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“Dado que a força das palavras é demasiado fraca para obrigar os homens a cumprirem seus pactos, só é possível conceber, na natureza do homem, duas maneiras de reforçá-la. Estas são o medo das conseqüências de faltar à palavra dada, ou o orgulho de aparentar não precisar faltar a ela” (Hobbes, Leviatã).

A política conservacionista brasileira seguiu o modelo estadunidense de criação de áreas sob o domínio do poder público, destinadas a lazer, pesquisa e visita. A primeira área natural protegida criada no mundo foi o Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, em 1872, cujo objetivo seria a delimitação de uma área específica para lazer da população, sob administração do governo nacional. Assim, historicamente, parque nacional é a primeira categoria com objetivos de conservação da natureza, criada em grandes extensões territoriais.

Atualmente encontramos um grande número de áreas naturais protegidas, com objetivos diferentes e, portanto, englobadas por categorias diferentes, cujo denominador comum é o de conservar in situ uma determinada região e suas espécies. As finalidades podem depender do tamanho e estado de degradação em que se encontra a área e da biodiversidade existente no local. Segundo Amend, T. (apud Vianna, 1996) o boom de objetivos conservacionistas nos diversos países resultou no aparecimento de aproximadamente 140 denominações diferentes para as categorias de áreas naturais protegidas; umas supõem o uso direto dos recursos naturais de forma sustentada, e outras supõem o uso indireto, onde a intervenção humana é tolerada apenas o mínimo necessário para o cumprimento de seus objetivos (Vianna, 1996).

Existem questões éticas envolvidas na criação e implantação das unidades de conservação que são pouco discutidas. Mesmo que se diga que estas políticas são voltadas a um benefício coletivo, os sacrifícios não são distribuídos de forma igualitária: alguns são afetados pela política de conservação, enquanto outros mantêm o livre acesso e usufruto dos recursos naturais (Lima, 2002).

Diversos autores alegam que (dentre eles, Ferreira, Diegues, Buttel, Hannigan, Esterci, Lima e Lena, Beck, Alonso e Costa), o ambientalismo propõe uma crítica radical ao modo de desenvolvimento capitalista: ele afirma que o atual modelo não pode continuar indefinidamente e que os limites impostos pela natureza requerem sua reorientação radical. Busca-se, agora, em escala mundial, o desenvolvimento sustentável. Neste cenário, as regiões mais remotas despontam como locais a serem reservados e onde se pode buscar conhecimentos e práticas mais compatíveis com a conservação da biodiversidade. Para o presidente do PV francês, Alain Lipietz, a Amazônia constitui o eixo incontornável do desenvolvimento sustentável. "Pensar as transformações e o futuro da Amazônia representa portanto uma contribuição de grande valor para a problemática global" (Esterci, Lima e Lena, 2002:3). Ela é "um verdadeiro laboratório de experiências que buscam contemplar a proteção aos ecossistemas e as necessidades de seus habitantes. A implementação do projeto implica na interação de agências do Estado, organismos financiadores nacionais e internacionais, grupos de pesquisa, organismos confessionais, associações, entidades de representações de segmentos diversos da população e organizações não-governamentais, numa nova configuração" (idem).

Nos anos 70 e 80, índios e não-índios reagiram ao processo de expropriação a que vinham sendo submetidos. Seringueiros, quebradeiras de coco, ribeirinhos, são identidades que foram (e ainda estão sendo) construídas e que funcionam como "unidades de mobilização" (Almeida, 1990) na defesa de interesses particulares. Desde o final dos anos 80 foi-se configurando aos poucos uma aliança entre estes segmentos organizados - identificados como "populações tradicionais" - e o movimento ambientalista que defendia "interesses universais" de proteção da vida.

Os conservacionistas já perceberam e erigiram em regra que as áreas protegidas correm menos riscos quando têm a zelar por elas seus habitantes desde que, como advertem Ayres

et al. 1994, convencidos de que a conservação reverterá também em seu benefício e não apenas um motivo de sacrifícios ainda maiores. Assim, a parceria com as chamadas "populações tradicionais" torna-se condição para a implementação deste novo modelo. Mas os diferentes segmentos sociais se inserem de maneiras diversificadas e desiguais na Amazônia socioambiental, seja pelos seus modos de se relacionar com o meio ambiente, pela sua emergência no campo político, ou pelo grau e a forma de sua vinculação aos mercados (Lima e Pozzobon, 2001). Talvez as alianças atuais se estabeleçam de forma privilegiada com populações que são reconhecidas, pelos ambientalistas ou pelas agências financiadoras, como garantia de um comportamento (ambiental e econômico) mais adequado aos objetivos socioambientais. Mas quais são estes critérios ambientais que tanto legitimam quanto inibem ações políticas, financiamentos ou projetos diversos que podem incluir ou excluir parte da população? Afortunadamente, ao contrário do que os discursos políticos fazem supor, essas categorias de classificação da população autorizam uma flexibilidade tal que

ribeirinhos podem reivindicar o estatuto de índios ou de pescadores, pequenos produtores reivindicam em nome da memória o status de remanescentes de quilombos (Acevedo e Castro, 1993; O'Dwyerm 1995; Carneiro e Cunha, 2000 apud Esterci, Lima e Lena, 2002). São estratégias de reconstrução de identidades e de acesso a recursos e a políticas públicas.

Tanto para as populações indígenas quanto para os demais segmentos, o acesso a essas redes se faz através da adoção de formas de representação aceitas por outros setores, especialmente as organizações não-governamentais, cujo número e espaço de ação ampliaram-se enormemente nos anos 90. Apesar de não-governamentais, elas atuam muitas vezes em parceria com o Estado e com as instituições internacionais, criando um quadro político ainda mais complexo. Este é justamente o caso do Parque Nacional do Jaú, em que uma parceria entre o IBAMA e a Fundação Vitória Amazônica teve, como um dos frutos, a elaboração do Plano de Manejo do parque, tido nacionalmente como um modelo inovador por ter incluído a população local em seu processo de elaboração47.

47 Para conhecer como foi feito este Plano de Manejo do ponto de vista da FVA, favor ler: FVA. (1998). A

Para tornar mais claro o que estamos dizendo, traremos um exemplo de mobilização de moradores, em aliança com outros setores da sociedade, para garantia de seus direitos sobre a terra.