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Rio Comprido em Nós: Da Memória Afetiva à Imaginação Coletiva, Metaprojeto para a Construção do Público Meio do Design

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Academic year: 2021

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Fotografia tirada em campo - Avenida Paulo de Frontin, Rio Comprido, Rio de Janeiro (2015).

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“O importante não é a casa onde moramos, mas onde em nós a casa mora.”

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Agradecimentos

À professora e minha orientadora Gabriela V. Pinheiro, por proporcionar no MADEP um espaço de reflexão e experimentação, em troca com pessoas diferentes de contributos relevantes, e também pelas importantes recomendações na construção desta investigação. À minha co-orientadora Zoy Anastassakis, pela disponibilidade nesse desafio e generosidade de compartilhar conhecimentos e experiências, essenciais para a articulação dos conceitos trabalhados e posicionamento no campo disciplinar do design. Aos companheiros do MADEP, pela união e parceria durante todo o trajeto, pela companhia agradável nas incursões acadêmicas e intercâmbio cultural, e também aos professores Jorge Marques e Miguel Costa pela dedicação. Às queridas parceiras do LaDA (Laboratório de Design e Antropologia da ESDI/UERJ), pela recente relação que já rende frutos estimulantes para o contínuo aprendizado na academia e na vida.

Em especial à minha mãe Márcia, pela confiança e dedicação imensuráveis, pela herança do sonho e cuidado com o outro, pelo carinho e parceria em todos os momentos, desde a partilha das novas descobertas aos medos e dores da solidão e da saudade. Aos meus pais Cicero e Vicente, pelo incentivo e confiança, à minha irmã Talita pelo estímulo radiante, aos meus primos Júlia e João pelo pedacinho de casa nesse mundo distante. Ao Pedro, por me ajudar a revelar caminhos latentes ocultos.

Ao Rio Comprido, por me permitir vivenciar tamanha diversidade durante a vida, e aos seus moradores que compartilharam suas estórias, memórias e desejos, sonhando juntos por um mundo melhor. E a Portugal, pelo acolhimento ambíguo que possibilitou essa viagem interna às minhas raízes e valores mais profundos.

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Fotografia tirada em campo - Praça Condessa de Frontin, Rio Comprido, Rio de Janeiro (2015).

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A presente investigação busca a reflexão sobre o papel dos designers na sociedade a partir do espaço público como cenário e objeto de trabalho, em transformação dinâmica constante num mundo fluido e complexo. Adentra a desmaterialização e expansão da disciplina, explora metodologias participativas, passando pelo Design para a Inovação Social e aproximando-se do emergente campo híbrido Design Anthropology. Com projeto de pesquisa localizado num bairro do Rio de Janeiro, envolve as pessoas no processo como potência de imaginação coletiva, atuando de forma engajada e em correspondência às interações sociais existentes. Pretende-se como um sistema aberto de experimentação colaborativa e aprendizado contínuo, em que ferramentas visuais estimulam o diálogo acerca das questões locais e a busca de visões compartilhadas para o futuro. Dessa forma, a designer atua como mediadora através de abordagem estratégica e tática, integra elementos que influenciam o devir, conecta agentes e iniciativas, resultando em um metaprojeto que pode direcionar outras ações locais.

Palavras-chave: Design Anthropology, Design para Inovação Social, espaço público, Participatory Design, imaginação coletiva.

This research seeks a reflection about the role of designers in society with public space as backdrop and object work, in constant dynamic change in a fluid and complex world. It enters the dematerialization and expansion of the discipline, explores participatory methodologies, passing by Design for Social Innovation and in approach to the emerging hybrid field of Design Anthropology. The research project is located in a neighborhood of Rio de Janeiro, and involves people in the process as potency of collective imagination, acting in a committed way and in correspondence to existing social interactions. It intends to be an open system of collaborative experimentation and continuous learning, in which visual tools stimulate dialogue about local issues and the search for shared visions for the future. Thus, the designer acts as a mediator through strategic and tactical approach, integrates elements that influence becoming, connects agents and initiatives, resulting in a meta-project that can orient other local actions.

Keywords: Design Anthropology, Design for Social Innovation, public space, Participatory Design, colective imagination.

Resumo

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1. Trajetória, lugar e metodologia

“De perto do mundo, de longe de casa”

2. O espaço público no mundo complexo

2.1 Fluidez e conexão, rumo a um novo paradigma 2.2 Produção capitalista do espaço urbano

2.3 Microplanejamento de práticas urbanas

3. “Design para um mundo complexo” 3.1 Desmaterialização e campo expandido 3.2 Design para a inovação social

3.3 Design Anthropology

3.4 Co-Design: experimentos, ferramentas e metodologias participativas

4. “Rio Comprido em nós”: metaprojeto para a construção do público por meio do design 4.1 Breve histórico

4.2 Caracterização e mapeamento 4.3 Mapeamento participado 4.4 Espaço público online 4.5 Análise de dados

4.6 Ativos, passivos e possibilidades 4.7 Cenários futuros 4.8 Publicação 5. Considerações finais 6. Bibliografia

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Índice

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Fotografia tirada em campo - Rio Comprido, Rio de Janeiro (2015).

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Esta investigação surge do vínculo pessoal e longínquo com o bairro de origem,

da percepção da sua necessidade de transformação e da vontade latente de mudança e melhoria; da busca por um exercício mais consciente e responsável de atuação profissional, através da reflexão e aprofundamento teórico sobre o papel social e político do design como ferramenta estratégica e tática para a geração de alternativas para os problemas do mundo contemporâneo; e da conjugação entre o que se configurou uma questão de investigação e as possibilidades da disciplina de design em contribuir para o pensamento sobre a construção do espaço público. A relação com o lugar de onde parte este estudo nasce ainda antes de mim, quando o bisavô português de Póvoa de Varzim vai para o Brasil em busca de melhores oportunidades, acabando por se instalar no Rio de Janeiro, no bairro do Rio Comprido. No prédio que ergueu, construiu-se a história da família e se criaram muitas estórias, vivências, memórias e afetos. Mais de 70 anos depois, minha vinda para Portugal representaria um tipo de retorno à origem, ou uma das raízes geradoras de imensuráveis combinações possíveis que nos faz brasileiros.

Em busca de encontro pessoal e sentido profissional, de equilíbrio entre proximidade e distância dos objetos constitutivos da vida, reconheço-me na perspectiva antropológica que conjuga pertencimento e estranhamento. Na leitura de “De perto e de dentro, de longe e de fora” (Magnani, 2002), identifico conexões na forma como tenho trabalhado até então de modo intuitivo, e busco a consciência do processo para melhor compreensão e apropriação. No intuito de se perceber as questões contemporâneas relacionadas às cidades e suas dinâmicas culturais, o antropólogo José Guilherme Cantor Magnani propõe a perspectiva da etnografia urbana a partir de seus atores sociais, adentrando suas práticas e a paisagem em que se desenvolvem, em complementação a um “olhar distanciado, indispensável para ampliar o horizonte da análise” (Magnani, 2002: 11)1.

Fez-se necessário um distanciamento para melhor compreensão e análise sob outras perspectivas, e posteriores revisitações ao olhar próprio e à multiplicidade de experiências, narrativas, desejos e sentimentos, advindos dos outros tantos

1. Trajetória, lugar e metodologia

“De perto do mundo, de longe de casa”

1 Magnani, José Guilherme Cantor. “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana.” Revista Brasileira de

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moradores do local. Ou seja, foi necessário me afastar para me perceber, mas também para perceber o outro. Era preciso “estranhar o familiar” (Velho, 1987)2,

confrontar intelectual e emocionalmente diferentes olhares e interpretações, sem cair em julgamentos apressados e preconceituosos (Velho, 1987) advindos da minha posição no sistema sociocultural.

