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2.3 Concepções e Teorias Básicas Sobre Valores Humanos

2.3.2 Histórico do Estudo dos Valores Humanos

Durante muito tempo, o estudo dos valores humanos foi uma área de estudo de privilégio da filosofia, onde o apoio mais presente e significativo vieram de Max Scheler (1874-1928), Johannes Hessen (1889-1971), Garcia Morente (1886-1942) e de Nicholas Rescher (1928-). Essa reflexão filosófica trouxe grandes contribuições na fundamentação e construção da concepção atual sobre valores humanos, porém, pouco se encontra sobre valores específicos. Somente na segunda metade do século XX surgiram as primeiras propostas de identificação dos valores concretos que permeiam a conduta humana, desenvolvidas principalmente pela psicologia e pelas ciências sociais. É nessas áreas do conhecimento que se podem encontrar as contribuições mais significativas para a discriminação dos valores humanos (ALMEIDA; SOBRAL, 2009).

Em 1928, Spranger, na Alemanha, desenvolveu uma espécie de tipologia para o estudo dos valores e da personalidade, conforme apresenta o Quadro 3, mas no entanto, não elaborou um instrumento para a validação da sua teoria (TAMAYO; PORTO, 2009).

Quadro 3: Tipologia de Valores proposta por Spranger (1925)

TIPOS DE VALORES CARACTERIZAÇÃO

Teórico Definido pela busca da verdade

Político Definido pela busca do poder

Econômico Focalizado na procura do útil

Social Constituído pela busca do amor aos outros

Estético Definido pelo interesse na avaliação das formas e da harmonia Religioso Definido pela busca da unidade mística com uma força superior

Fonte: Adaptado de Tamayo e Porto (2009, p. 369)

Essa teoria foi utilizada como base para a construção do primeiro instrumento para avaliação dos valores, denominado Study of Values. Tamayo e Porto (2009) debatem sobre o instrumento elaborado por Allport, Vernon e Lindzey (1951). Esse instrumento foi desenvolvido para medir preferências individuais em relação aos tipos de valores definidos por Spranger (1925), deduzidos dos “tipos básicos ideais” da individualidade. Esses tipos ideais são considerados atemporais. Ou seja, “eles existem porque o indivíduo acentua uma direção distinta de sentido e de valor na sua estrutura valorativa individual (SPRANGER, 1925)”. (BILSKY, 2009, p.14-15).

Contudo, os tipos de homem identificados por Spranger, apesar do esforço desenvolvido por Allport, Vernon e Lindzey, continuam no plano das classificações categóricas, já que não apresentam uma identificação concisa dos valores propriamente ditos que carac terizam cada uma das classes de valores consideradas (ALMEIDA; SOBRAL, 2009).

A partir daí, foram surgindo outras abordagens buscando mensurar os valores individuais, empiricamente. Como é o caso da abordagem de Morris (1956). A sua teoria tem como base três elementos fundamentais: budista, dionisíaco e prometeico. Contudo, foram percebidas várias limitações para essa abordagem quando aplicada a estudos empíricos. Por isso, Morris resolveu ampliar a sua teoria, inserindo seis caminhos adicionais. Os entrevistados dispunham então de um total de treze caminhos, onde seria necessário valorar a importância de cada um em uma combinação de ordenamento (ranking) e avaliação (rating) (BILSKY, 2009).

Depois de então, surge o estudo pioneiro que se tornou referência para as pesquisas futuras sobre valores por tratar cientificamente do tema, buscando identificar exaustivamente os valores humanos. Trata-se da pesquisa realizada por Milton Rokeach (1973), que desenvolveu o Rockeach Value Survey (RVS) com a publicação do seu livro The nature of human values (Rockeach, 1973). O RVS é uma ferramenta universal que abrange duas listas de 18 valores cada – instrumentais e terminais. O respondente precisa ordenar cada uma das listas de acordo com o grau de relevância de cada valor na sua vida. A diferença de Rockeach (1973) pros teóricos anteriores é que o mesmo não utilizou uma abordagem puramente teórica, mas sim uma gama de hipóteses plausíveis, e de certa forma independentes (BILSKY, 2009; ALMEIDA; SOBRAL, 2009).

Em sua obra, Rockeach defende a teoria de que os valores existem em número reduzido e são quantificáveis no que se refere a preferências estáveis por determinados modos de conduta (valores instrumentais) ou estados- finais de existência (valores terminais), em detrimento de outros. Os valores instrumentais referem-se à preferência por um determinado comportamento, diferindo assim dos valores morais que, quando infringidos, geram sentimentos de culpa (por exemplo, agir de forma honesta) dos valores de competência, focado s na pessoa e não na sua relação com os outros, que, quando infringidos, geram a sensação de vergonha e de incompetência (por exemplo, agir de forma lógica). Já os valores terminais, representam a preferência por estados-finais de existência, distinguindo os valores centrados no indivíduo (por exemplo, paz interior) dos valores centrados na sociedade (por exemplo, fraternidade). Rockeach

acrescenta ainda que mesmo que não se deva estabelecer uma relação de um para um entre os valores dos dois tipos, os valores humanos têm uma importante função motivacional, onde o cumprimento e a obediência aos valores instrumentais, objetiva alcançar os estados- finais desejados (valores terminais), e esses estados- finais objetivam atingir objetivos maiores que estão além das necessidades biológicas imediatas e que, ao contrário destas, não são esporádicos nem parecem ser plenamente saciáveis (ALMEIDA; SOBRAL, 2009; SCHWARTZ, 1992).

Desta forma, dentre as várias contribuições do autor à área, uma dos principais foi o fato de o mesmo diferenciar os valores de outros construtos com os quais costumavam ser relacionados, além de que o instrumento mensurava os valores como um construto legítimo e específico (GOUVEIA et al., 2001). Entretanto, alguns aspectos de sua teoria são colocados em questão, como o fato da indefinição da estrutura de valores que consta no seu instrumento de pesquisa (Rockeach Value Survey), o que pode inviabilizar o entendimento dos efeitos e dos significados das preferências de valores de cada indivíduo (GOUVEIA et al., 2001; ALMEIDA; SOBRAL, 2009). Com isso, outros modelos teóricos têm sido propostos, com destaque para o modelo de Schwartz (1992).

O modelo teórico de Schwartz é uma expansão daquele proposto por Rokeach, com três distinções básicas: (a) a proposta de uma medida que combina intervalos com âncoras (geralmente dois valores, um avaliado como de máxima importância e outro que é identificado como contrário aos demais valores do respondente); (b) a ênfase na base motivacional como explicação para a estrutura dos valores; e (c) a sugestão da universalidade da estrutura e do conteúdo dos tipos motivacionais de valores. (GOUVEIA et al., 2001).