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Neste tópico, optamos por relatar as histórias de vida no trabalho dos participantes. Entendemos que, por este caminho, embora as histórias sejam individuais, são socialmente produzidas e se encontram e se sobrepõem na constituição do trabalho e dos coletivos de trabalhadores. O segundo ingrediente da competência refere-se à experiência, ao encontro dos trabalhadores com o seu trabalho. Esse encontro é repleto de historicidade e singularidade, e os leva a tomar decisões, a arbitrar face à resingularização das normas antecedentes, negociações sentidas pelo próprio corpo, ou seja, competências incorporadas (SCHWARTZ, 1998).

Considerando o que nos traz Schwartz (2004) ao provocar um pensar sobre competências nas atividades de trabalho em três aspectos que se articulam, as competências que levam em consideração a apropriação de normas antecedentes, a história de cada situação, e a gestão do inédito.

A competência remete a generalidade da produção dos valores e da maneira que se manifestam através das pessoas e destas nas atividades de trabalho. A fala dos trabalhadores destacadas a seguir denota essa multiplicidade de ingredientes que formam as competências e saberes.

“Eu cresci vendo meu pai falar em pedra. Sempre conheci pedra como bloco e não como chapa de pedra. Levando almoço e janta pro meu pai, conheci o que era o mármore e granito”. (ANA, Encarregada de Produção)

“Sempre tive um grande interesse em trabalhar na área. Considera-se uma “grande oportunidade” para as pessoas da região”. (RALF, Encarregado de Produção)

“Comecei como ajudante de caminhão. O que eu conhecia de pedra era os blocos que carregava pelas estradas. Meu patrão era caminhoneiro e hoje é dono de empresa. Cresci com a empresa e aprendi a minha função no dia a dia” (TONI, Encarregado de Produção).

Conforme Cunha (2007, p.15) existe uma aptidão geral para usar toda essa heterogeneidade na competência que se expressa no ato do trabalho:

“As competências, qualificações e saberes do ponto de vista da atividade humana em trabalho, guarda fronteiras muito fluídas, seriam dimensões da formação humana, marcadas evidentemente pela dimensão axiológica própria aos seres humanos”.

O participante Toni tem 47 anos, é casado, e possui o ensino fundamental completo. Há 21 anos dedica-se a empresa COMPEDRA. Iniciou seu trabalho como ajudante de pedreiro, quando se viu sem o pedreiro, deixou de ser ajudante e tornou-se profissional. E assim iniciou sua vida no mármore e granito. Contratado como polidor sem ao menos saber o que era polir, hoje é chamado de encarregado, mas afirma que não sabe mandar. “Esse é o meu principal defeito”. Possui remuneração fixa e

considera-se vitorioso, pois sempre teve compromisso com o que faz e tenta ensinar isso para a sua equipe de trabalho.

“Eu dei a minha vida pela Compedra. Há 21 anos trabalho aqui e comecei praticamente no início da empresa. Estava desempregado e comecei como ajudante de pedreiro na empresa. Em duas semanas o pedreiro foi embora e eu pensei – vou ser demitido. Na época era o próprio patrão que puxava as pedras no caminhão e coordenava a marmoraria. E eu me vi sem nada pra fazer, aí peguei a massa e danei a subir um muro e, lembro como se fosse hoje, quando o patrão chegou, perguntou – Quem fez isso? – E eu respondi: Fui eu que fiz. E ele não falou nada, mas também não me mandou parar, aí eu continuei trabalhando. Ele conseguiu um ajudante pra mim e assim foram os primeiros 8 meses. Depois disso ele me chamou pra conversar e disse: TONI, não tenho mais nada pra você fazer, mas se você quiser, te contrato como profissional - e assinou minha carteira como polidor, mesmo sem eu nunca ter feito um polimento na vida. E eu aprendi na empresa, fui trabalhando e, num determinado momento, o patrão resolveu montar a serraria, me chamou pra tomar conta. Também não entendia nada de serraria, mas fui aprendendo e estou aí até hoje.” (TONI, Encarregado de Produção)

Ana possui 36 anos, e trabalha há 9 anos no setor de rochas, sempre na mesma empresa. Começou como ajudante de produção e hoje é encarregada de produção. Considera-se determinada e teimosa. Possui remuneração fixa, apesar de ter metas a cumprir.

“Desde criança ouvia meu pai falar de pedra, ia levar almoço para o meu pai na marmoraria, aos poucos fui conhecendo sobre o que era o mármore e granito. Sempre quis trabalhar na área, tentei várias vezes levar currículo para a empresa, e um dia consegui. Não fui a primeira mulher a trabalhar na produção do mármore e granito, mas acho que sou a pioneira em ser encarregada. Sempre tive grande interesse em

trabalhar na área. Considero uma “grande oportunidade” pra mim, pois antes eu era faxineira em casa de família. Se eu não tivesse tido

esta oportunidade, talvez estivesse faxinando até hoje. Gosto do que

faço, procuro fazer sempre o melhor e tento passar isso para a equipe também”(ANA, Encarregada de Produção).