Voltando o olhar para o Rio Comprido, depara-se com essas diferentes perspectivas sobre o bairro, que se localiza na zona central do Rio de Janeiro, para “além-túnel” (Rebouças), sob uma perspectiva da zona sul; confundido por muitos com Tijuca, Estácio ou Catumbi; conceituado como o “terror da zona norte”; espremido entre morros (que se transformaram em favelas ao longo do processo de ocupação); e brutalmente marcado por um enorme viaduto que o transformou em local de passagem. Passou por diversas transformações territoriais históricas, vive um abandono por parte do poder público e questões sociais complexas, de intensa desigualdade e concentração de pobreza.

Fotografias tiradas em campo - Rio Comprido, Rio de Janeiro (2015

).

2 Velho, Gilberto. “Observando o familiar” in Individualismo e Cultura: notas para uma antropologia da sociedade

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Entretanto, percebe-se uma tentativa recente de renascimento, provocada pela

dinamização decorrente dos eventos internacionais (Copa do Mundo e Olimpíadas), que acaba por gerar um movimento de convivência conflitante mas também interessante pela riqueza de sua diversidade, entre a crise de uns e a ascensão de outros, entre a esperança e o medo. Com o histórico de bairro “nobre” e a existência de muitas residências de grande porte, observam-se famílias de segmentos sociais médios que ali estão há muitas gerações e não saem pelo apego afetivo ou falta de condição financeira; casas adquiridas por empresas (predominantemente de segurança), outras com investimentos de novos negócios locais; antigos moradores das favelas passando a viver no “asfalto” e muitos expulsos da zona sul pela supervalorização imobiliária; proliferação de bares e restaurantes que atraem grande quantidade de pessoas da região; obras de escala desproporcional e atentados ao patrimônio histórico do bairro; etc.

A inquietação inicial da investigação tendia a projetos de apropriação e requalificação da área abaixo do Viaduto Paulo de Frontin, por representar um problema de impacto imediato na vida cotidiana dos moradores, sendo uma área em estado de abandono e degradação, mas também um marco simbólico na história do bairro e em sua configuração, visto que corta toda a sua extensão. Entretanto, ao se perceber a complexidade de atores, suas relações e dinâmicas, resolveu-se abrir o processo de criação para caminhos além dos interesses pessoais, que pudessem ser gerados a partir dessa interação. Além disso, era preciso maior reflexão acerca das questões relacionadas a esta aparente melhoria de espaços públicos degradados, cuja renovação mal direcionada poderia gerar especulação imobiliária, consequente expulsão da população de baixa renda e ainda maior exclusão social – o conhecido processo de gentrificação, presente em grande parte do planejamento urbano contemporâneo, que prioriza parcerias entre o poder público e o setor privado, transformando os lugares em mercadorias para consumo na velocidade do capital (Magnani, 2002; Arantes, 1998)3.

Em alternância focal para o nível pessoal, encontro uma relação contraditória, narrada por situações diversas que geraram memórias afetivas e grande carinho, mas também indignação com a precariedade e desejo permanente de saída. As vivências pessoais dos últimos anos determinaram uma nova percepção mais consciente e crítica sobre a realidade local, transformando a percepção do problema em oportunidade, e refletindo sobre a responsabilidade cidadã na construção do espaço público, assim como nas possibilidades de atuação profissional para estimular esse processo, num sentido contrário à inércia habitual de contestação sem ação.

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Já em Portugal, com chegada recente à cidade do Porto e em processo de descoberta de muitas novidades em uma cidade até então desconhecida, realizou-se uma imersão durante o workshop de abordagens espaciais, ampliando o contato com as múltiplas dimensões e diferentes perspectivas do espaço escolhido. Paralelamente aos trabalhos realizados para a disciplina de Desenho e Levantamento do Lugar, individual e coletivamente, a experiência contribuiu para revelar camadas ocultas, conhecer novos pontos de vista, me colocar no lugar do outro, questionar interpretações habituais, explorar múltiplas sensações, entender configurações e necessidades, imaginar possibilidades futuras.

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Trabalhos executados durante o Mestrado: “Desenho e Levantamento do lugar”.

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O projeto espacial performativo conduziu ao aprofundamento conceitual da investigação e à conexão entre as diferentes camadas de elementos experimentados anteriormente; ampliou o entendimento sobre o espaço público antropológico e político; introduziu a questão da participação social na construção coletiva de lugares de pertencimento e acolhimento. A partir da proposta de construção de abrigo com a manipulação de objetos, entre corpo e espaço, além da análise de projetos artísticos com objetivos análogos, buscou-se uma experimentação colaborativa de criação fluida e dinâmica, no intuito de sensibilizar à troca entre a diversidade cultural através de “máscaras” representativas da individualidade em interação heterogênea e democrática.

Outro projeto, realizado na zona das Fontainhas em conjunto com o colega de mestrado, o arquiteto Nuno Pimenta, foi importante para consolidar os interesses da investigação, através de um processo mais amplo e aprofundado, com diferentes etapas de levantamento do lugar, vivência da comunidade e planejamento das ações. Propõe-se a criação de um espaço comunitário aberto (“Estaleiro”), para construção e desenvolvimento de acordo com as necessidades surgidas durante o processo de convivência e troca entre a população residente e uma equipe de trabalho multidisciplinar (arte, arquitetura e design). Foi realizada extensa pesquisa histórica e levantamento presencial do lugar através da vivência e relação com os moradores. Foram previstas atividades de ativação e consciencialização da comunidade, em que seriam testadas algumas ferramentas de codesign para a geração de soluções para os problemas locais (a serem discutidos com os moradores), mas o trabalho não chegou à fase de implementação.

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Fragmentos do livro de projecto realizado na zona das Fontainhas.

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Em paralelo às experimentações e reflexões, revisitou-se o interesse inicial de ação no Rio Comprido, reavaliando objetivos e abordagens, buscando maior conhecimento do local e suas questões, assim como um exercício mais consciente e responsável da atividade projetual. Foi explorada a relação entre o design e a antropologia como via para uma investigação-ação, incursões no terreno, observação participante e entrevistas, para aprofundar a relação com os atores sociais, criar empatia e estabelecer laços que permitissem a criação colaborativa. No contexto do projeto, uma iniciativa no bairro deveria conter a preocupação de acolher, assumir e preservar sua heterogeneidade cultural, estudar suas dinâmicas sociais e prever mecanismos de inclusão. O objetivo do projecto de pesquisa é gerar um espaço de pertencimento e criação coletiva; testar a capacidade do design em ativar as pessoas e promover a reflexão; experimentar dinâmicas de interação que promovam o envolvimento comunitário; num processo aberto que explore suas histórias, memórias e vivências enquanto ativos para a co-criação de cenários futuros e incentivo à imaginação coletiva.

Com uso de ferramentas de visualização para o estímulo de conversas sociais no espaço público offline e online, foi recolhida uma multiplicidade de perspectivas e de novas informações sobre o lugar a partir da experiência dos moradores locais. Com isso, surgiram muitas possibilidades de desenvolvimento projetual, resultando em novos produtos para dar visibilidade às informações obtidas, além da construção de possíveis cenários futuros para a região. Para atender a esse contexto complexo e em fluxo constante, optou-se pela abordagem metaprojetual como sistema metodológico aberto em contínuo processo exploratório de reflexão-na-ação (Reyes, 2010)4, cujo resultado tentou contemplar alternativas diversas que pudessem servir

de insumo para a elaboração de outros projetos, contribuindo para atender às reais necessidades e desejos dos habitantes e para a aumentar a participação social nos processos de construção do público em contextos urbanos.

A presente dissertação vai percorrer os conteúdos representados no seguinte diagrama, na tentativa de buscar possíveis respostas para a pergunta de investigação: Como pode o design estimular o envolvimento das pessoas para a melhoria dos espaços públicos em que vivem?

