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4. FORMAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO DA CULTURA NO BRASIL: APORTES CONCEITUAIS

4.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

Entre o século XII e o século XVIII temos duas grandes inovações ocorridas no campo da educação na Europa Ocidental: a criação das universidades (corporação de mestres e alunos) e a organização e proliferação de colégios como lugar de formação de letrados. O aparecimento dessas formas escolares na Idade Média está fortemente ligado ao processo de reurbanização européia ocorrida a partir dos séculos X-XI. “A revitalização de centros urbanos, a ampliação de instituições especializadas na transmissão do conhecimento e a necessidade de disponibilizar textos escritos compuseram o conjunto dinâmico de novas redes de sociabilidade em constituição” (VEIGA, 2007:16).

Com a vida numa municipalidade, temos uma proliferação das corporações de ofícios comerciais ou artesanais, que, organizadas de forma sistemática, congregavam pessoas de um mesmo ofício que se submetiam a estatutos regimentais e tinham seus serviços legitimados por meio da corporação (VEIGA, 2007:17). Estatuto este que regulava as relações externas (com o poder municipal e o mercado, em questões como a venda e os preços dos produtos/serviços) e as relações internas (entre os seus membros, em questões como os vínculos entre os mestres e os aprendizes – os primeiros controlando o mercado profissional; proteção e guarda dos saberes).

Uma primeira corporação de estudos foi organizada no século XII na Europa, onde o objetivo era a transmissão de conhecimentos “desinteressados”, sem aplicabilidade imediata (VEIGA, 2007:18). Essa organização de alunos e professores numa corporação surge como uma tensão ao monopólio da educação que era exercido até então pela Igreja. “Universitas

studii é a denominação de uma organização corporativa que faz funcionar o studium por meio

de estatutos que garantem a sua autonomia, combatendo interferências externas” (VEIGA, 2007:21).

O pesquisador Jacques Verger (1990) elenca neste período três modalidades de universidade, de acordo com o seu modo de criação: as espontâneas, as formadas por

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migração e as instituídas por autoridades religiosas ou da nobreza. As espontâneas eram criadas a partir de escolas pré-existentes, como a Universidade de Oxford (1214), a de Montpellier (1220) e a de Bolonha (1230). As universidades de migração eram feitas a partir da dissidência de mestres e alunos de outras universidades, como a Universidade de Pádua (1222) – dissidente da de Bolonha –, e a Universidade de Cambridge (1318) – dissidente da de Oxford. Já as universidades criadas por decreto das autoridades religiosas têm como exemplo a Universidade de Salamanca (1218), a de Nápoles (1224), a de Valladolid (1250) e a de Lisboa132 (1290).

As universidades apresentavam subdivisões administrativas chamadas de “nações” e “faculdades”. As nações representavam agrupamentos, pela origem geográfica do estudante, enquanto que as faculdades eram ligadas aos estudos:

As faculdades eram sobretudo divisões administrativas do studium, ligadas à

organização do ensino. Havia quatro faculdades, dispostas segundo a

hierarquia em dignidade dos diversos ramos do saber: as três faculdades superiores de Teologia, de Direito (canônico e civil) e de Medicina e a faculdade preparatória de Artes, onde se ensinavam artes liberais (VERGER, 1990:49).

O ensino nas universidades era, até então, essencialmente feito de forma oral – apenas a partir do século XV que o autodidatismo se desenvolve com a difusão de livros impressos. A dinâmica partia da premissa de que saber algo era saber o que certos autores autorizados haviam dito sobre determinada coisa, base seguida pela pedagogia escolástica (denominação para os clérigos vinculados ao ensino), num princípio de ausência das contradições (VEIGA, 2007:25).

No princípio a universidade não era uma associação de múltiplos saberes, da forma como a entendemos hoje, pois em geral os estudos eram dedicados apenas a alguma área do conhecimento, como o direito (única vinculação existente em Bolonha) e a medicina (única vinculação existente em Montpellier). A partir do século XIV buscou-se uma maior concentração dos estudos, relacionando esse fato a um crescimento significativo do número de alunos e mestres (VEIGA, 2007:23).

