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Breve histórico do campo da saúde do/a trabalhador/a no Brasil: medicina do trabalho, saúde ocupacional e saúde do/a trabalhador/a

CAPÍTULO 2 – Antecedentes sócio-históricos à Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora

2.2 Breve histórico do campo da saúde do/a trabalhador/a no Brasil: medicina do trabalho, saúde ocupacional e saúde do/a trabalhador/a

Realiza-se, aqui, uma reflexão e retrospectiva das diferenças conceituais e teórico- metodológicas, das concepções hegemônicas sobre a relação trabalho e o processo saúde- doença, representados pela Medicina do Trabalho – MT e pela Saúde Ocupacional – SO, em contraste com a contra-hegemonia da Saúde do/a Trabalhador/a.

A saúde do/a trabalhador/a, como parte integrante da Saúde Pública, propõe-se a ultrapassar as articulações simplificadas e reducionistas entre causa e efeito da MT e da SO,

41Enquanto garantia do acesso aos direitos sociais a toda a população, com preferência aos cidadãos que se encontram em

situação de vulnerabilidade social e/ou situação de risco, em decorrência de certas vicissitudes da vida natural ou social. O aprofundamento do tema encontra-se no capítulo anterior.

sustentadas por uma visão monocausal, entre doença e um agente específico, ou multicausal, entre a doença e um grupo de fatores de risco (físico, químico, biológico, mecânico), presentes no ambiente de trabalho (MENDES; DIAS, 1991; MINAYO-GOMEZ; THEDIM- COSTA, 1997). Quer dizer, então, que o campo saúde do/a trabalhador/a considera o trabalho como organizador da vida social, como o espaço de dominação e submissão do trabalhador pelo capital, mas, igualmente, de resistência, de constituição e do fazer histórico (MENDES; DIAS, 1991, p. 347).

A análise aqui desencadeada desdobra-se na teoria marxista, que compreende o processo de trabalho como central para o estudo da sociedade. Como abordado anteriormente, o trabalho se transforma no capitalismo. Com o advento da Revolução Industrial e todos os elementos arraigados nesse processo produtivo que compreende a acumulação de capitais, a proliferação de doenças infecto-contagiosas, concomitante às mutilações e mortes que ensejavam àquela época, impulsionaram a intervenção médica nas empresas e fábricas (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997, p. 22).

De modo semelhante, relacionada à industrialização brasileira, surge a Inspeção do Trabalho, em 1921, no Rio de Janeiro, sendo, então, considerada o marco da Medicina do Trabalho no país (ANAMT, 2016). Como abordado anteriormente, esse período foi marcado pelo início da política social de maneira sistemática por meio do Estado, principalmente no Estado Novo, com a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em 1943, criada no governo Getúlio Vargas. No campo trabalhista, foram instituídas normas para regulação das relações individuais e coletivas de trabalho, observando elementos de higiene e segurança no trabalho. Com o avanço no acesso aos direitos sociais, através das políticas sociais, a questão social passa de “questão de polícia para uma questão política” e de necessária atenção dos representantes políticos.

No Brasil, à medida que a economia avançou e os centros urbanos se desenvolveram, surgiram novas doenças relacionadas ao trabalho e, daí, a necessidade de uma análise interdisciplinar e multiprofissional sobre seus desencadeadores. Como uma resposta, surge a Saúde Ocupacional, pautada na Higiene Industrial e na compreensão “[...] da multicausalidade, na qual um conjunto de fatores de risco é considerado na produção da doença, avaliada através da clínica médica e de indicadores ambientais e biológicos de exposição e efeito” (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).

Apesar dos avanços conceituais da relação trabalho-saúde com a SO, Mendes e Dias (1991) apontam os fatores que ocasionaram a substituição desse modelo por outro, como a não concretização do apelo à interdisciplinaridade, a dificuldade de capacitação de recursos

humanos e a continuidade no tratamento dos trabalhadores como objetos das ações e não sujeitos. Esses são fatores que contribuíram para o surgimento do campo da Saúde do Trabalhador na realidade brasileira.

Assim, o campo da saúde dos/as trabalhadores/as busca desvendar o impacto do trabalho sobre a saúde e instrumentalizar os trabalhadores para reivindicar melhores condições de trabalho e de vida. A sua emergência pode ser identificada no início dos anos 1980, no contexto da transição democrática, em decorrência da mobilização social e da resistência da classe trabalhadora.

Esse processo social se desdobrou na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986) e na realização da 1ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (1986) e foi decisivo para a Constituição Federal de 1988, atribuindo ao Sistema Único de Saúde - SUS a execução das ações de saúde do trabalhador.

Para Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1997),

[...] por Saúde do Trabalhador compreende-se um corpo de práticas teóricas interdisciplinares – técnicas, sociais e humanas – e interinstitucionais, desenvolvidas por diversos atores situados em lugares sociais distintos e informados por uma perspectiva comum. Essa perspectiva é resultante de todo um patrimônio acumulado no âmbito da Saúde Coletiva, com raízes no movimento da Medicina Social latino- americana e influenciado significativamente pela experiência italiana (p. 25).

A produção de conhecimentos no campo da Saúde dos Trabalhadores possibilita a reflexão e a ação interventora na realidade. Portanto, contribui para o avanço, no sentido de chegar ao cerne das causas dos agravos à saúde e não simplesmente aceitar a obtenção do adicional de insalubridade ou periculosidade. Aliada a essas condições, tem-se a conjuntura atual de desmonte dos direitos trabalhistas e previdenciários, que prejudicam o acesso aos benefícios daí decorrentes e enfraquece a classe trabalhadora.

Assim, na tentativa de ilustrar as diferenças e características da Medicina do Trabalho – MT, da Saúde Ocupacional – SO e da Saúde do Trabalhador – ST, de maneira simplificada, segue quadro abaixo:

Quadro1– concepções sobre a saúde da classe trabalhadora

A medicina do trabalho constitui fundamentalmente uma atividade médica, e o “lócus” de sua prática dá-se tipicamente nos locais de trabalho.

8ª Conferência Nacional de Saúde – conceito ampliado de saúde e desenho do sistema único de saúde/SUS (1986). Processo “Trabalho-Saúde-Doença”.

1ª Conferência Nacional de saúde dos Trabalhadores (1986). A determinação social do processo saúde-doença tem sua centralidade no trabalho.

Fonte: A tabela foi elaborada e atualizada pela autora, a partir das informações obtidas em Mendes; Dias (1991), Minayo-Gomez; Thedim-Costa (1997) e Lacaz (2005).

Apesar dos avanços e dificuldades de cada modelo analisado, é interessante destacar que tais modelos fazem parte de um processo histórico que sofre rebatimentos de aspectos externos e contribuem para avançar ou retroceder no descobrimento dos agravos à saúde da classe trabalhadora. À vista disso, o campo saúde do/a trabalhador/a tem como foco desvendar os impactos do trabalho sobre a saúde, considerando a importância deste como organizador da vida social, como espaço de dominação e submissão do/a trabalhador/a pelo capital, mas, também de resistência, de constituição e do fazer histórico.

É importante também nesse movimento pormenorizar a atuação organizada da sociedade civil nos espaços de controle democrático na realidade brasileira, aspectos a serem abordados no tópico seguinte.