4 Reyes, Paulo. Construção de cenários em design: o papel da imagem e do tempo. Artigo apresentado no 9o

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Diagrama de conteúdos da investigação;

Post its com conteúdos; Esboço do diagrama.

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A dissertação está estruturada em três blocos após esta primeira parte introdutória, sendo o segundo capítulo contextual aos interesses relativos ao espaço público, o terceiro referente às abordagens teóricas e metodológicas da diciplina de design relevantes para esta investigação, na busca de se construir um método próprio de atuação no espaço público por meio do design. O quarto capítulo narra as atividades práticas do projecto de pesquisa realizado no bairro do Rio Comprido, na cidade do Rio de Janeiro (Brasil).

Portanto, o capítulo que segue vai buscar melhor compreensão das dinâmicas envolvidas na construção e reinvenção dos espaços públicos e será analisado o contexto de recorte para esta investigação. Assume-se relevante a vivência num mundo complexo, conectado e fluido, que atravessa um momento de “interregno” (Bauman, 2015)5 em que as certezas e práticas de outrora foram diluídas e se

busca construir novas formas de organizar a vida humana, num movimento de mudança de paradigma e reencantamento (Maffesolli, 2014)6. Sobre a “produção

capitalista do espaço urbano” (Harvey, 2014)7 será examinado o processo de

expansão desordenada do espaço público relacionado à acumulação de capital e a consequente organização desigual e excludente sobre o “direito à cidade” (Lefebvre, 2008)8. Vai então relacionar a reivindicação proposta por David Harvey por “algum

tipo de poder configurador sobre os processos de urbanização” (Harvey, 2014: 30), à emergente valorização das micropráticas urbanas como uma nova possibilidade de urbanismo de baixo para cima (Rosa, 2011)9.

O terceiro capítulo vai se aprofundar sobre as consequências das transformações contemporâneas no campo disciplinar do design, que provocou uma desmaterialização de seus objetos de trabalho e expansão de atuação. Sob o entendimento particular de que o design deve se posicionar nesse processo de transição, na tentativa de o direcionar para a construção de uma sociedade sustentável (Manzini, 2008)10, a

investigação percorre o campo do Design para a Inovação Social e se aproxima do emergente Design Anthropology, campo interdisciplinar que explora a possibilidade de atuação engajada em correspondência aos fluxos do contexto no sentido de sua

5 Bauman, Zygmunt. “Talvez estejamos em plena revolução”. Outras Palavras (2015).

http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/bauman-talvez-estejamos-em-plena-revolucao/ (último acesso em 28/04/2015).

6 Maffesoli, Michel. Conferência: Cibercultura e Remitologização Pós-Moderna. Universidade Lusófona do Porto

(01/12/2014).

7 Harvey, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014. 8 Lefebvre, Henri. O direito à cidade. Centauro Editora, 2008.

9 Rosa, Marcos; ed. Microplanejamento de práticas urbanas criativas; São Paulo: Microplanning urban creative

practices; São Paulo. Ed. De Cultura, 2011.

10 Manzini, Ezio. “Design para a inovação social e sustentabilidade.” Cadernos do Grupo de Altos Estudos, Programa

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transformação participativa (Anastassakis, 2013; Ingold, 2013)11,12. Com interesse

na abordagem participativa, serão ainda analisadas algumas metodologias e ferramentas de codesign que buscam reunir pessoas e estimular o diálogo em torno dos assuntos de interesse, através de estratégias e táticas utilizadas para mediar questões e comunicar visões (Binder, 2011; DiSalvo, 2009)13, 14,.

No quarto capítulo será relatada a experiência prática, que consta nesta investigação em modalidade de trabalho de projeto. Com presença no terreno e relação engajada com a comunidade envolvente, buscou-se criar um ambiente dialógico em construção permanente, sem resultados previamente determinados, com objetivo de estimular a imaginação coletiva sobre as questões do bairro, passando pelo resgate da memória como elemento de ativação do sentimento de pertencimento em direção à construção compartilhada do público.

Em paralelo, serão apresentados ao longo do texto alguns estudos de caso relevantes aos assuntos abordados na investigação, que serviram como inspiração e referência crítica o desenvolvimento teórico e projetual. Por fim, as considerações finais vão refletir sobre o processo de investigação e trabalho de projeto, apontando as principais descobertas e desafios, além das oportunidades de seguir com os questionamentos sobre o papel do design na sociedade, as abordagens colaborativas para contribuição da ampliação da democracia e o desenvolvimento de alternativas para as problemáticas dos espaços públicos.

11 Anastassakis, Zoy. “Laboratório de Design e Antropologia: preâmbulos teóricos e práticos”. In: Arcos Design. Rio

de Janeiro: PPD ESDI UERJ. Volume 7 Número 1. pp. 178-193. Junho, 2013.

12 Ingold, Tim. Making: Anthropology, Archaeology, Art and Architecture. Abingdon: Routledge, 2013.

13 Binder, Thomas, Giorgio De Michelis, Pelle Ehn, Giulio Jacucci, Per Linde e Ina Wagner. Design Things. The MIT

Press, 2011.

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Fotografia tirada em campo - Rio Comprido, Rio de Janeiro (2015).

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Segundo o sociólogo Zigmund Bauman, vivemos um momento de “interregno”, um

cenário de transição sem futuro definido, em que as antigas formas de lidar com os problemas da realidade já não funcionam, mas ainda não sabemos como fazer diferente (Bauman, 2015). Para ele, o século XX viveu o apogeu do mundo sólido, da “modernidade pesada”, baseada em sistemas rígidos, fechados e homogêneos, de forma que se pudessem ser previstos e administrados; em que o progresso significava tamanho crescente e expansão territorial. Mas a “modernidade líquida” flutua sem seus pilares na cultura do consumo e do imediatismo, num mundo múltiplo, complexo e rápido, da busca de realização imediata e do capital flutuante cuja mobilidade constitui a base da dominação e das divisões sociais. “O advento da instantaneidade conduz a cultura e a ética humanas a um território não mapeado e inexplorado, onde a maioria dos hábitos aprendidos para lidar com os afazeres da vida perdeu sua utilidade e sentido” (Bauman, 2001: 149).

Para o sociólogo Michel Maffesoli, nossa civilização vive uma mudança de paradigma que demanda um pensamento para além da lógica cartesiana, a partir da saturação do mito moderno de progresso que provocou um “desencantamento do mundo”. Acredita na necessidade de criação de uma “nova dinâmica social” através da reflexão sobre o cotidiano e da “sensibilidade pós-moderna”, metamorfose já em curso com o surgimento de “tribos” que deverão se conectar em uma rede complexa regida não mais pela economia capitalista, mas pela união do conhecimento com a ecologia (“ecosofia”), por meio da tecnologia (“tecnomagia”), em um pacto emocional que inclui o sonho e o mito, o pertencimento e a identificação” (Maffesoli, 2014).

De acordo com o filósofo John Holloway, será possível “mudar o mundo sem tomar o poder” (Holloway, 2013), a partir de fissuras no sistema que representem uma recusa

2. O espaço público no mundo complexo

2.1 Fluidez e conexão, rumo a um novo paradigma

“Break. We want to break. We want to create a different world. Now. Nothing more common, nothing more obvious.

Nothing more simple. Nothing more difficult.” (John Holloway, 2010)15

15“Nós queremos romper. Nós queremos criar um mundo diferente. Agora. Nada mais comum, nada mais óbvio. Nada

mais simples. Nada mais difícil.” (Tradução própria) Holloway, John. Fissurar o capitalismo. São Paulo: Publisher Brasil, 2013.

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à lógica do capital e, portanto, uma possibilidade de rompimento com esse sistema, através da expansão, multiplicação e conexão dessas fendas heterogêneas.

