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2.2.1 Construindo a noção de competências

A partir dos anos 80 e 90, autores como Zarifian e Le Boterf contestaram a definição de competências associada ao estoque de conhecimentos e habilidades, procurando associá-las à questão da realização, da produção, da entrega. Tal pensamento é defendido pelo fato de que nem sempre pessoas que possuem um elevado “estoque” de conhecimentos e habilidades conseguem colocá-los em prática.

Assim, Zarifian (1996; 2001) e Le Boterf (1994; 2003) introduzem o conceito de Competência na ação, que representa colocar em prática o que se sabe em determinado contexto, levando em conta as relações de trabalho, cultura da empresa, imprevistos e limitações de tempo e recursos (DUTRA, 2010).

Para Barros (2004, p.101) competência é o saber mobilizado na atividade de trabalho, que se refere ao reconhecimento social de um saber que é tácito, e que se mostra nas situações reais de trabalho, nos eventos, nas relações estabelecidas entre os trabalhadores. Já para Zarifian (2001, p.68), competência é “tomar iniciativa” e “o assumir responsabilidade” do indivíduo diante de situações profissionais com as quais se depara.

Para Le Boterf (2003), a competência não é resultado de treinamentos, mas sim, da mobilização dos conhecimentos e experiências a fim de atender exigências e demandas do ambiente relacionadas a: cultura da empresa, relações de trabalho, imprevistos, limitações de tempo e recursos. Para o autor, a competência só pode ser pensada em ação, na mobilização de repertórios em diferentes contextos.

Schwartz (2004) aponta três elementos presentes na noção de competência e que não se articulam facilmente: a apropriação de normas antecedentes (aquilo que é relativamente codificado e transmissível, que enquadra fortemente toda situação de trabalho), a história de cada situação (ao que possui de histórico e de parcialmente inédito) e, ainda, a gestão do inédito, a realização de escolhas, numa dimensão de valores, incontornável, que se articula com as duas primeiras dimensões.

Clot (2006) acrescenta que a atividade não é apenas aquilo que se faz, mas também o que não se faz, o que se pretende fazer, sem conseguir (os fracassos), o que poderia ter sido feito, o que se desejou fazer, o que se pensa ou sonha fazer em outra ocasião, o que fazemos para não fazer o que deve ser feito, o que fazemos sem querer fazer, o que está para ser refeito, o que foi suspenso, o não realizado. Para este autor, a competência profissional é também uma disposição a se desfazer ou a se desembaraçar de sua própria experiência.

A comunicação, neste sentido, torna-se um componente essencial do trabalho, sendo a qualidade das interações fundamental para melhorar o desempenho das organizações. A comunicação vem trazer o embasamento para a Gestão de Competências, no sentido de que é necessário construir um entendimento recíproco e bases de compromisso que serão a garantia do sucesso de ações desenvolvidas em conjunto. Pois que o trabalho se alimenta na troca de experiências dos trabalhadores, no

diálogo intra e entre equipes e trabalhadores, numa busca integrada de soluções, onde as competências dialogam e se reconstroem neste processo.

Segundo Zarifian (2001), com a emergência da problemática da Competência, podemos dizer que algumas das características históricas do trabalho industrial foram profundamente desestabilizadas, tais como a separação entre trabalho e trabalhador, a predominância do fluxo e da produtividade de operações de trabalho e a necessidade da co-presença entre trabalhadores.

Neste contexto, já não cabe a separação entre concepção e execução, o que questiona profundamente as práticas tayloristas. As trocas de conhecimentos, de pontos de vista sobre produção, expectativas, confrontação de competências são fonte incomparável de dinamismo e de riqueza para uma organização.

Para Zarifian (2001, p. 97),

“do lado da Competência, o que diferencia a competência de um trabalho taylorizado é que ela expressa uma autonomia de ação do indivíduo (em uma equipe de trabalho, em uma rede de trabalho, etc.), que se engaja subjetiva e voluntariamente, em virtude de suas iniciativas, na melhoria do valor produzido. Esse engajamento pode-se manifestar em termos de reatividade às demandas dos clientes, em termos de sensibilidade à emergência de novas necessidades, em termos de melhoria do serviço prestado, etc”.

Nesse sentido, a utilização da lógica competência exige autonomia de ação dos indivíduos, ainda que a atividade de trabalho sempre tenha raízes na competência técnica, ela possa concentrar-se na produção de subjetividade, nos efeitos relacionais produzidos.

2.2.2 Tipos de competências: individuais, coletivas e core competence

A questão das competências pode ser abordada em três dimensões: as competências organizacionais, que são competências coletivas e asseguram a realização dos planos estratégicos da empresa por meio da combinação de recursos, capacidades, tecnologias e sistemas; as competências funcionais, que se referem ao desempenho das funções/processos da organização; e as competências profissionais e individuais, que dizem respeito à mobilização de ações com vistas a atender suas atribuições e responsabilidades (RUAS, 2005).

Cabe ressaltar, ainda, a noção de core competence, proposta por Prahalad e Hamel (2000), expressa por um conjunto de habilidades e tecnologias que resultam por aportar um diferencial fundamental para a competitividade da empresa.

Ruas et al.(2010) discutem tal conceito e procuram validá-lo através de pesquisa, contudo, não conseguem encontrá-lo em nenhuma das empresas estudadas. Concluem que tal conceito aplica-se em empresas com “capacidades excepcionais”, por isso tão instigante e desafiadora, contudo, rara para uma abordagem empírica.

Para aporte desta pesquisa, optou-se pela idéia de competência na ação e não de potencial para, conforme destacado por Zarifian (2001; 2003), que será apresentada no tópico a seguir.

2.2.3 Competência como decisão e ação no mundo real e a idéia de qualificação formal.

As diferentes abordagens para o conceito de competência desafiam as pesquisas e estudos na área desde os últimos trinta anos. Os estudos de Zarifian (2001) contribuem para o deslocamento do enfoque do modelo de competência baseado nas tarefas e prescrições do cargo, para uma noção de competência na ação, ou seja, no “tomar iniciativa e no assumir responsabilidade” do trabalhador diante das situações cotidianas com as quais se depara.

Tal noção de competência traz consigo a idéia que os conhecimentos são construídos sócio-historicamente e que quanto mais a probabilidade de eventos aumenta, tanto mais esta capacidade de tomar iniciativa é requerida para o sujeito, frente às situações de trabalho (ZARIFIAN, 2001).

Portanto, nesta perspectiva, ser competente não está diretamente ligado à qualificação formal, nem tampouco à capacidade de realização dentro do pré- estabelecido, mas na capacidade de articulação e flexibilização destes diante de imprevistos e impasses do cotidiano de trabalho.

Portanto, falar em qualificação ou avaliar a qualificação implica observar as interações na organização do trabalho. A fala, nesse sentido, ao contrario da visão taylorista de perda de tempo, passa a ser um fator de produtividade (ZARIFIAN, 2001).

A aprendizagem na ação funciona como estratégia para o desenvolvimento de competências gerenciais (reflexão sobre problemas reais e atuais, espaço para reflexão sobre ações e experiências e reformulação de ações e significados atribuídos pelo indivíduo a determinados conceitos e idéias que guiam suas ações (HIROTA; LANTELME, 2005)