apareceu, se envolveu na conversa e chamou a atitude de irresponsável, mesmo a Lei Maria da Penha garantindo que violência psicológica e patrimonial são violências.