É importante perceber este momento de transformação, chamado por tantos de “pós-modernidade” ou “sobre“pós-modernidade”, em que os avanços tecnológicos permitiram um nível de conexão e fluidez antes impensável, os novos meios de comunicação e tecnologias de informação passaram a permear nossas vidas, ações e relações, em que as noções de tempo e espaço tomaram outras proporções. De acordo com Cartwright e Sturken (2003)16, esse período marca uma ruptura com o pensamento

moderno e evidencia a ideia de pluralismo e multiplicidade, com foco na diferença, na variedade de categorias de identidades, como produto das nossas relações sociais e institucionais; considera diferentes interpretações e significados por parte dos observadores, contrariando as ‘metanarrativas’ como entendimento de uma verdade.

“Alguns teóricos têm usado o termo pós-moderno para descrever a ‘lógica cultural do capitalismo tardio’ do pós-guerra (...). Essa definição destaca o papel formal das condições econômicas e políticas incluindo a globalização pós-guerra, o surgimento da novas tecnologias da informação e a separação do tradicional estado-nação na emersão dos meios de produção pós-modenos” (Cartwright e Sturken, 2003: 239-240).

Apesar de todas as condições técnicas disponíveis para se construir a realidade desejada, a parcela da população de fato beneficiada é muito pequena, a democracia é exercida de maneira restrita e a desigualdade social intensa. O modelo moderno também gerou escassez dos recursos materiais do planeta e uma crise ambiental alarmante. Torna-se necessário se posicionar ativamente nesse processo de transição para contribuir para seu direcionamento positivo, no sentido da sustentabilidade e da democracia, e esta investigação busca explorar tais possibilidades sob o ponto de vista da disciplina de design.

Segundo o professor e pesquisador em design Ezio Manzini (2015), o que está emergindo é uma potencialidade, uma mudança de paradigma que será conduzida pelos interesses, capacidades e limitações dos seres humanos, podendo resultar em uma civilização mais sustentável ou se dirigir ao colapso. Esse autor defende que o design deve colaborar com o desafio de “mudar a mudança”, através da descontinuidade sistêmica sobre os níveis de produção e consumo material, repensando e criando novas formas de interações entre os seres humanos e seus artefatos cotidianos (Manzini, 2013). A abordagem do design para a inovação social

16 Cartwright, Lisa e Marina Sturken. Practices of looking. Oxford: Oxford University Press. Postmodernism and

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proposta por Manzini será aprofundada no capítulo 3, mas aqui pode ser associada

aos conceitos de “tribos”, de Maffesolli, e “fissuras”, de Holloway, enquanto inovações que partem de iniciativas espontâneas de pessoas e grupos e que os designers profissionais devem incentivar, apoiar, fortalecer e conectar.

Tais movimentos já estão em processo no mundo hoje, gerando novas dinâmicas sociais mais coerentes com os desejos e necessidades das pessoas, em nível local e particular. O desenvolvimento desses pequenos projetos devolvem a riqueza e a diversidade da escala humana, em oposição a megaprojetos que partem da ideia impositiva e excludente de unidade. Recuperam valores como a cooperação, a colaboração e o compartilhamento, como forma de organização para solucionar os problemas do mundo complexo contemporâneo, em oposição às práticas individualistas da sociedade moderna. No lugar da economia que gera escassez para gerar valor econômico, a economia da abundância aproveita os recursos existentes em novas conexões, transformando-os em infinitas combinações, em processo horizontal e de baixo para cima (em oposição à hierarquia vertical e de cima para baixo).

Segundo o sociólogo Richard Sennett (2012)17, a sociedade moderna está

desabilitando as pessoas na condução da vida cotidiana, as pessoas passaram a viver em compartimentos e desaprenderam a conviver com a diferença e a se comunicar, apesar de terem mais recursos tecnológicos. Considera a cooperação uma habilidade social a ser desenvolvida através da prática cotidiana da empatia e da troca dialógica, em que todas as partes se beneficiam por compensar aquilo que acaso falte ao outro individualmente através da partilha, fundamental para o funcionamento de uma sociedade complexa.

E a hiperconectividade advinda da internet interliga um sistema complexo de organização distribuída, facilitado pelas interfaces das mídias sociais digitais, e aproxima pessoas com interesses semelhantes de lugares diferentes que antes nunca poderiam imaginar se conhecer. Cria novas comunidades, que saem do espaço virtual para o físico, formando um espaço híbrido de convivência. Esse panorama compõe o plano de fundo desta investigação, como um objetivo utópico de se contribuir para essa mudança de paradigma rumo a uma sociedade mais sustentável e igualitária através da reflexão sobre o papel do designer e suas possibilidades de atuação nesse sentido.

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Em busca da compreensão sobre o que se entende por espaço público no mundo ocidental contemporâneo, foram explorados diferentes pontos de vista advindos de campos disciplinares diversos, por se tratar de um tema multi e transdisciplinar, de interesse político, sociológico, antropológico, da geografia, arquitetura e urbanismo, artes, psicologia, etc. Procurou-se perceber a evolução da formação histórica do espaço urbano e os elementos influentes em sua configuração dinâmica e em contínua transformação.

Concebido como um guia para um percurso pelo pensamento antropológico sobre o espaço, “Antropologia do Espaço”, de Filomena Silvano (2010)18, fornece informações

teóricas gerais sobre o campo disciplinar e apresenta importantes autores clássicos e contemporâneos que contribuíram para a formação conceitual e metodológica do espaço enquanto objeto de estudo das ciências sociais. As primeiras ideias formuladas não tinham o espaço como assunto central mas foram importantes para as obras posteriores, produzidas a partir de 1960. Sob esse ponto de vista, destacam-se alguns trabalhos clássicos que permitiram “definir a especificidade do espaço enquanto realidade social, afirmando o laço indissociável que estabelece com a sociedade que o habita” (Silvano, 2010: 12), assim como o seu entendimento como representação e realidade material, como um objeto complexo integrado por dimensões diversas.

Émile Durkheim (2002, apud Silvano, 2010) aborda o espaço como produto do pensamento coletivo, como uma representação coordenada do heterogêneo para produção de sentido a partir de valores afetivos de origem social, mas também enquanto dimensão material. Em contribuição com esse conceito de Morfologia Social, Marcel Mauss (1974, apud Silvano, 2010) define a vida social como função de seu substrato material, com o qual varia, e Durkheim complexifica suas ideias iniciais, assumindo a morfologia (materialidade), as práticas e as representações

2.2 Produção capitalista do espaço urbano

“O direito à cidade é muito mais do que um direito de acesso individual ou grupal aos recursos que a cidade incorpora: é um direito de mudar e reinventar a cidade mais de acordo com nossos mais profundos desejos.” (Harvey, 2014: 28)

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como três dimensões mediadas pelo espaço, que se torna um objeto complexo.

Em complementação, Maurice Halbwachs (1968, apud Silvano, 2010) assume o espaço como suporte das memórias, como garantia da manutenção e transmissão da memória coletiva, como imagem de permanência e estabilidade.

Claude Lévi-Strauss (1979, apud Silvano, 2010) se inscreve na linha de sucessão dos autores anteriores, tendo participação fundamental na formação da Antropologia do Espaço. Relaciona a estrutura do espaço com as identidades coletivas, em representação complexa da diversidade social através do estudo de dados etnográficos.

Georg Simmel (1990, apud Silvano, 2010) e Walter Benjamin (1979, apud Silvano, 2010) se aproximam das questões do mundo contemporâneo a partir da observação sobre a cidade, elencando a mobilidade como fator de organização da cultura e do espaço da cidade. Sob a figura do estrangeiro (Simmel) e do passeante (Benjamin), articulam conceitos de proximidade, distanciamento e movimento, de liberdade, identidade e individualidade, além da multiplicidade de olhares sobre o espaço. Tiveram grande influência em autores que vieram a integrar a denominada Escola de Chicago, uma corrente heterogênea de pensamento sociológico acerca dos fenômenos urbanos que gerou um conjunto de trabalhos de pesquisa entre 1925 e 1940. Segundo as palavras de um dos fundadores da Escola, Robert Park (1990, apud Silvano, 2010), a mobilidade assegura a qualquer indivíduo uma experiência particular e um ponto de vista independente, adquiridos durante suas aventuras no espaço, o que o constitui como pessoa.

