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Violência: olhar psicossocial e definição de um conceito complexo

A temática violência é bastante complexa, mais ainda porque ela se encontra estruturada em todos os contextos, espaços e hierarquias. É possível observar a sua atuação e reprodução, tanto nos grupos opressores quanto nos grupos oprimidos, sejam eles para fins políticos, econômicos, sociais ou mesmo de denúncias no cotidiano das relações. Logo é importante pensar a violência como algo que está em nosso convívio e, portanto, passível de naturalização. Assim como o gênero, a violência precisa ser pensada a partir do contexto no qual encontra-se inserido. Nesse sentido, o marco inicial para compreender a violência é a necessidade de reconhecimento de sua complexidade, onde ela se concretiza a partir de múltiplas formas, permeado de diversos níveis de significados, de efeitos históricos e qualitativamente diferentes (LEÃO, 2009).

Neste tópico, proponho pensar a violência a partir dos estudos de Ignácio Martín- Baró, pois concordo com Lacerda Jr. e Guzzo (2011) ao afirmarem que o resgate crítico da obra de Martín-Baró apresenta três elementos importantes em suas análises: “o resgate da crítica Marxista; o resgate da realidade, como ponto de partida e de chegada e a libertação, como fim e projeto histórico das massas” (LACERDA JR.; GUZZO, 2011, p. 19), elementos importantes para uma compreensão que leva em conta diversos aspectos. Martín-Baró preocupou-se durante sua trajetória em pensar, analisar, criticar e denunciar as estruturas sociais e políticas, que causavam opressão, preocupou-se com as minorias, com a pobreza e deteve-se a temáticas como fatalismo, machismo, a mulher e a família, violência e guerra, entre outros.

Ao reconhecer a complexidade do que é analisar a violência, aponta-se a necessidade de observar que seus determinantes derivam da estrutura social no contexto social no qual encontra-se inserida, portanto, é produzida.

A análise histórica da violência social permite contemplar a abertura humana para a violência e a agressão; seu contexto social, definido pela luta de classes; suas causas imediatas ou precipitadoras e sua institucionalização e elaboração social, bem como o desenvolvimento pessoal dos indivíduos, que vai acontecendo nesse ambiente de desordem estabelecido pelos processos de socialização e modelos violentos. (LEÃO, 2009, p.1).

Para Martín-Baró (1997), esta consideração pode ser explicada porque existe um privilegiamento do bem individual acima do coletivo, que possibilita a violência e a agressão, como forma de satisfação pessoal. Para o autor, a violência se mantém através dos interesses de classe, privilegia um grupo hegemônico que irá se organizar de acordo com seus interesses. Martins e Lacerda Jr. (2014) afirmam que existem poucos estudos no Brasil que fazem o uso das obras de Martín-Baró, de acordo com os autores, o teórico realizou inúmeros estudos sobre a categoria violência, mas existe um desconhecimento sobre a maioria de suas obras, bem como textos traduzidos para o português.

Nos textos em espanhol e nos poucos traduzidos para o português, observa-se que a violência e a guerra são temáticas centrais na obra de Martín-Baró. Durante muitos anos, ele conviveu em El-Salvador, e vivenciou contexto de guerra. Neste espaço, o estudioso pode realizar, a partir da inserção nesta realidade, uma problematização sobre o papel do psicólogo social. O autor considerava equivocado o uso de teorias estrangeiras numa realidade totalmente distinta, em que o ponto de vista epistemológico estava de acordo com o olhar do colonizador e opressor e que as questões que eram pensadas não correspondiam as reais necessidades da américa-latina (MARTÍ-BARÓ, 2017). Martins e Lacerda Jr. (2014) ressaltam que é neste processo de questionamento dessas teorias que Martín-Baró propõem uma Psicologia da Libertação, com o objetivo de propor a práxis psicológica orientada em um viés transformador da realidade social.

Martins e Lacerda Jr. (2014) destacam que durante a tentativa de conceituar a categoria violência, Martín-Baró vivenciou três momentos diversos nesta trajetória: primeiro a tentativa de teorizar o conceito em diferentes momentos; a segunda foi a sintetização dos efeitos psicossociais que eram produzidos pela violência e a terceira visava apresentar os aspectos da violência na guerra salvadorenha.

Nesse processo, é somente em 1980 que Martín-Baró propõem realmente uma concepção psicossocial de violência, em que ele se debruça sobre as concepções históricas de violência, na criticidade aos modelos dominantes e ao criticar o uso do de algumas correntes psicológicas que apontavam a violência como uma característica inata do homem (MARTIN-BARÓ, 2003). O autor considera a necessidade de olhar e perceber a violência em um movimento dialético no contexto social, portanto, trata-se de uma construção socio-histórica, produto de relações sociais em que seus interesses denotam marcos estruturais nos diversos conflitos de classe (MARTIN-BARÓ, 2003).

Em sua perspectiva, Martín-Baró (2017) afirma que a violência se distingue através de três níveis: criminal, bélico ou repressivo, apresentando para estes, três pressupostos construtivos:

O primeiro pressuposto é o de que há múltiplas formas de violência e entre elas podem existir diferenças muito importantes. O segundo pressuposto é de que a violência tem um caráter histórico e é impossível compreendê-la fora do contexto social em que é produzido. O último pressuposto é o de que a violência tem um peso autônomo que dinamiza e, uma vez colocado em marcha, não basta conhecer suas raízes originais para detê-la. (MARTÍN- BARÓ, 2017, p.235).

Ao ponderar tais postulados, o autor considera que esta categoria é constituída de: um fundo ideológico, de um contexto possibilitador e da equação pessoal de quem perpetua a violência. Diante destes mecanismos, a violência, uma vez institucionalizada como forma de estabelecer o poder do homem sobre o homem, encontra neste lugar apoio e sentido, ou seja, legitimidade. Assim, posso afirmar que a violência é uma categoria estrutural, em que diversos fatores sociais se articulam entre si, de modo que se organiza uma estrutura hierárquica de poder nas relações de gênero, classe, raça e etnia. No próximo tópico, faço uma apresentação da Lei Maria da Penha, um dispositivo criado para coibir a violência e proteger as mulheres, bem como, serão elencados quais as formas que a violência contra a mulher se expressa em seus cotidianos.

3.3 A Lei Maria da Penha: importante dispositivo de enfrentamento à violência