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41Hoje, o design está em praticamente tudo com que interagimos, é responsável pela

formação da maior parte da cultura material de uma sociedade e tem um papel fundamental na forma do mundo como percebemos e como queremos construir no futuro. Entretanto, costuma ter seu trabalho ditado pelas demandas do mercado, sem a possibilidade de ação autônoma no sistema social. O design sempre esteve associado ao capitalismo industrial e teve participação fundamental na construção de suas representações de progresso, como o comércio e a tecnologia. Porém, segundo Bruno Latour (2014)31, o entendimento sobre o design cresceu da dicotomia

entre função e estética em “compreensão” – com apropriação de todos os aspectos possíveis de uma coisa – e em “extensão” – aplicável a estruturas cada vez maiores de produção (Latour, 2014).

Sobre a expansão do design e as “alternativas viáveis em um mundo complexo”, John Thackara (2008)32 contribui para o pensamento crítico sobre a inovação

focada na tecnologia, que nos deixou dependentes, levou à destruição impensada de culturas tradicionais e à desumanização do trabalho. Sugere a necessidade de se olhar para a tecnologia como plataforma para a mudança social, como ferramenta a ser explorada, recombinada e conectada; e não como objetivo final.

“Nessa nova era de inovação colaborativa, os designers estão tendo de evoluir de autores individuais de objetos, a facilitadores da mudança entre grandes grupos de pessoas.” (Thackara, 2008: 21)

Os avanços tecnológicos recentes são imensos, possibilitaram uma realidade antes impensável e trouxeram benefícios inegáveis para a sociedade. Tudo está conectado: pessoas de todas as partes do planeta, culturas absolutamente diferentes, profissionais, ideias, pensamentos. Há grande variedade e alta velocidade de informações e interações, gerando um ambiente fluido, em constante interferência e transformação. E esse sistema complexo, dinâmico e digital produziu profundas transformações na disciplina do design, reavaliando valores, objetivos e metodologia, e reforçando-se como uma atividade estratégica para a geração de alternativas integradas para os novos desafios do mundo contemporâneo.

Quanto à tipologia de projetos, o design expande sua atuação a partir de um processo de desmaterialização de seus objetos, surgindo áreas como o design de serviços, de interações, de organizações e de sistemas. Enquanto propósito, a disciplina volta seu olhar para as questões sociais e ambientais, em perspectivas

31 Latour, Bruno. “Um Prometeu cauteloso?: alguns passos rumo a uma filosofia do design (com especial atenção a

Peter Slotedijk).” Agitprop: revista brasileira de design, São Paulo, v. 6, n. 58, jul./ago. [2008] 2014.

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como o Design Social, para Inovação Social, Design Sustentável, Impact Design etc. Como abordagem metodológica, dirige seu foco para as pessoas, a partir do User-centered Design ou Human-centered Design, e através do Design Thinking, Participatory Design e Co-Design, em que os atores são incluídos no processo como criadores de alternativas para seus próprios problemas.

Para Latour, “a proliferação do termo design ocorre num momento em que há mais coisas a fazer, agora que todo o tecido da vida é objeto de interesse devido à crise ecológica” (Latour, 2014: 8) e “a reconstrução de nossa vida na Terra deve ser levada a cabo com uma atitude exatamente oposta às atitudes revolucionárias e modernizantes” (Latour, 2014: 11). Esse seria um ponto de partida para estender as questões do design à política, tendo como principal desafio o desenvolvimento de ferramentas para “agrupar através do desenho” as questões de interesse, de modo a dispor alguma visão sobre as dificuldades envolvidas (Latour, 2014).

Em “Democratic Design Experiments” (Binder et al, 2015)33, Thomas Binder e os

outros autores exploram o potencial democrático da participação em processos de design, a partir da experiência teórica e prática do Participatory Design, que teve abordagem inicial voltada para a democracia no trabalho e depois estendida a questões de interesse público. Em resposta aos desafios propostos por Latour de “tornar as coisas públicas”, consideram que o codesign pode ter um papel importante na democratização da democracia, enquanto um processo contínuo de fazer, reparar e desfazer alinhamentos e conexões sócio-materiais, preparando as condições para discutir questões controversas no sentido de facilitar contradições, oposições e discordâncias por meio do engajamento (Binder et al, 2015).

A seguir, serão analisados particularmente os campos e abordagens do design relevantes para esta investigação, com interesse em contribuir para enfrentar as questões sociais do mundo contemporâneo, reduzir as desigualdades e ampliar a democracia, deslocando o papel dos designers de provedores de soluções direcionadas a problemas objetivos para o de facilitadores e catalisadores de questões compartilhadas. Tal como a arte em seu campo expandido, pretende explorar os “espaços relacionais” sob “o pressuposto que a conversa, o relacional, o transitório, e o experiencial se articulam, ou podem articular, como catalisadores dinâmicos daquelas instâncias em que a prática e o pensamento demonstram, em variados graus de intensidade, a impossibilidade de uma arte alienada do político enquanto domínio dialógico” (Vaz-Pinheiro, 2012: 11)34.

33 Binder, Thomas, et al. “Democratic design experiments: between parliament and laboratory.” CoDesign 11.3-4:

152-165, 2015.

34 Vaz-Pinheiro, Gabriela (Ed.). Espaços Relacionais: Um novo campo expandido para a arte e pensamento. i2ads,

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“Nossas motivações para nos ligar ao discurso da inovação social é a crença nos princípios democráticos e um interesse em como o design pode desempenhar um papel na exploração de novas possibilidades para criar um mundo mais sustentável, igual e justo” (Ehn, 2014: 22).35

Os interesses da investigação se identificam com os do Design para a Inovação Social a partir do conceito explorado por Ezio Manzini em suas publicações e atuação profissional através da DESIS Network (Design for Social Innovation and Sustainability)36.

Para Manzini, a inovação social está para o design hoje como a inovação tecnológica esteve no século XX: como estímulo e objetivo. O Design para a Inovação Social não seria uma nova disciplina, mas um novo olhar sobre o papel do design no mundo e o que pode fazer com e para as pessoas que o habitam. Sua abordagem é participativa e centrada no ser humano enquanto indivíduo e em comunidade, através do estímulo e suporte a processos colaborativos com o objetivo de recombinar recursos existentes para criar novas funções e significados em conjunto com os atores envolvidos, na transição para uma sociedade sustentável (Manzini, 2015).

“A expressão ‘sustentabilidade ambiental’ refere-se às condições sistêmicas a partir das quais as atividades humanas, em escala mundial ou em escala local, não perturbem os ciclos naturais além dos limites de resiliência dos ecossistemas nos quais são baseados e, ao mesmo tempo, não empobreçam o capital natural que será herdado pelas futuras gerações” (Manzini, 2008: 22).

Tendo o designer contribuído bastante para a formação da sociedade do consumo responsável pela devastação do meio ambiente, seu desafio é colaborar para a descontinuidade desse sistema sócio-técnico insustentável (Manzini, 2008). O Design para a Inovação Social atua no processo de mudança de paradigma que se trabalhou nesta investigação, no sentido de direcioná-la para a construção de um mundo mais saudável, visto que não se sabe que caminhos esse processo pode tomar. Acredita que é possível intervir nesse sistema complexo através do estímulo, fortalecimento, replicação e conexão de iniciativas representativas de novos estilos de vida (“fissuras”), baseadas em interações e expectativas de bem-estar mais condizentes com a capacidade de absorção do mundo real.

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