De acordo com Howard Becker (1996, apud Teodósio, 2003), os sociólogos de Chicago tiveram grande importância para o avanço metodológico da investigação social, na medida que desenvolveram métodos próprios de trabalho, voltando-se para o estudo empírico e o trabalho de campo através de entrevistas, da coleta de dados históricos e estatísticos. Para Alain Coulon (1996, apud Teodósio, 2003), outro grande contributo foi a orientação multidisciplinar no estudo do tema, buscando manter diálogo com diferentes campos do saber.

Seguindo a trajetória cronológica de Filomena Silvano, destaca-se a obra de Henri Lefebvre: “A Produção do Espaço” (2006), publicada pela primeira vez em 1974. Sob influência do pensamento marxista, Lefebvre focaliza no processo de

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produzir o espaço a partir de suas práticas sociais, relacionando três conceitos em permanente interação dialética: prática social, representação do espaço e espaço de representação. Com dimensão antropológica, percebe a produção do espaço como um processo de fazer e representar-se, em que cada cidadão possui competência e performance próprias pra organizar suas práticas em signos e códigos específicos. E adentra as dimensões mais subjetivas do espaço cotidiano, que é vivido antes de ser percebido, se posicionando à margem de teorias urbanas generalistas que utilizam sistemas simbólicos para a concepção dos espaços.

“Pode-se supor que a prática espacial, as representações do espaço e os espaços de representação intervêm diferentemente na produção do espaço: segundo suas qualidades e propriedades, segundo as sociedades (modo de produção), segundo as épocas. As relações entre esses três momentos – o percebido, o concebido, o vivido – nunca são simples, nem estáveis” (Lefebvre, 2006: 45).

Explorando as ideias de Lefebvre sobre “O direito à cidade” (2008), David Harvey (2014) defende que é necessário reivindicar sobre o poder coletivo de representação na construção e reinvenção das cidades, visto que seu processo histórico está associado à acumulação de excedentes de produção, polarização na distribuição de riqueza e poder, em ligação íntima com o desenvolvimento do capitalismo e, portanto, como um fenômeno de classe. A “produção capitalista do espaço” (Harvey, 2014) priorizou os interesses econômicos aos humanos e gerou um território urbano consumista com desigualdade de participação e exclusão social, concentração de pobreza, em movimentos de desapropriação, privatização e gentrificação.

Em resposta ao aumento progressivo da população das cidades e suas transformações, operações urbanas foram implementadas em intervenção às representações do espaço, relacionadas a sua produção e organização por meio de sistemas de signos, de forma homogeneizante, sem considerar suas especificidades culturais locais e práticas sociais. Projetos de revitalização e requalificação recentes estão associados a um tipo de planejamento estratégico que acabam por intensificar as desigualdades sociais e a produção de um território excludente, através de parcerias público-privadas que buscam recuperar espaços degradados e gerar novas dinâmicas sociais, atraindo novos moradores e usuários com maior poder aquisitivo e transformando os lugares em objeto de consumo, com consequente exclusão da população de baixa renda (Magnani, 2002).

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19 Vainer, Carlos. “Pátria, empresa e mercadoria - Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico

Urbano.” In A Cidade do Pensamento Único. Editora Vozes, 2000.

20 Arantes, Otília. Urbanismo em fim de linha. São Paulo: EDUSP, 1998.

21 Maricato, Ermínia. “As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias”, in Otília Arantes; Carlos Vainer & Ermínia

Maricato. A cidade do pensamento único. Petrópolis, Vozes, 2000.

22 Silva, Eugenio. “O Planejamento Estratégico sem plano: uma análise do empreendedorismo urbano no Brasil.”

Revista de Geografia e Ordenamento do Território, n.º 2 (Dezembro). Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território, 2012.

De acordo com Carlos Vainer (2000)19, o modelo de planejamento urbano difundido

no Brasil é transposto do planejamento empresarial, que pensa as cidades como empresas em concorrência em um mercado internacional. As “cidades-empresa” e “cidades-mercadoria” são construídas a partir da apropriação do capital, da valorização imobiliária e da privatização dos espaços públicos, em sucessivos processos de segregação e homogeneização (Vainer, 2002). Segundo Otília Arantes (1998)20, a ”mundialização do capital (...) transforma os alegados valores locais em

mercadorias a serem igualmente consumidas e recicladas na mesma velocidade em que se move o capital” (Arantes, 1998: 187). Já Ermínia Maricato (2000)21 “declara-se

em prol de um urbanismo socialmente includente e democrático” (Magnani, 2002: 14), “partindo do pressuposto de que o plano urbano deve ser a expressão democrática da sociedade, se se pretender combater a desigualdade” (Maricato, 2002: 180), em crítica ao suposto planejamento participativo sem prática social efetiva.

No Brasil, Planos Diretores Participativos tornaram-se comuns com a Promulgação da Constituição de 1988, que apresentava o Estatuto da Cidade. Porém, a participação que se pretendia que fosse ativa deu lugar a um envolvimento meramente contemplativo, mais caracterizado como forma de marketing urbano que visasse promover a cidade para o exterior para atrair visitantes e investimento econômico, bem como gerar consenso entre os cidadãos através de uma assistência ao espetáculo com a construção de obras de grande porte, gerando não mais do que uma ilusão de participação. O processo urbano levado a cabo pelo Estado capitalista favoreceu as classes dominantes, investiu em áreas já enobrecidas, sem melhorar as condições sociais das classes mais necessitadas (Silva, 2012)22.

O termo gentrificação surge para dar nome a esse fenômeno de filtragem social da cidade, com reforço da segregação sócio-espacial que opera no mercado da habitação em recomposição à degradação de bairros tradicionalmente populares e sua substituição para as classes média e alta (Silva, 2012). O investimento em determinada região acaba por gerar valorização imobiliária e afetar suas dinâmicas sociais, acarretando aumento de custos de bens e serviços e dificultando a permanência de antigos moradores. Os processos de gentrificação têm sido associados aos projetos de intervenção urbana implementados para melhoria e recuperação de áreas degradadas nas cidades.

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Segundo Portas, enquanto por intervenção urbana entende-se um conjunto de programas e projetos que incidem sobre os tecidos urbanizados dos aglomerados tendo em vista a sua reestruturação ou revitalização funcional, por recuperação ou reabilitação arquitetônica, ou ainda reapropriação social e cultural, compreende-se o uso estratégico de recursos culturais tendo por objetivo o desenvolvimento local (Portas, 1998 apud Pasquotto, 2010)23.

Renovação urbana, termo criado em 1950, incluía diferentes programas para a transformação da estrutura urbana, conservação envolvendo reabilitação ou demolição e redesenvolvimento, enquanto movimento modernista de adaptação das cidades às necessidades da vida moderna, perspectiva de solução num contexto de crise pós-guerra e urgências econômicas e sociais. O termo revitalização surge em 1960 como proposta de atribuir novas funções e formas às arquiteturas e paisagens urbanas constituídas, associado à preservação do patrimônio histórico. Na década de 1990 começou a ser questionado por gerar expulsão da população residente e interferir nas dinâmicas locais, identidade, memória e estética. Na tentativa de se adequar às propostas e enfoques, surgem então outros termos – reconversão, recomposição, reciclagem, regeneração, reocupação, dentre outros. Já reabilitação veio como tendência do novo milênio, no sentido de origem e estabelecimento dos direitos, em ações integradas de recuperação de uma área urbana, implicando restauros arquitetônicos e revitalização do tecido econômico e social (Pasquotto, 2010).