Carlos, por sua vez, possui 37 anos, é casado e há 13 anos atua na área de mármore e granito. Possui curso superior completo, considera-se comunicativo e perfeccionista, características que, segundo ele, o auxiliaram a desenvolver-se na função comercial no setor de rochas. Um dos principais desafios é a remuneração variável, que pressiona todos os dias a si mesmo e a sua equipe na busca do alcance das metas.

“Trabalhava em uma multinacional por 22 anos, quando dois cunhados meus que haviam acumulado recursos no exercício de suas profissões: médico e dentista, respectivamente, resolveram investir no ramo. Assim me convidaram para gerenciar a empresa” (MAURO, Gerente de Beneficiamento).

Marcio, 29 anos, casado, 10 anos de experiência no mármore e granito. Iniciou como ajudante, passou a polidor e hoje está há 6 anos como encarregado de produção.

“Precisei trocar de empresa para conseguir classificar minha carteira”. Hoje possui

remuneração variável, relata ter autonomia no desenvolvimento de suas atividades e no lidar com a equipe.

“Comecei no setor há 10 anos atrás, quando tinha 19 anos e me vi na necessidade de trabalhar. Minha porta de entrada no setor, foi em um curso que fiz no SENAI, de Técnico operador e mantenedor de tear e politriz, que tinha como foco a formação de encarregados para trabalharem nas empresas do setor. Quando sai do curso, que teve carga horária de 700 horas, eu tinha a base teórica mas não tinha muita prática, dessa forma fui trabalhar de ajudante em uma empresa do segmento, para poder me familiarizar com as rotinas de uma empresa beneficiadora de rochas ornamentais. Em poucos meses passei a função de polidor de uma politriz nacional de 16 cabeças. Nessa empresa permaneci por 04 anos, até resolver me especializar

ainda mais. Foi quando fui chamado para trabalhar em outra empresa, que possuía uma politriz automática de 22 cabeças, na função de polidor. Me transferi para a mesma, pois nela teria condições de fazer um curso superior em uma faculdade local, curso esse que em pouco tempo me deu suporte para assumir a função de encarregado de produção, hoje sou Tecnólogo em Rocha Ornamental. Assim, o mármore e granito passou a fazer parte da minha história. Penso que o setor tinha a demanda de profissionais mais qualificados para assumirem equipamentos que custavam milhões. Eu percebi que havia muitas oportunidades de trabalho e então resolvi que o caminho que eu deveria seguir era esse, é o setor que mais emprega na nossa região” (MARCIO, Encarregado de Produção).

A fala Marcio remete ao que Schwartz (1998, 2000, 2003, 2004) aborda como a competência no sentido de fazer escolhas, arbitragens. Assim como a Canguilhem (1990), que afirma que o homem é demandado a posicionar-se, a fazer escolhas, que acontecem na relação com o seu próprio meio, onde o trabalhador constrói e é construído e dá sentido a sua vida e ao seu trabalho, e consequentemente à sociedade.

Aldo possui 33 anos, é casado, e possui ensino médio completo, estava há 9 anos na mesma empresa, contudo, durante o desenvolvimento desta pesquisa, Aldo foi desligado da empresa em que trabalhava. Possui 15 anos de experiência no setor. Considera-se uma pessoa com facilidade de aprender e com “pavio curto”. Aldo fala de seu “temperamento explosivo” como líder.

“Sou responsável pela inspeção da qualidade da produção, então, preciso ser o chato mesmo, aquele que procura defeito pra mostrar pra equipe, pra pedir retoque e nem sempre as pessoas entendem isso. Muitas vezes já briguei com colegas de outro setor, clientes e até com o dono da empresa para defender o meu ponto de vista e produzir com a melhor qualidade possível. Ganhei fama de brigão, mas não abro mão de ser exigente.” ( ALDO, Encarregado de Produção)

José possui 27 anos, destes, 8 anos de experiência no mármore e granito. Iniciou sua carreira profissional no setor. Na formação, possui ensino fundamental completo. No currículo, uma única empresa de mármore e granito que trabalha desde que chegou

da roça, aos 19 anos. Aponta como sua principal qualidade o comprometimento e como seu principal defeito a dificuldade em se expressar. Relata que tudo o que aprendeu foi

“dando murro em ponta de faca”.

“Quando cheguei aqui, não sabia nem o que era pedra. A única pedra que eu conhecia era o paralelepípedo (rs). Hoje digo com muito orgulho que sou encarregado, mas continuo aprendendo, ainda sinto que num sei nada” (JOSÉ, Encarregado de Produção).

“Comecei como ajudante na resina, eu queria aprender sempre mais e fui me apaixonando pela resina. Quanto mais aprendia, mais queria aprender... Fui crescendo com o setor de resina (...) uma vez ajudei o fornecedor da resina a desenvolver o material mais adequado para a resinagem, adequado ao tipo de material utilizado. Fomos experimentando até achar o melhor. Os técnicos de resina também me ensinaram muito, eles que me apresentaram que tinha diferentes tipos de resina, eu não sabia” (ANA, Encarregada de Produção).