132 Transferida no ano de 1308 para Coimbra. http://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_de_Lisboa (acesso em 31/12/2010).

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As chamadas “artes liberais” se dividiam em trivium (gramática latina, dialética e retórica – as leis do pensar) e quadrivium (geometria, aritmética, astronomia e música – as coisas do mundo). Seu ensino, que era realizado nas faculdades de Artes – conforme apontado na passagem anterior do pesquisador Jacques Verger –; foi sendo substituído no final da Idade Média pelos colégios, que a partir do século XVI se especializam como locais de ensino e se fixam como estágio para ingresso nos estudos superiores da maioria das universidades. Uma ruptura do modelo corporativo de mestres e alunos para a formação do modelo de uma instituição burocrática, numa gradação dos estudos (VEIGA, 2007:30).

Mudanças relativas ao poder na sociedade trouxeram também mudanças na concepção da educação e na relação com o conhecimento, fato que pode ser notado a partir do declínio do poder feudal e do movimento em favor dos Estados centrados na figura dos reis – os Estados nacionais absolutistas. Novas relações de interdependência entre os diferentes grupos sociais são instituídas, como podemos ver na passagem a seguir com o processo de monetarização da economia:

(...) a burguesia enriqueceu e passou a adquirir as terras dos nobres empobrecidos, a comprar ferramentas e maquinário e a desenvolver o mercado financeiro, além de instalar manufaturas numa lógica de produção diferente da das corporações. Nesse aspecto, as principais inovações foram o estabelecimento da divisão do trabalho e a contratação de trabalhadores remunerados sob o comando do patrão, o que levou à extinção das corporações de ofícios (...). Em oposição aos princípios de cooperação cristã até então vigentes, consolidava-se uma sociedade laica e individualista, que via na associação entre profissão e dinheiro a base para o sucesso ou fracasso na competição por oportunidades econômicas. Aos poucos a aquisição de conhecimento se tornara um importante diferencial para obtenção de prestígio na sociedade (VEIGA, 2007:33-34).

Novas relações entre os grupos sociais e a aquisição de conhecimento acarretam numa busca pela autonomia da abordagem pedagógica – numa tensão da base escolástica com o humanismo. O conhecimento não poderia ser simplesmente dado como algo completo, e a experimentação em relação à ciência representa uma inovação na área. Essas idéias integram o movimento chamado humanismo, que não teve espaço garantido nas universidades conservadoras e se organiza em sociedades científicas:

As associações eram regulamentadas por estatutos próprios que definiam, entre outros aspectos, as condições para ingresso e os horários das reuniões, que possuíam conteúdo eclético: matemática, geografia, cosmografia, cartografia, navegação, astronomia, botânica, química, línguas, política, economia, história (...). Assim, aos poucos, as universidades perdem o

127 monopólio do ensino superior. E, embora não conferissem graus, as academias passaram a desempenhar um papel relevante na produção e circulação dos novos saberes (...) desenvolveu-se uma gama de atividades que marcou o início da organização e profissionalização da atividade científica (VEIGA, 2007:36-37).

Os séculos XVI ao XVIII foram marcados por uma intensa busca de conhecimentos e novos saberes, reflexo de uma sociedade mais heterogênea onde os processos de diferenciação e distinção se ampliam. O poder político, a riqueza, o prestígio social e o conhecimento são os novos elementos distintivos, onde o diploma acaba por exercer nesse contexto uma distinção social:

O gosto desinteressado pela ciência, (...) a confiança no valor fecundo da discussão desapareceram e, com eles, a idéia, pela qual haviam lutado os mestres dos séculos XII e XII de que todo o homem que fosse capaz de fazê- lo tinha o direito de ensinar. (...) o saber será considerado como posse e tesouro; do mesmo modo de que as casas, as terras, os livros, ele se tornará um dos elementos do patrimônio familiar do doutor (VERGER, 1990:148).