Este assunto assume particular relevância para esta investigação, que pretende debater formas de intervenção no espaço urbano que atuam na tentativa de recuperar áreas urbanas em estado de degradação, em associação a um projeto de pesquisa que busca contribuir para a melhoria local de forma democrática e participativa, com interesse nas necessidades reais dos habitantes e sua manutenção, na preservação do patrimônio histórico e cultural, e na possibilidade de criação coletiva e autogestão. Para tanto, fez-se necessário refletir sobre os termos associados a essas possibilidades de intervenção, os possíveis processos de gentrificação decorrentes e a busca de alternativas mais includentes e democráticas de produção do espaço urbano.

23 Pasquotto, Geise. “Renovação, Revitalização e Reabilitação: reflexões sobre as terminologias nas intervenções

urbanas.” Revista Complexus – Instituto Superior de Engenharia Arquitetura E Design – Ceunsp, Salto-Sp, Ano. 1, N.2, P. 143-149 , Setembro de 2010.

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Estudo de caso: Parque do Minhocão (São Paulo, Brasil)

Possui características semelhantes ao terrenos desta investigação, por ter sofrido intensa degradação a partir da construção de um grande empreendimento público, no caso o elevado Presidente Costa e Silva, possuir localização estratégica e ter passado por muitas transformações em sua ocupação social. Sua desativação gradativa foi estabelecida no Plano Diretor Estratégico e se discute saídas para a “cicatriz urbana” que representa, desde sua demolição à implantação de um parque (como o High Line em Nova York). Em meio às complexidades envolvidas nessa decisão e às críticas diversas ao planejamento urbano corrente, “principalmente relacionadas a tendência de aumentar a exclusão social, a ausência de participação popular no processo de planejamento e o controle do processo de desenvolvimento urbano pelo setor privado” (Barbosa, 2012), o tráfego foi suspenso no período noturno e aos domingos, com apropriação da população e sua utilização como palco para atividades culturais e de lazer.

Fonte: http://minhocao.org

Estudo de caso: Folly for a Flyover (Londres, Inglaterra)

Projeto de instalação temporária do Assemble Studio para demonstrar o potencial de transformação de um espaço subutilizado de baixo de uma rodovia desativada. Foi construído por 200 voluntários, com material reutilizado e mais de 40 mil visitantes. A variada programação contou com teatro e cinema, café, passeios de barco e workshops. Após o sucesso, recebeu investimento público para funcionamento permanente.

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Nesse mundo complexo de interações fluidas e fugazes, as pessoas perderam sua conexão com o espaço público, desde a sua percepção mais sutil e quotidiana, de experiência sensível ao caminho percorrido, em relação com o tempo e a memória; à consciência política sobre seus direitos e responsabilidades de sua participação individual e coletiva na sociedade. O direito ao espaço, enquanto produto e palco de expressão e manifestação, deveria ser acessível a todos de forma democrática e inclusiva. Como alternativa ao tipo de planejamento urbano corrente, muitos profissionais de áreas como a arquitetura e o urbanismo, arte e design, buscam novas formas de intervir no espaço público, através da participação social em projetos de escala mais humana. Surgem linhas como o “Urbanismo Tático” e o “Placemaking”, que pretendem construir lugares a partir do sentido produzido pelas relações entre as pessoas e sua conexão com o espaço, das questões, interesses, desejos e sentimentos das comunidades que o habitam.

O Placemaking é uma abordagem de transformação dos espaços públicos através da ação coletiva da comunidade que o habita, suas identidades físicas, sociais e culturais, seus ativos, desejos, ideias e necessidades. Pretende fortalecer a conexão entre as pessoas e os lugares através de um processo colaborativo de reimaginação e apropriação dos espaços cotidianos potenciais, guiado por ferramentas e princípios próprios que têm o objetivo de ajudar as comunidades a integrar diversas opiniões em uma visão compartilhada, traduzir em um plano e implementar de forma sustentável (Project for Public Spaces - PPS)24.

Embora o termo seja utilizado desde meados dos anos 90, o pensamento que o inspira surgiu nos anos 60 com as ideias inovadoras de desenhar as cidades para as pessoas, seguindo o exemplo de Jane Jacobs. Em 1961, Jacobs faz um ataque aos fundamentos do planejamento e da reurbanização ora vigentes (Jacobs, 2000)25, baseados em princípios e objetivos modernos e ortodoxos. Considera as cidades um imenso laboratório de fracassos e sucessos em termos de construção e desenho, onde o planejamento urbano deveria aprender, elaborar e testar suas teorias. Mas, ao invés disso, os especialistas e teóricos ignoram o cotidiano das cidades reais e seguem teorias prontas que acabam por saquear as cidades, expropriar pessoas e comunidades, destruir pequenos negócios. Defende a diversidade como meio

2.3 Microplanejamento de práticas urbanas

24 http://www.pps.org/

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capaz de garantir a vitalidade urbana, a partir de um ponto de vista da prática

cotidiana e da combinação de usos.

Para conceituar o uso dos bairros, Jacobs afirma que a palavra “vizinhança” é prejudicial ao planejamento urbano enquanto conceito sentimental, pois “dá lugar a tentativas de transformar a vida urbana num arremedo da vida em cidades de pequeno porte ou subúrbios” (Jacobs, 2000: 123). Segundo Bauman, “’comunidade’ é, hoje, a última relíquia das utopias da boa sociedade de outrora; é o que sobra dos sonhos de uma vida melhor, compartilhada com vizinhos melhores, todos seguindo melhores regras de convívio” (Bauman, 2001: 108). Para Sennett (2002), a cooperação contribui para a qualidade da vida social e a comunidade parece um cenário indicado para isso; a questão é saber como desenvolver um sentimento íntimo de finalidade e propósito através da cooperação comunitária.

O arquiteto Marcos L. Rosa (2013) parte do resgate da cooperação proposto por Richard Sennett para analisar iniciativas comunitárias como possibilidade de reconstruir coletivamente os espaços urbanos em escala local, a partir das habilidades dos cidadãos em apresentar soluções para os desafios do cotidiano através da criatividade e dos recursos disponíveis (Rosa, 2013). Em “Microplanejamento de práticas urbanas criativas” (2011), Rosa faz uma documentação do que denomina de micropráticas, ações em microescala com base em práticas sociais e apropriações coletivas, chamando a atenção para a importância de iniciativas bottom-up na configuração da paisagem urbana. Os casos estudados em seu livro (São Paulo, Brasil) são auto-organizados pela populações locais como respostas emergentes à falta de espaços de coexistência com qualidade na escala humana, resultados de processos de urbanização que produziram espaços residuais, que passam a receber interesse renovado potencial pela prática criativa, representando uma possibilidade de reestruturação urbana comprometida com a escala local (Rosa, 2011).

Para tal análise, Rosa fundamentou-se no conceito de desenho tático de Michel de Certeau e o definiu como “ações isoladas ou eventos que tiram vantagens de oportunidades oferecidas por aberturas em sistemas estratégicos” (Rosa, 2011). De Certeau (1994)26 diferencia as táticas das estratégias a partir das relações de

força e poder, as quais as estratégias buscam manipular com delimitação de um lugar próprio que permite capitalizar vantagens adquiridas e preparar expansões futuras, com privilégio às relações espaciais. As táticas, por sua vez, dão pertinência ao tempo, às circunstâncias do instante, às relações entre momentos, é ação em

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movimento no campo do outro (Certeau, 1994).

Portanto, os projetos analisados por Rosa representam “táticas” urbanas locais que pretendem repensar a cidade como um campo de experimentação e reinterpretação dos espaços de encontro, criando novas conexões e redes estratégicas que podem ser absorvidas pelo planejamento urbano como forma de lidar com a complexidade. Propõe então uma “estratégia de práticas urbanas criativas em rede” (Rosa, 2011) como uma nova forma de urbanismo de baixo para cima, em que ações de resistência e valorização das especificidades locais podem ser conectadas estrategicamente e integradas ao planejamento urbano tradicional para a criação de modelos participativos mais democráticos.

