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Historicidade e anti-historicismo no movimento moderno

CAPÍTULO 2. Arquitetura e Urbanismo Moderno e as contribuições para o debate sobre a preservação, anos 1930-

2.2 Historicidade e anti-historicismo no movimento moderno

Segundo Pateta (1987), o conceito empregado na criação daquela sociedade é tão inovador, que levou cerca de um século para ser completamente compreendida no âmbito da própria área de patrimônio. E é preciso acrescentar que isso só ocorre diante das reflexões e formulações empreendidas durante o século XX, principalmente após a Segunda Guerra Mundial.

(...) a intuição (...) de que a redução (...) dos edifícios a seus esquemas tipológicos, formais, volumétricos e espaciais levava de fato a um distanciamento do conhecimento concreto da arquitetura; de que o monumento tinha uma identidade absoluta (...), um unicum com aquelas pedras e sua idade, com os sinais do tempo, com suas irregularidades irrepetíveis. Foi exatamente a partir de considerações desse gênero que surgiu a primeira Society for the Protection of Ancient Building (...) que promovia não uma conservação artístico- seletiva, mas histórico-documental de todo o patrimônio monumental

(hipótese tão avançada que só hoje foi absorvida). (PATETA, 1987, p. 18)

Há tentativas de superação desse aparente distanciamento entre discurso e ação profissional, em particular em relação ao neogótico, como expõe Pateta (1987) quando se propõe à revisão sistemática da história do Ecletismo, procurando restabelecer os vínculos entre os séculos XIX e XX. A análise por ele formulada não se contrapõe aos preceitos fundantes estabelecidos pela historiografia para a arquitetura e o urbanismo modernos. Mas, a partir deles, apresenta nova perspectiva de leitura, ao tentar compreender os problemas formais presentes no neogótico e sua contribuição para o movimento moderno.

O autor aponta ainda como as contestações do neogótico terão desdobramentos posteriores para as pesquisas formais empreendidas pela arquitetura e urbanismo modernos.

Para Morris e seus colegas, isto traria como conseqüência a necessidade de melhorar o gosto do mobiliário e dos objetos domésticos. (...) como as teorias de Viollet de Duc sobre a racionalidade construtiva gótica e sobre as possibilidades de modelar o ferro funcionaram como premissas para as estruturas Art Nouveau de Victor Horta e de Hector Guimard, a cultura da country house foi uma referência precisa para Charles Mackintosh e Charles Voysey, referência que, através de Hermann Muthesius, chegou até o continente europeu. (PATETA, 1987, pp. 22-3)

A restauração passa a ser vista, até metade do século XX, como uma prática conservadora, uma apologia ao historicismo, ao culto da erudição eclética. Essas características são mais acentuadas na historiografia, a partir da década de 1930, porque na prática os arquitetos em seu tempo continuam enfrentando os desafios da preservação de edifícios e sítios históricos, problema intrínseco ao desenvolvimento das cidades frente à modernização e ao crescimento desordenado.

É relevante destacar que os limites da busca de uma continuidade histórica no âmbito do movimento moderno é um tema que Manfredo Tafuri (1979) desenvolve em profundidade, apontando a ineficiência metodológica dessa postura, que desconsidera o anti-historicismo como essência da arquitetura e do urbanismo modernos. Nenhuma tentativa de historicização é capaz de fazer surgir “um movimento moderno radicado na história – ele já o está, e justamente devido ao seu anti-historicismo” (TAFURI, 1979, p. 126).

A postura das vanguardas modernas de busca por uma forma inovadora, que rompe a tradição dos códigos linguísticos estabelecidos, é em si constitutiva de suas proposições de alteração da ordem historicamente pré-estabelecida. Essa postura diante do passado, segundo Tafuri (1979, pp. 36-7), remonta à experiência de Brunelleschi, no século XV, quando “esboça-se a primeira grande tentativa, na história moderna, de actualização dos valores históricos como tradução de um tempo mítico para um tempo presente, de significados arcaicos para mensagens revolucionárias”.

Trata-se, então, para esse autor, de esclarecer sentido e origem do “anti- historicismo” das vanguardas:

E, dado que um dos preconceitos mais difundidos é o que vê o problema da história arbitrariamente censurado pelas vanguardas artísticas do século XX, será bom percorrer de novo sinteticamente o processo desenvolvido, remontando às suas verdadeiras origens: à própria revolução da arte moderna realizada pelos humanistas toscanos do século XV. (TAFURI, 1979, p. 36)

A análise histórico-crítica do movimento moderno de Tafuri, baseada no método dialético marxista, explicita os embates no âmbito da própria historiografia, indicando a necessidade de revisão de seus princípios metodológicos para que seja possível avançar na avaliação da contribuição deixada pela arquitetura e urbanismo modernos.

De agora em diante já não há valores absolutos a dominarem as estruturas simbólicas do fazimento artístico, mas é a própria experiência da humanidade que se propõe como protagonista e pretende levar à descoberta de uma nova construtividade da forma, directamente relacionada com a percepção, com a fruição, com um simbolismo mundano e contingente. (TAFURI, 1979, p. 52)

Os apontamentos sobre o tema do anti-historicismo do movimento moderno suscitam a valorização da historicidade, articulada à retomada do debate sobre intervenções nos centros históricos pelos arquitetos italianos, na década de 195055, permitindo, no escopo deste trabalho, avançar no reconhecimento que ganha esta questão na segunda metade do século XX.

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A análise de Tafuri aponta o equívoco desse retorno historicizante da arquitetura italiana do pós-guerra, avaliando que significou um desvio dos pressupostos do movimento moderno. Diz: “O historicismo da arquitetura italiana é, portanto, apenas aparente. Relativamente às formulações das vanguardas não se verificou uma efetiva recuperação da história (...), mas antes uma tentativa de desenraizamento da tradição do novo, desprovida de coragem e indecisa” (TAFURI, 199, p. 97. Grifos do autor).

Segundo Tafuri (1979), dentre os arquitetos vinculados ao movimento moderno que se dedicam a pensar o tema da preservação e intervenção em edifícios e centros históricos, estão: Benévolo, Argan, Zevi, Rossi, Aymonino, Gregotti, Samonà, Rogers, entre outros, e também Brandi e Giovannoni.

Um exemplo da importância que assume essa questão está explicitado nas “premissas” do livro de Bruno Zevi (1979, p. 9), Architectura in Nuce. Uma definição de arquitetura, no qual o arquiteto propõe “a crítica arquitetônica como instrumento para a conservação dos monumentos e dos ambientes antigos e na promoção de uma renovação urbana e dos edifícios”.

Nesse sentido, é possível reconhecer tanto na historiografia tradicional da arquitetura e urbanismo modernos quanto na historiografia crítica inaugurada por Tafuri, a importância que ganha o tema. Na literatura, no campo do patrimônio cultural, os vínculos reconhecíveis nas propostas iniciais de Ruskin e Viollet-le-Duc com o pensamento arquitetônico e urbanístico de seus tempos também são progressivamente apartados, acarretando a desconexão entre as duas esferas de conhecimento, produção/criação e restauração/conservação, que em sua origem eram as mesmas.

2.3 Os CIAM e as duas Cartas de Atenas: movimento moderno e patrimônio