“Aceitamos a cidade real, como um produto de decisões políticas, projetos e vontades coletivas e pessoais e acreditamos existir nessa cidade enorme potencial para reorganização, rearticulação, recodificação. Indicamos a tarefa de mapear os campos (...) e, por fim, apontamos para a necessidade de entender e propor mecanismos coerentes aos campos e potencial identificados. Chamamos essa tarefa de microplanejamento” (Rosa, 2011: 20).

Domenico Di Siena (2015)27, arquiteto e investigador de processos de inovação

urbana e cívica, parte do conceito de “Cidade Open Source” como um espaço de “código aberto”, em que os cidadãos têm acesso à informação de sua gestão e podem adquirir um protagonismo nos processos de criação e transformação da cidade. Com isso, defende um “Urbanismo Tático”, um conjunto de ações e micro-ações auto-organizadas pelos próprios cidadãos de forma espontânea com o objetivo de modificar e/ou melhorar os espaços que habitam. Dessa forma, a cidade volta a ser entendida como um espaço de produção social (em referência a Lefebvre) num processo contrário à visão top-down que caracteriza o planejamento urbano tradicional.

Os projetos e teorias que se aproximam dessa perspectiva contemporânea de um urbanismo mais democrático estão associados a um envolvimento com a comunidade local e suas dinâmicas sociais, valorizam a participação, a colaboração e o compartilhamento e representam uma mudança de paradigma na abordagem ao espaço urbano. A presente investigação tem a intenção de explorar essas possibilidades a partir da disciplina do design, mas em diálogo constante com os outros campos envolvidos, em entendimento do caráter transdisciplinar do tema.

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Estudo de caso: Acupuntura Urbana (São Paulo, Brasil)

O “Acupuntura Urbana” é um negócio social que atua na ocupação e transformação dos espaços públicos através do resgate, valorização e conexão das memórias e sentimentos sobre um espaço, ativando o sentimento de comunidade para transformar o espaço em lugar. Utilizam “mapeamentos afetivos”, dinâmicas de integração e ferramentas de design thinking para realizar ocupaçãoes e transformações urbanas colaborativas com os moradores locais.

Estudo de caso: Atelier d’Architecture Autogérée (Paris, França)

Estúdio de arquitetura que tem como objetivo contribuir para a construção de cidades mais ecológicas e democráticas, através de práticas sociais, políticas e culturais que estimulem as pessoas à autogestão dos espaços urbanos não utilizados. O projeto “Le 56 / Eco-interstice”, em Paris, contou com a parceria entre estruturas governamentais, organizações locais, moradores locais e uma associação profissional de eco-construção para a ativação de uma passagem fechada desde os anos de 1980. A partir de uma consulta pública sobre o futuro do local, foi criado um espaço de gestão coletiva para acolher encontros, exibições, workshops, jogos e atividades em torno da gastronomia e horticultura.

Fonte: http://acupunturaurbana.com.br

Fonte: http://www.urbantactics.org/ http://rmitallchange.weebly.com

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Fotografia tirada em campo - Rio Comprido, Rio de Janeiro (2015).

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No livro “Design para um mundo complexo” (2010)28, o historiador do design Rafael

Cardoso desafia designers e educadores da área a repensarem o papel e prática da disciplina no mundo contemporâneo. Em retomada crítica à discussão proposta em “Design para um mundo real” por Victor Papanek (1972, apud Cardoso, 2010), que defendia uma atuação dos designers que se orientasse a partir de um engajamento com o contexto de ação, atualizam-se as transformações advindas em tempo real pela explosão digital da “era da informação” (Cardoso, 2010). Papanek tornou-se ícone na discussão entre design e sustentabilidade, apontando para problemas do “mundo real” fortemente presentes ainda hoje - miséria, exploração, violência e degradação. Cardoso sugere que os designers repensem velhos conceitos e busquem novos valores diante da complexidade que assumiram as questões da atualidade a partir do excesso de informação e da desmaterialização dos artefatos. Para entender a expansão da disciplina, busca-se uma associação à estrutura do “campo expandido” proposta por Rosalind Krauss, em 197929, como uma abordagem

pós-moderna à atuação da escultura para além dos seus limites tradicionais. A partir da visão de problematização do conjunto de oposições, a escultura assume uma condição negativa da lógica do monumento e passa a abranger a (não) arquitetura e a (não) paisagem como novo conjunto de possibilidades (Krauss, 2009). Antes de se declarar um processo de questionamento de convenções, é necessário definir a categoria ou, “ao ser forçada a abranger campo tão heterogêneo, corre o perigo de entrar em colapso” (Krauss, 2009: 131).

O design é uma área do conhecimento recente e enfrenta o olhar desconfiado e crítico de outras disciplinas sobre sua legitimidade e consistência. Sendo suas

3. Design para um mundo complexo

3.1 Desmaterialização e campo expandido

“Precisamos integrar ainda mais projeto e pesquisa, prática profissional e atividades culturais, sem perder de vista a natureza essencial do design como atividade projetual, capaz de viabilizar soluções sistêmicas e criativas para os imensos desafios do mundo complexo.” (Cardoso, 2010: 253)

28 Cardoso, Rafael. Design para um mundo complexo. Editora Cosac Naify, 2011.

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definições ainda muito questionadas e debatidas, em constante processo de delineamento e transformação, apropria-se de algumas referências teóricas para sua conceptualização:

“A origem da palavra está na língua inglesa, na qual o substantivo design se refere tanto à ideia de plano, desígnio, intenção, quanto à de configuração, arranjo, estrutura (...). A origem mais remota da palavra está no latim designare, verbo que abrange ambos os sentidos, o de designar e o de desenhar. Percebe-se que, do ponto de vista etimológico, o termo já contém nas suas origens uma ambiguidade, uma tensão dinâmica, entre um aspecto abstrato de conceber/projetar/atribuir e outro concreto de registrar/configurar/ formar” (Cardoso, 1999: 16).

Além do sentido etimológico evasivo, do ponto de vista histórico o design possui formação imprecisa. As atividades que englobam o trabalho do designer existem há muito tempo, em outros contextos e sem essa denominação, porém foi a partir da primeira Revolução Industrial que se tornou necessário “estabelecer o design como uma etapa específica do processo produtivo e de encarregá-la a um trabalhador especializado” (Cardoso, 1998). A categoria é formalizada, portanto, no âmbito da produção industrial, como uma atividade projetual para a criação de artefatos por meios mecânicos, associando-se ao mundo capitalista do consumo e logo se expandindo para as mercadorias impressas (design gráfico).

O design é uma disciplina que projeta coisas e formas, “visa dar existência concreta e autônoma a ideias abstratas e subjetivas” (Cardoso, 1998: 19), investindo-lhes funções e significados simbólicos que dependem de uma dinâmica sociocultural. Segundo Gui Bonsiepe (2011)30, o designer observa o mundo a partir da projetualidade,

possibilita novas experiências na vida cotidiana numa sociedade, através de um envolvimento com o contexto e o usuário, constante conexão interdisciplinar com as áreas envolvidas e incansável pesquisa e experimentação, sempre a partir de um enfoque integrador desses elementos, com orientação para a concretização de um futuro. Independente da popularização e banalização do termo, muitas vezes confundindo a atividade do designer enquanto projetista com a aparência superficial das coisas, acredita-se que muitos designers perderam o fundamento da sua prática e se distanciaram “cada vez mais da ideia de ‘solução inteligente de problemas’, se aproximando do efêmero, da moda, do obsoletismo rápido, do jogo estético-formal, da glamourização do mundo dos objetos” (Bonsiepe, 2011: 18).

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Hoje, o design está em praticamente tudo com que interagimos, é responsável pela

formação da maior parte da cultura material de uma sociedade e tem um papel fundamental na forma do mundo como percebemos e como queremos construir no futuro. Entretanto, costuma ter seu trabalho ditado pelas demandas do mercado, sem a possibilidade de ação autônoma no sistema social. O design sempre esteve associado ao capitalismo industrial e teve participação fundamental na construção de suas representações de progresso, como o comércio e a tecnologia. Porém, segundo Bruno Latour (2014)31, o entendimento sobre o design cresceu da dicotomia

entre função e estética em “compreensão” – com apropriação de todos os aspectos possíveis de uma coisa – e em “extensão” – aplicável a estruturas cada vez maiores de produção (Latour, 2014).

Sobre a expansão do design e as “alternativas viáveis em um mundo complexo”, John Thackara (2008)32 contribui para o pensamento crítico sobre a inovação

focada na tecnologia, que nos deixou dependentes, levou à destruição impensada de culturas tradicionais e à desumanização do trabalho. Sugere a necessidade de se olhar para a tecnologia como plataforma para a mudança social, como ferramenta a ser explorada, recombinada e conectada; e não como objetivo final.

“Nessa nova era de inovação colaborativa, os designers estão tendo de evoluir de autores individuais de objetos, a facilitadores da mudança entre grandes grupos de pessoas.” (Thackara, 2008: 21)

Os avanços tecnológicos recentes são imensos, possibilitaram uma realidade antes impensável e trouxeram benefícios inegáveis para a sociedade. Tudo está conectado: pessoas de todas as partes do planeta, culturas absolutamente diferentes, profissionais, ideias, pensamentos. Há grande variedade e alta velocidade de informações e interações, gerando um ambiente fluido, em constante interferência e transformação. E esse sistema complexo, dinâmico e digital produziu profundas transformações na disciplina do design, reavaliando valores, objetivos e metodologia, e reforçando-se como uma atividade estratégica para a geração de alternativas integradas para os novos desafios do mundo contemporâneo.

Quanto à tipologia de projetos, o design expande sua atuação a partir de um processo de desmaterialização de seus objetos, surgindo áreas como o design de serviços, de interações, de organizações e de sistemas. Enquanto propósito, a disciplina volta seu olhar para as questões sociais e ambientais, em perspectivas

31 Latour, Bruno. “Um Prometeu cauteloso?: alguns passos rumo a uma filosofia do design (com especial atenção a

Peter Slotedijk).” Agitprop: revista brasileira de design, São Paulo, v. 6, n. 58, jul./ago. [2008] 2014.

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como o Design Social, para Inovação Social, Design Sustentável, Impact Design etc. Como abordagem metodológica, dirige seu foco para as pessoas, a partir do User-centered Design ou Human-centered Design, e através do Design Thinking, Participatory Design e Co-Design, em que os atores são incluídos no processo como criadores de alternativas para seus próprios problemas.

Para Latour, “a proliferação do termo design ocorre num momento em que há mais coisas a fazer, agora que todo o tecido da vida é objeto de interesse devido à crise ecológica” (Latour, 2014: 8) e “a reconstrução de nossa vida na Terra deve ser levada a cabo com uma atitude exatamente oposta às atitudes revolucionárias e modernizantes” (Latour, 2014: 11). Esse seria um ponto de partida para estender as questões do design à política, tendo como principal desafio o desenvolvimento de ferramentas para “agrupar através do desenho” as questões de interesse, de modo a dispor alguma visão sobre as dificuldades envolvidas (Latour, 2014).

Em “Democratic Design Experiments” (Binder et al, 2015)33, Thomas Binder e os

outros autores exploram o potencial democrático da participação em processos de design, a partir da experiência teórica e prática do Participatory Design, que teve abordagem inicial voltada para a democracia no trabalho e depois estendida a questões de interesse público. Em resposta aos desafios propostos por Latour de “tornar as coisas públicas”, consideram que o codesign pode ter um papel importante na democratização da democracia, enquanto um processo contínuo de fazer, reparar e desfazer alinhamentos e conexões sócio-materiais, preparando as condições para discutir questões controversas no sentido de facilitar contradições, oposições e discordâncias por meio do engajamento (Binder et al, 2015).

A seguir, serão analisados particularmente os campos e abordagens do design relevantes para esta investigação, com interesse em contribuir para enfrentar as questões sociais do mundo contemporâneo, reduzir as desigualdades e ampliar a democracia, deslocando o papel dos designers de provedores de soluções direcionadas a problemas objetivos para o de facilitadores e catalisadores de questões compartilhadas. Tal como a arte em seu campo expandido, pretende explorar os “espaços relacionais” sob “o pressuposto que a conversa, o relacional, o transitório, e o experiencial se articulam, ou podem articular, como catalisadores dinâmicos daquelas instâncias em que a prática e o pensamento demonstram, em variados graus de intensidade, a impossibilidade de uma arte alienada do político enquanto domínio dialógico” (Vaz-Pinheiro, 2012: 11)34.

33 Binder, Thomas, et al. “Democratic design experiments: between parliament and laboratory.” CoDesign 11.3-4:

152-165, 2015.

34 Vaz-Pinheiro, Gabriela (Ed.). Espaços Relacionais: Um novo campo expandido para a arte e pensamento. i2ads,

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“Nossas motivações para nos ligar ao discurso da inovação social é a crença nos princípios democráticos e um interesse em como o design pode desempenhar um papel na exploração de novas possibilidades para criar um mundo mais sustentável, igual e justo” (Ehn, 2014: 22).35

Os interesses da investigação se identificam com os do Design para a Inovação Social a partir do conceito explorado por Ezio Manzini em suas publicações e atuação profissional através da DESIS Network (Design for Social Innovation and Sustainability)36.

Para Manzini, a inovação social está para o design hoje como a inovação tecnológica esteve no século XX: como estímulo e objetivo. O Design para a Inovação Social não seria uma nova disciplina, mas um novo olhar sobre o papel do design no mundo e o que pode fazer com e para as pessoas que o habitam. Sua abordagem é participativa e centrada no ser humano enquanto indivíduo e em comunidade, através do estímulo e suporte a processos colaborativos com o objetivo de recombinar recursos existentes para criar novas funções e significados em conjunto com os atores envolvidos, na transição para uma sociedade sustentável (Manzini, 2015).

“A expressão ‘sustentabilidade ambiental’ refere-se às condições sistêmicas a partir das quais as atividades humanas, em escala mundial ou em escala local, não perturbem os ciclos naturais além dos limites de resiliência dos ecossistemas nos quais são baseados e, ao mesmo tempo, não empobreçam o capital natural que será herdado pelas futuras gerações” (Manzini, 2008: 22).

Tendo o designer contribuído bastante para a formação da sociedade do consumo responsável pela devastação do meio ambiente, seu desafio é colaborar para a descontinuidade desse sistema sócio-técnico insustentável (Manzini, 2008). O Design para a Inovação Social atua no processo de mudança de paradigma que se trabalhou nesta investigação, no sentido de direcioná-la para a construção de um mundo mais saudável, visto que não se sabe que caminhos esse processo pode tomar. Acredita que é possível intervir nesse sistema complexo através do estímulo, fortalecimento, replicação e conexão de iniciativas representativas de novos estilos de vida (“fissuras”), baseadas em interações e expectativas de bem-estar mais condizentes com a capacidade de absorção do mundo real.

3.2 Design para a inovação social

35“Our motivations for attaching ourselves to the discourse of social innovation are a belief in democratic principles

and an interest in how design can play a part in exploring new possibilities to create a more sustainable, equal, and just world” (Tradução própria). Ehn, Pelle, Elisabet Nilsson, and Rrichard Topgaard. Making Futures: Marginal Notes on Innovation, Design and Democracy. London: The MIT Press, 2014.

Referências

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